Daniel Cotrim (APAV): “Não podemos ser tolerantes com a violência doméstica”

Hoje, Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, a violência doméstica continua a ser um flagelo na sociedade portuguesa e, uma vez mais, os números não enganam: de acordo com o Observatório das Mulheres Assassinadas, entidade ligada à União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), 30 mulheres foram mortas entre o início do ano e 15 de novembro, 16 das quais vítimas em contexto de relações de intimidade. Para Daniel Cotrim, psicólogo e assistente da direção da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), “é fundamental que a justiça seja célere na tomada de medidas de proteção e coação”.

Um dia depois de a PSP ter revelado que já sinalizou este ano cerca de 800 suspeitos de crimes de violência doméstica, tendo elaborado mais de 32 mil planos de segurança individual, Daniel Cotrim refere-se às campanhas da APAV e concorda com Rui do Carmo, procurador jubilado que coordena a Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica, quando este diz que a sociedade portuguesa é condescendente com este fenómeno. “As campanhas da APAV são muito dirigidas para toda a sociedade, implicando todas as pessoas na mensagem: temos de ser responsáveis e atentos e não tolerantes à violência doméstica. O Rui do Carmo tem toda a razão: para a sociedade portuguesa a violência doméstica está profundamente naturalizada e enraizada numa discurso machista e patriarcal; temos de nos lembrar constantemente que a sua existência significa que somos ainda um país que não defende os Direitos Humanos, sobretudo os das mulheres.”

Sobre o facto de há um ano, o primeiro-ministro António Costa ter defendido revisão constitucional que criasse tribunais especializados relativos a violência doméstica, o responsável da APAV segue outro caminho. “Uma alteração desse género demora tempo e precisa de ter profissionais formados nessa especialidade. Já existem secções especializadas nos tribunais para a violência doméstica. É importante ampliar ao país. Por outro lado, também existem já Gabinetes de Apoio à Vítima que colaboram diretamente com os Departamentos de Investigação e Ação Penal do Ministério Público. Esta deve ser a aposta: a construção e solidificação de uma rede articulada e especializada para as vítimas de violência doméstica.”

Quanto aos problemas e desafios criados em função da pandemia, Cotrim explica: “O principal problema prende-se com o facto de que durante os períodos de estado de emergência as vítimas estarem mais controladas pela pessoa agressora e logo com menos acesso a respostas de apoio e ajuda; com a pandemia surgem questões associadas à economia e, como sabemos, são as mulheres que mais sofrem estas consequências, por isso as vítimas têm mais dificuldades em pedir ajuda, pois sentem medo de poder estar a dar um passo em falso. Em relação a desafios, são por um lado o desenvolvimento e o aprimoramento de serviços de apoio à distância e, por outro lado, o envolvimento da comunidade num esforço de proteção das vítimas, denunciando e reportando as situações que conhecem não só de adultos, mas também de crianças.”

Num plano mais alargado, avaliando a situação do apoio às vítimas de crimes no País, Cotrim conclui: “Existe ainda um longo caminho para fazer: enquanto a maioria das vítimas de crime em Portugal continuarem a ser tratadas pelo sistema como testemunhas – exceção feita às vítimas de violência doméstica – continuamos a passar mensagem que não têm direitos ou que até as suas queixas podem ser desvalorizadas.”

 

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