Crise Política: Cenários possíveis (e improváveis), carisma de “líderes de nota 14” e o Chega a “sacar votos ao PS e PSD”. O que dizem 3 especialistas
A Operação Influencer caiu como uma bomba no Governo, levando à demissão do primeiro-ministro e à dissolução da Assembleia da República, deixando muitos portugueses com mais perguntas do que certezas sobre o futuro político de Portugal, e com novas eleições legislativas marcadas para março.
A poeira ainda não assentou, mas já começaram a surgir as primeiras sondagens, como a da Aximage para a CNN Portugal, que dá um empate técnico entre PS e PSD (com uma ligeira vantagem para o PS – 25% contra 26%) e regista grande crescimento do Chega, para os 17% das intenções de voto.
Tudo está em aberto, o PS ainda não tem líder decidido como rosto para encabeçar a corrida socialista ao Governo, mas adivinha-se uma luta renhida, com muitos e diversos cenários possíveis (e impossíveis) em cima da mesa. Nesse sentido, a Executive Digest falou com três politólogos, José Adelino Maltez, Pedro Silveira (professor da Universidade da Beira Interior – UBI), e Patrícia Silva (professora na Universidade de Aveiro), para o ajudar a desfazer o ‘novelo’ do que nos espera nos próximos meses, no panorama político.
Sondagens: São precisos “mais retratos” e Portugal não penaliza “duopólio” PS-PSD como na Europa
Sobre as sondagens já conhecidas, Adelino Maltez, começa por destacar os resultados do PS e PSD. “É um sistema de duopólio do chamado bloco central. esse duopólio existe não só em Portugal, como noutros sítios da Europa. Mas na Europa, há uns valentes anos que estes partidos de vez em quando oscilam e passam de 30 para 5% enquanto que Portugal continua a ser muito brando em punir os hábitos do duopólio”, indica o especialista, adiantando que ainda não se mediram efetivamente os verdadeiros efeitos da crise política no panorama nacional dos partidos.
Por outro lado, o professor universitário assinala o crescimento do Chega. “Vai buscar votos ao PS e a eleitores do PSD, isso está estudado. Se sacar 5% ao PSD e 5% ao PS tem 20%”. Nesse sentido, André Ventura tem feito nos últimos tempos uma mudança de “postura do homem da moderação e de sentido de Estado”.
Já Pedro Silveira, investigador de ciência política da UBI, manifesta “resistência” em dar importância às sondagens já conhecidas, e defende que “precisamos de mais fotografias da realidade”. É muito importante termos sondagens a partir de agora, para nos darem um novo retrato depois da crise, mas precisamos de várias. Uma única sondagem é limitadora. Estamos a bastante tempo das eleições, e temos um empate técnico entre PS e PSD, precisamos de mais sondagens para ver se é algo mais consistente.
Por seu lado, Patrícia Silva considera que “o PS é penalizado nas sondagens, como uma reação clara à atuação dos governantes e às suspeitas de corrupção”.
“Acresce que o desgaste pode ser mais acentuado agora, mas a sucessão de complexos casos ao longo destes dois anos não beneficia o partido que tem governado em maioria absoluta. É possível que as perdas eleitorais do PS não sejam mais acentuadas porque o eleitorado não identifica ainda uma alternativa clara, que permita uma alternância partidária no governo. E isto leva-nos a olhar para as razões pelas quais o PSD de Montenegro não consegue aproveitar estas fragilidades do PS”, continua a politóloga.
O que falta ao PSD para ‘descolar’ do PS?
Patrícia Silva explica à Executive Digest que o PSD é um partido indefinido do ponto de vista programático, o que o torna também dependente da liderança. “É um partido que necessita de lideranças carismáticas. O Carisma, contudo, não é um traço de personalidade. São carismáticos os líderes que conseguem ganhos eleitorais para o partido. Por exemplo, Barroso foi internamente contestado até vencer e conseguir uma vitória expressiva nas eleições autárquicas de 2001, que permitiu ao líder aplacar divisões internas e ganhar poder interno. Passos Coelho, por contraste, foi o segundo líder do partido com maior durabilidade como protagonista da história do partido e foi eleito três vezes sem qualquer contestação interna e ainda há muitos que sonham com esse regresso de Passos Coelho à vida política e, eventualmente, à liderança do PSD”, aponta a especialista.
Montenegro, continua a investigadora, terá um trabalho difícil pela frente em dois aspetos. “Primeiro, embora tenha ganho as eleições internas com uma percentagem confortável, teve de lidar com a desmobilização dos militantes, que se tornou clara com a abstenção elevada. Necessita, por isso, de recuperar o apoio e a vitalidade das bases militantes do partido. Ora, mesmo internamente, Montenegro foi visto como um líder de transição e antevia-se uma discussão interna, na eventualidade de o PSD não obter bons resultados nas europeias.
Para além de questões internas, há três aspetos que podem pesar sobre Montenegro e o PSD. Primeiro, o PSD precisa de apresentar uma estratégia ou visão clara para se diferenciar do projeto político do PS. Tem de causar estragos nos ganhos eleitorais do PS, demonstrando a capacidade de convencer o eleitorado. Mas para isso, tem de apresentar um projeto diferente do PS, e temo que o eleitor ainda não seja capaz de identificar diferenças claras em relação ao PS”, indica Patrícia Silva. Noutro aspeto, Montenegro tem de apresentar-se com um projeto distinto do PS, ao mesmo tempo que tem de definir a sua estratégia para lidar com os partidos à sua direita (moderada e não moderada), indica a docente universitária.
