Conselhos, cuidados e dicas de especialistas: Um guia para enfrentar o inverno com saúde e ‘escapar’ ao caos nas urgências
Esta semana eram 37 os hospitais nacionais com constrangimentos em serviços de Urgências, Pediatria, Ginecologia/Obstetrícia ou Cirurgia Geral, num novembro que tem sido ‘negro’ no SNS, com grande afluência de doentes, falta de médicos agravada pela recusa ao cumprimento de horas extraordinárias, greves e protestos. Na próxima serão 36.
A situação, indicam especialistas consultados pela Executive Digest, ainda tenderá a agravar-se, já que só agora começou o tempo mais frio, mas há uma série de comportamentos que pode adotar para melhor se preparar e evitar ficar doente ou contrair alguma infeção respiratória.
Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, e Manuel Carmo Gomes, epidemiologista da FCUL, falaram com a Executive Digest e deixam um guia com as recomendações a seguir para um inverno com os menores percalços possíveis, para que não tenha de recorrer às urgências.
Combater o frio
Nesta altura, se por um lado o frio é mais propício ao desenvolvimento de vírus e bactérias, não é ele a causa para ficar doente. Na realidade, com o frio há mais tendência em concentrarmo-nos em espaços fechados (mais quentes e acolhedores), e a proximidade sem medidas leva a que haja maior transmissão de doenças respiratórias.
“Devemos estar agasalhados, vestir roupa adequada para o tempo, nem que sejam várias camadas de roupa quente para nos mantermos protegidos do frio. E sem esquecer extremidades: luvas, meias quentes e grossas, cachecóis, são peças que devemos sempre usar quando as temperaturas baixam”, explica Gustavo Tato Borges.
Para além de cuidados com a indumentária, ingerir bebidas quentes, como sopas e chás ou tisanas, são “alternativas interessantes para aquecer corpo”, explica Tato Borges, sendo que se deve “evitar bebidas alcoolizadas, com gás ou com açúcar que não são ideais nesta altura do ano”.
Segundo o especialista, não nos devemos expor de forma prolongada ao frio exterior, e devemos evitar estar fora de locais climatizados.
Medidas de proteção e conselhos de sempre são de ‘ouro’ no inverno
Manuel Carmo Gomes recorda que os cuidados a ter “são generalizáveis a todas as doenças respiratórias”. “Transmitem-se por gotículas e aerossol, e as medidas protetoras elementares aplicam-se a todas: higiene das mãos evitar levar mãos aos olhos e boca, evitar espaços fechados que não estejam arejados e usar máscara, se necessário, em contextos particulares”, indica o epidemiologista.
Em época que antecipa o Natal, se for às compras, por exemplo, pode ser boa ideia levar máscara colocada para enfrentar a multidão nas lojas.
Mas a preparação do organismo começa ainda antes: garantindo que está saudável em todas as estações, e não apenas no outono/inverno. E para isso e seguir os conselhos de sempre, com ainda mais afinco nesta estação fria.
Deve fazer-se uma alimentação diversificada e não excessiva, manter a hidratação, bebendo regularmente líquidos, e não descurar a atividade física ligeira a moderada, adaptada à idade e condições físicas de cada um.
“É essencial sermos ativos, para que o corpo esteja o mais desperto possível para reagir a estes efeitos da temperatura”, sugere Tato Borges.
Comida de conforto é também sinónimo de outono e inverno, mas devem evitar-se excessos de fast-food e alimentos ultraprocessados. “Não é muito saudável, mas esporadicamente, e quando diversificamos e juntamos coisas mais saudáveis, o nosso organismo dá conta do recado”, afirma Manuel Carmo Gomes.
Crianças e idosos: Cuidados com os mais vulneráveis
Os mais velhos e os mais novos são os mais vulneráveis a infeções respiratórias (e não só), a par de pessoas com outras comorbilidades, e por isso os cuidados devem ser redobrados.
Também com a roupa e com o cuidado de ingerir bebidas quentes, quer em idosos e crianças, os mais velhos devem “ter uma alimentação que não seja excessiva em proteínas e carboidratos, preferindo-se vegetais e fruta”, explica Carmo Gomes.
No caso dos idosos, Tato Borges alerta que não se devem deixar sozinhos por grandes períodos de tempo, para evitar situações de risco. “Um idoso isolado tem sempre maior risco de sofrer um acidente, é importante haver contacto regular”, aconselha Gustavo Tato Borges.
Este especialista explica a que sinais devemos estar alerta, em idosos e crianças, e que podem indicar efeitos do frio: Coloração e temperatura das mãos.
“Mãos frias e arroxeadas ou esbranquiçadas podem ser indicador de que o corpo está a perder temperatura, e importa mantê-lo quente. Se se verificar alguma alteração no padrão normal de atividade, uma recusa alimentar, se as pessoas estão mais isoladas, sem energia, não fazem as mesmas atividades,… isso é um sinal”, clarifica. Perda de orientação, desenvolvimento de tosse ou febre devem motivar contacto com o SNS 24, só depois e mediante indicação, o recurso á urgência.
