Da aversão ao risco dos empresários ao reforço da atratividade das empresas: José Miguel Leonardo analisa o tecido empresarial nacional
José Miguel Leonardo, CEO da Randstad, subiu ao palco do Museu do Oriente na XXIII Conferência Executive Digest para uma conversa com Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações Media Group, onde falaram sobre escassez de talento, o papel da organizações e o que devemos fazer para mudar e melhorar o tecido empresarial nacional.
“Não deixa de ser curioso que continuemos hoje a falar sobre escassez de pessoas, quando a população mundial atingiu os 8 mil milhões de indivíduos”, diz José Miguel Leonardo, alertando que não nos devemos levar pelo facilitismo de rotular este problema apenas como escassez, devemos tentar perceber todos os problemas intrínsecos.
Para o executivo, existe uma enorme e crescente desadequação entre aquilo que as empresas procuram enquanto perfil de competências, e aquilo que o mercado tem para oferecer no que respeita ao recrutamento. Há profissões que, por serem mais procuradas, são onde se encontram maiores dificuldades em encontrar profissionais, como é o caso das tecnológicas e do digital. “Estas são procuradas dentro de Portugal pelas empresas instaladas no país, e são procuradas em Portugal por empresas que não têm a sua matriz no país. Aqui o fenómeno da globalização também tem lugar”.
José Miguel Leonardo destaca ainda que também a mão de obra não especializada é difícil de encontrar, sendo que um dos “tormentos” atuais na área da hotelaria e restauração é encontrar pessoas disponíveis para trabalhar nesse setor.
Não querer ou não poder pagar salários mais atrativos?
De acordo com o CEO da Randstad, a questão salarial é também um elemento central nesta equação. “Portugal é um país fantástico, mas se há algo que não devemos estar orgulhosos é do baixo nível de salários que é praticado no país”.
No entanto, não acredita que este problema seja apenas superficial, da responsabilidade da desconfiança dos empresários, mas sim algo mais profundo. Para José Miguel Leonardo, temos um tecido empresarial de fraco valor acrescentado, o que leva a que, em muitos casos, a questão não é a de querer pagar maiores salários, mas sim a capacidade que as empresas têm para o fazer.
O executivo traz às conversa dados sobre o Salário Mínimo Nacional (SMN). Em 2021, 25% dos contratos de trabalho por conta de outrem efetuados em Portugal, remuneravam com o SMN, ou seja, 1 em cada 4. Em 2021 eram apenas 4%. “Passamos de ter cerca de 150.000 pessoas a receber o SMN para mais de um milhão”.
Ou seja, os salários superiores ao SMN estão automaticamente indexados a este, pois são necessários para cobrir as contribuições que não são feitas por quem o recebe, e o que deixa também receosos os gestores com o dia de amanhã e com eventuais novas subidas salariais.
Avançando no tema da carga fiscal sobre o trabalho em Portugal, Ricardo Florêncio questionou o CEO da Randstad se este é um inibidor destas questões ou apenas uma desculpa utilizada pelas empresas. A resposta foi clara por parte de José Miguel Leonardo, a política fiscal em Portugal apenas torna atrativo que os jovens emigrem.
Novos paradigmas do mundo do trabalho
A globalização vai continuar, o mundo vai continuar a ficar mais pequeno, o trabalho remoto veio comprovar que é possível trabalhar à distância, o que traz outros fatores a esta análise, o facto de que hoje há muitos profissionais em Portugal a trabalhar para projetos internacionais, ou ainda aqueles profissionais que não declaram no nosso país.
“Temos que estar preparados, temos que trabalhar mais e, essencialmente, melhor, sendo aqui a coragem e a ambição muito importantes”, afirma José Miguel Leonardo, apontando a um estudo recente da McKinsey que refere que há demasiada aversão ao risco no tecido empresarial nacional.
“Quando estamos numa organização que exige de nós o nosso melhor, damos muito mais, produzimos muito mais, do que numa organização que exige pouco de nós”, sublinha.
Qual a solução para suprir as necessidades das empresas e economia?
Questionado sobre se a imigração poderia ser uma solução para dar resposta às necessidades das empresas e da economia relativamente à contratação de recursos humanos, o CEO da Randstad baseou-se em dados recentes para informar que, atualmente, o número de cidadãos estrangeiros inscritos na Segurança Social é de 12% (530.000), em 2015 era de 3% (110.000). “Claramente isto não veio resolver a situação da escassez”, disse.
Assim, a solução deve passar por reforçar a atratividade das empresas, porque “retribuição não é apenas salário”, e temos que ser agentes ativos para reforçar essa atratividade, seja qual for o papel que tenhamos na sociedade. “Se o fizemos com o turismo, também o conseguimos fazer com o mundo do trabalho… A solução não é fácil, mas é aqui que temos que trabalhar”.
Qual é o “Call to Action”?
Para o CEO da Randstad, devemos exigir do Governo que não crie mais constrangimentos à flexibilidade laboral, e defende também que deve ser revista a incidência fiscal, pois não é normal, por exemplo, que o Estado queira levar a maior parte de um prémio que a entidade empregadora queira dar ao trabalhador.
Do lado das empresas, o executivo pede que olhem para o que fazem, trabalhem na sua cultura, uma cultura inclusiva, porque é do interesse da empresa e dos trabalhadores. Diz ainda que é importante humanizar as organizações, colocar as pessoas no centro da equação: “A tecnologia adquire-se, as pessoas têm que ser conquistadas”.
Por último, Jose Miguel Leonardo destaca: “Paremos de nos perguntar o que é que as empresas podem fazer por nós, perguntemo-nos o que nós podemos fazer por nós próprios”. O executivo sublinha que devemos ser nós próprios a zelar pelo nosso interesse, devendo permanecer curioso, atualizarmo-nos, adquirir conhecimento, estar disponíveis para as causas, e ser relevantes, pois quanto melhores nós somos, mais incentivamos a pessoa que está ao nosso lado.