Crise climática originou pelo menos 24 ondas de calor “impossíveis” em várias regiões (incluindo na Europa), alertam cientistas
Uma análise abrangente revelou que pelo menos 24 ondas de calor consideradas “impossíveis” ocorreram em várias regiões do mundo, destacando como o aquecimento global causado pela ação humana tem intensificado os fenómenos meteorológicos extremos de forma inédita. Este novo levantamento, conduzido pela Carbon Brief e partilhado com o The Guardian, expõe o impacto devastador do aquecimento global, que já está a custar vidas e a transformar paisagens em todas as partes do planeta.
As ondas de calor impossíveis registadas nos últimos anos atingiram populações em regiões como América do Norte, Europa, Ásia e África, incluindo locais onde tais fenómenos eram historicamente improváveis. A ciência demonstrou que estas ondas de calor teriam quase zero probabilidade de ocorrer sem o calor adicional gerado pela emissão de gases com efeito de estufa provenientes da queima de combustíveis fósseis.
Entre os eventos mais significativos estão temperaturas extremas registadas no Mediterrâneo, Sahel (durante o Ramadão), e países como Tailândia, Filipinas e Tibete. Em 2020, na Sibéria, foi registada uma temperatura de 38°C, um marco sem precedentes. Além disso, fenómenos extremos como secas, chuvas torrenciais e furacões estão a acontecer com maior frequência e intensidade, afetando comunidades vulneráveis de forma desproporcional.
Os estudos na base do levantamento também revelaram o impacto humano direto destas catástrofes climáticas. Cientistas estimam que o aquecimento global tem contribuído para a morte de mais de 100 mil pessoas por ano devido a fenómenos extremos, com destaque para os recém-nascidos em países de baixo e médio rendimento, onde 10 mil bebés poderiam ter sobrevivido anualmente caso as temperaturas não tivessem ultrapassado os limites naturais.
Exemplos recentes incluem a mortalidade excessiva causada pelo furacão Maria em Porto Rico em 2017, que resultou em 3.700 mortes atribuídas ao aquecimento global, e as inundações provocadas pelo ciclone Idai em Moçambique, que deslocaram mais de 13 mil pessoas em 2019.
Além da perda de vidas, o impacto económico é vasto. Desastres como o furacão Harvey em 2017 aumentaram os custos de recuperação em 30% a 50% devido ao agravamento causado pelo aquecimento global. Eventos climáticos extremos têm também contribuído para a destruição de culturas agrícolas e para alterações em eventos culturais, como o florescimento antecipado das cerejeiras em Kyoto, Japão, o mais precoce em mais de 1.200 anos.
A ciência da atribuição climática
Os estudos analisados utilizam a ciência de atribuição climática, que compara fenómenos meteorológicos atuais com modelos climáticos anteriores ao aquecimento global significativo. Esta técnica revela como a ação humana agravou os eventos extremos. De acordo com os dados, três quartos dos fenómenos analisados foram intensificados pelo aquecimento global, enquanto 9% registaram redução na probabilidade, como eventos extremos de frio e neve.
Apesar da robustez dos dados, regiões como o Médio Oriente e Norte de África, onde os impactos climáticos são severos, permanecem sub-representadas devido à escassez de dados meteorológicos e recursos científicos.
Os cientistas alertam que, com o aquecimento global atualmente em cerca de 1,3°C acima dos níveis pré-industriais, a previsão de um aumento para 2,5°C a 3,0°C representa um cenário catastrófico. Joyce Kimutai, investigadora no Imperial College London e conselheira da delegação do Quénia na COP29, reforçou: “A crise climática não discrimina. Está a atingir todas as partes do mundo.”
Kimutai destacou ainda a necessidade urgente de financiamento significativo para proteger comunidades vulneráveis, afirmando que o apoio atual é “dolorosamente insuficiente”. Negociadores da COP29, que acontece no Azerbaijão, são instados a assegurar cortes profundos nas emissões de carbono e a mobilizar pelo menos um trilião de dólares para financiamento climático.
Robert McSweeney, da Carbon Brief, que compilou a base de dados, afirmou: “O peso esmagador destas evidências reforça o impacto que o aquecimento causado pelo homem está a ter hoje – não num futuro distante.”
A crescente lista de desastres relacionados com a crise climática é um apelo urgente para ação global, evidenciando que as consequências do aquecimento global estão a agravar-se a um ritmo alarmante, com custos humanos e económicos cada vez mais elevados.