No caso de “crianças muito pequenas, a gemer ou a fazer choro sem abrandamento, mesmo tendo comido e dormido, pode ser efeito do frio”. “Alterações de comportamento devem ser fonte de vigilância e aplicação de medida para aliviar o frio”, sublinha o presidente da ANMSP.
E no caso dos mais pequenos? Devemos evitar que saiam para brincar devido ao frio? Manuel Carmo Gomes discorda. “É saudável, e as crianças em Portugal e na Europa têm um problema, que é o sedentarismo: muitas horas agarradas aos ecrãs e fazem pouca atividade física. Temos uma epidemia de excesso de peso. As crianças são especialmente vulneráveis a infeções respiratórias, mas faz parte do seu crescimento e desenvolvimento do sistema imunitário [que as contraiam], não é grande preocupação. Se não tiverem complicações, vão ultrapassar, não se deve evitar que tenham uma vida saudável ao ar livre”, considera. Desde que se tenha cuidado com os carros, claro.
Vacinar, vacinar, vacinar, para fugir à “tempestade perfeita”
“Muito importante, em paralelo a todas as medidas não-farmacológicas, é a vacinação”, sublinha (com marcador fluorescente) o médico Manuel Carmo Gomes. “Temos a decorrer uma grande campanha, e recomendo fortemente que as pessoas com mais de 60 anos se vacinem”, reforçou.
O epidemiologista refere que o vírus não parou de evoluir, e que as pessoas “praticamente não têm proteção pela infeção pela covid neste momento, já que a maioria foi infetada há 4/5 meses, e por isso, a concentração de anticorpos no sangue diminuiu. “Além disso, as variantes da ómicron que estão a circular fogem aos anticorpos que tínhamos devido a infeções anteriores”, assinala Carmo Gomes. “Não há falta de vacinas e estamos a fazer uma vacinação de proximidade, há sempre uma farmácia por perto a administrar”, apela.
Recordando que a gripe e outras infeções respiratórias causam “problemas de fluxo nas urgências, mesmo quando estão a funcionar normalmente, que não é agora o caso”, o epidemiologista aponta que “a situação pode ainda ser mais grave este ano”.
“Mesmo sem problemas de fecho de urgências, quando chegamos à véspera de Natal e janeiro temos um fluxo enorme às urgências, este ano deverá ser ainda pior. É difícil dizer quando serão picos, eu diria que dezembro-janeiro. O Vírus sincicial respiratório já começou a subir, e normalmente é sinal de que a gripe vem a seguir. Sente-se nas urgências de pediatria já”, explicou à Executive Digest.
Quanto á Covid-19 “já não está a descer”. Esteve a descer em setembro e outubro, depois da ‘ondazinha’ em agosto, com 600 casos conhecidos por dia. Há uma semana estávamos com mínimo histórico de 90 casos por dia, e agora já estamos com cerca de 110 por dia, e a subir”, alerta.
“Está a criar-se uma mini-tempestade perfeita”, considera o epidemiologista, reforçando os apelos para que os portugueses não se dirijam às urgências apenas por uma febre ligeira, e sublinhando que o contacto deve ser sempre feito primeiro com a linha SNS24.
Cuidados em casa e no trabalho
Adotar medidas que garantam que a cada não perde calor, como isolar janelas e portas, pode ajudar a controlar o frio no inverno.
“Se não houver forma de manter casa quente, ou a temperatura equilibrada, deve-se evitar a utilização de equipamentos de aquecimento que possam ser um risco para a saúde, como lareiras sem recuperador de calor ou ventilação adequada, braseiros… Pode promover acumulação de monóxido de carbono. Nem devemos ter aquecimento ligado durante a noite: devemos deixar a temperatura confortável e desligar antes de deitar”, aconselha Gustavo Tato Borges.
“Os que não tiverem hipótese de aquecer a habitação de forma regular, a frequência de locais com temperatura climatizada, será sempre uma forma de se protegerem”, sustenta.
Já no trabalho, há algumas medidas que devem ter tidas em conta para garantir a proteção de todos.
“É importante a ventilação adequada dos espaços onde trabalhamos, mesmo que pareça contraproducente com a proteção térmica”, indica o presidente da ANMSP.
“O ideal é que quando saímos, por exemplo para almoçar, seja possível abrir um pouco a janela de forma a que, durante o almoço, possa ser feita a renovação do ar. Depois, no regresso ao posto de trabalho, fechar a janela”, aponta o médico.
Tato Borges explica que era ideal existirem equipamentos de aquecimento dos edifícios para manter a temperatura equilibrada, a rondar os 20/21ºC. “Não existindo, que os trabalhadores estejam agasalhados o mais possível e que mantenham as medidas para se aquecerem”, aconselha o especialista, indicando que um exercício ligeiro pode ajudar a aquecer o corpo.
Usar máscara no trabalho, sempre que surgem sintomas respiratórios, e procurar manter distanciamento físico de colegas e familiares, para reduzir risco de contágio são “novos hábitos” que devemos aprender com a pandemia.
Já o teletrabalho “é recomendado, se o patrão permitir e o trabalhador tiver condições”, sublinha Manuel Carmo Gomes, recordando que a ventilação é também extremamente importante no ambiente escolar.