Crise nas democracias: O que se passou em 1933 está a voltar a acontecer?

A década de 1930, com seu clima político carregado, marca o início de uma escalada antissemita e autoritária que culminaria no Holocausto. No livro Síndrome 1933, Ginzberg apresenta uma análise detalhada de eventos, discursos e práticas sociais que moldaram um período sombrio na história alemã. O autor explora as diversas facetas do antissemitismo institucionalizado e a maneira como a cultura popular, a política e a própria estrutura social da época contribuíram para esse fenômeno.

Entre os eventos cruciais, Ginzberg destaca a queima de livros em maio de 1933, um ato realizado por estudantes e apoiado pelo regime nazi, onde obras de judeus e de autores críticos ao regime foram destruídas em fogueiras públicas. Em Berlim, uma multidão vibrante aplaudia o então ministro da propaganda, Joseph Goebbels, enquanto discursava sobre a necessidade de “purificar” a cultura alemã, atribuindo aos judeus a responsabilidade pela degeneração moral do país.

Conforme Ginzberg relembra, Goebbels utilizava o antissemitismo para mobilizar a opinião pública e consolidar o poder dos nazis. “Na Alemanha, bastava sugerir que tudo era culpa dos judeus para que muitos aderissem a essa crença”, escreve, relatando que expressões como “Alemanha para os alemães” e apelos à supremacia nacionalista eram recebidos com entusiasmo. Assim, Ginzberg destaca que o antissemitismo era mais do que um simples preconceito: era um pilar da ideologia nazi, uma ferramenta para fomentar o medo e justificar o controle social.

Cultura e antissemitismo: a sátira e o grotesco

Ginzberg examina, segundo o El Confidencial, também o papel do cabaré e da sátira na cultura alemã do período, abordando como artistas e intelectuais tentavam retratar, com humor negro, o absurdo do antissemitismo. No cabaré Tingel-Tangel, em 1931, a canção satírica de Friedrich Hollaender intitulada “Tudo, absolutamente tudo é culpa dos judeus” destacava de forma absurda as queixas irracionais dos antissemitas. Com um tom provocador, Hollaender enumerava infortúnios como o mau tempo e os problemas pessoais, ironizando a obsessão em culpar os judeus por qualquer desventura. A canção, interpretada como uma crítica ao absurdo do preconceito, acabou por se tornar tristemente profética.

Willy Rosen, outro artista satírico da época, criou uma paródia dos nazis antes mesmo de Hitler chegar ao poder. A ironia de Rosen, conforme relatado por Ginzberg, é que, mesmo ao ser deportado para Auschwitz, e continuava a cantar, refletindo a trágica resistência dos humoristas judeus perante a perseguição que enfrentavam.

O peso do antissemitismo histórico e cultural

No entanto, como salienta Ginzberg, o antissemitismo nazi não surgiu do nada. Estava profundamente enraizado na sociedade europeia e nas mentalidades da época, sendo um produto de séculos de preconceito. Desde a Idade Média, circulavam mitos terríveis sobre os judeus, como acusações de rituais de sangue e de envenenamento de poços.

“A Alemanha era um dos países que mais tinha integrado os judeus na sua cultura”, observa Ginzberg, mas ainda assim, o antissemitismo prevaleceu e foi exacerbado pelos nazis. O autor destaca, por exemplo, o impacto das teorias conspirativas, como as divulgadas em Os Protocolos dos Sábios de Sião, um falso documento que propagava a ideia de uma conspiração mundial judaica e influenciou a propaganda nazi.

Para o jornalista e historiador Peter Gay, citado por Ginzberg, a Alemanha, antes dos nazis, era um dos países europeus menos antissemita. Gay relata ter discutido com Franz Neumann, um colega alemão judeu, que insistia na tese de que a Alemanha não era particularmente antissemita antes da ascensão dos nazis. Contudo, à medida que refletia sobre o que ocorrera na Alemanha, Gay começou a questionar se o seu colega não teria razão.

O papel do ressentimento e da inveja

Ginzberg explora as teorias que explicam a origem do ódio aos judeus, particularmente a ideia de que o ressentimento antissemita nasceu da inveja. O autor cita Siegfried Lichtenstaedter, que argumentava que os judeus eram odiados porque muitos antissemitas os viam como mais bem-sucedidos, cultos e ricos. Esse ressentimento levava à criação de um estereótipo negativo, onde os judeus eram simultaneamente invejados e desprezados.

Paradoxalmente, além do desprezo pelos judeus bem-sucedidos, havia também um ódio aos judeus pobres, especialmente os imigrantes que chegavam à Alemanha fugindo de perseguições em outros lugares da Europa. Ginzberg observa que essa ambivalência é ainda presente no discurso populista atual, que tanto despreza as elites quanto os grupos marginalizados, como os imigrantes.

A instrumentalização do ódio pelos nazis

A propaganda nazi, segundo Ginzberg, foi magistral em usar o ódio antissemita para construir uma base de apoio popular, mobilizando o público a partir de discursos que apresentavam os judeus como o “inimigo interno” responsável por todos os males da Alemanha. A retórica nazi combinava referências a uma “conspiração judaica” com alegações de que os judeus controlavam a economia e as finanças internacionais, exacerbando os temores de uma população já desiludida com a situação económica e social.

A propaganda era, como afirma o historiador Götz Aly, um espetáculo “interativo”, no qual o público contribuía ativamente, respondendo com gritos de “traidores” e “canalhas” quando Hitler mencionava os judeus. Este ódio, segundo Ginzberg, transformou-se numa “coluna vertebral emocional” para os nazis, tornando-se a base do apoio popular que os levou ao poder.

A atualidade do passado: reflexões sobre o ódio e a política

Ginzberg adverte que, para além das atrocidades cometidas, o antissemitismo nazi revela uma técnica eficaz de manipulação política: fomentar o ódio contra um grupo específico para consolidar poder. O especialista observa que a retórica contra os judeus serviu para desviar a atenção dos problemas reais e criar uma narrativa de inimigo externo que justificava medidas repressivas.

O autor faz ainda uma ligação com discursos contemporâneos contra imigrantes e minorias, comparando as políticas de “Itália para os italianos” ou “America First” com a retórica nazi. E observa que “não é necessário ser nazi para semear o ódio e atacar os imigrantes; basta que isso atraia votos”.

O antissemitismo, tal como Ginzberg demonstra, foi uma “ferramenta útil” para os nazis, mas também uma ilustração assustadora de como preconceitos profundamente enraizados podem ser manipulados por regimes autoritários. O estudo de Síndrome 1933 serve, portanto, como um alerta sobre o perigo da normalização do ódio e da violência, e de como o passado, quando não é devidamente reconhecido e estudado, pode sempre regressar, sob novas formas e em novos contextos.

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