O “desafio” chamado Chega
O PSD tem, considera Patrícia Silva, “o desafio de captar os descontentes que migraram para novas alternativas à direita”.
“Ora, a indefinição do PSD relativamente a potenciais coligações com os partidos à sua direita não ajuda. Primeiro, a possibilidade de coligação ou de qualquer acordo com o Chega tem sido sinalizada de uma forma muito negativa pelo Presidente da República, que desejaria esta clarificação. É possível que esta indefinição pese na visão que os portugueses têm sobre a evolução do PSD”, explica a investigadora.
Já Pedro Silveira, professor de ciência política da UBI, considera que é compreensível que o Chega faça a “moderação” que tem encetado no seu discurso nas últimas semanas, e adianta que é expectável um esforço para aproveitar “a janela de oportunidade para crescer”, fazendo tentativas para que o PSD volte atrás com a ‘nega’ à coligação.
“Acho que isso é muito difícil de acontecer, por muito que Ventura tenha já ensaiado isso nos últimos discursos”, indica o politólogo à Executive Digest.
Os cenários possíveis (e menos prováveis)
A coligação do PSD com o Chega parece ser, na opinião dos três politólogos ouvidos pela Executive Digest, uma das hipóteses menos prováveis de se virem a verificar.
José Adelino Maltez diz que uma ‘nova geringonça’, em modelo 2.0, não será o cenário mais provável, mas sim “um governo de várias forças políticas minoritárias juntas, alguma delas com maioria relativa”, mas escusa-se a apresentar cenários definidos. “É o problema que costuma haver nas democracias, quem vai dizer e decidir será o povo, todas quereriam ser maiorias absolutas”. Ainda assim, o politólogo adianta que “é uma possibilidade que PS e PSD se unam num Governo”. “Já aconteceu noutros tempos, uma união de duas fraquezas”, sublinha.
Pedro Silveira rejeita por seu lado este cenário. “Acredito num governo, caso o PSD ganhe as eleições, viabilizado pelo PS, permitindo através da abstenção, por exemplo, que passem orçamentos, pelo menos numa fase inicial”, aponta.
Para este especialista, a prioridade do PS, caso seja Pedro Nuno Santos eleito para secretário-geral, “será sempre ter um acordo de incidência parlamentar com os partidos à esquerda”.
“Os partidos à esquerda podem não querer, ou o acordo não ser possível e, apenas nessas circunstâncias, o mais provável seria o PSD viabilizar o Governo do PS, que ficaria em minoria no Parlamento”, clarifica Pedro Silveira, acreditando que esta é a opção mais provável a uma rejeição da ‘geringonça 2.0’. Também Patrícia Silva considera que “não seria estranho uma reedição da geringonça à esquerda”, mas que “o cenário mais provável é o da ausência de uma maioria clara e absoluta, o que obrigará a coligações a acordos pós-eleitorais na sequência das eleições”.
Líderes carismáticos…mas nem todos. E não chegam a nota 18
Questionado sobre o carisma dos líderes partidários que se apresentarão como candidatos às legislativas, e numa altura que o PS ainda terá de decidir entre José Luís Carneiro e Pedro Nuno Santos, José Adelino Maltez manifesta-se pessimista quanto ao panorama nacional.
“O que vejo? Vejo muito um rebaixamento brusco da qualidade das lideranças em Portugal. Estávamos habituados a líderes políticos de média de 18: Guterres, Marcelo, Costa… Agora não sei quem é que chega ao 14. O problema já se notava… agora há uma banalização das lideranças, para ser suave… Fruto do tempo, sinal de democracia? Se o líder é banal, os deputados serão banalíssimos, e têm inimigos terríveis: Se há um Costa que cai assim, o que não será outro noutras circunstâncias”, aponta o politólogo.
“Estou convencido que a maior parte dos portugueses não se sente rendido por nenhum destes que agora vão ser lideres de Portugal… Os líderes tendem em ser profissionais da política em exagero… ‘Jotizaram-se’ em demasia”, lamenta à Executive Digest.
Já Pedro Silveira, da UBI, é mais animador. “Em relação ao PS, Pedro Nuno Satos tem claro carisma, mas tem outros problemas associados ao seu passado recente e à forma como saiu do Governo, e isso é um peso bastante grande. José Luís Carneiro, é menos carismático, mas é espelho do opositor, tendo uma credibilidade como governante bastante assinalável.
Considera este especialista que “Pedro Nuno Santos parte em vantagem, mas vamos ver”.
Sobre o líder do PSD, indica o politólogo que “Montenegro contava ter mais tempo”, mas elogia as “capacidades retóricas” que garantirão “um debate muito interessante, eventualmente com Pedro Nuno Santos”. “Falta ver como será mobilizador do partido”, ressalva.
“Depois temos algumas estreias interessantes, no PCP, no BE e na IL, e que teremos que ver como vão funcionar em campanha eleitoral. Mas, de alguma maneira, já é conhecido do eleitorado a forma como se comportam e as suas ideias. Mas acho que, tendencialmente, a campanha irá girar muito no debate entre o PS e PSD. Antecipam-se debates bastante interessantes, pelo menos em termos de retórica e capacidade argumentativa, espero que acompanhe em termos de substância”, termina Pedro Silveira.