Conhece todos os impostos que é obrigado a pagar?

Os encargos fiscais da classe média avolumam-se, muitas vezes sem contrapartidas visíveis. Os contribuintes de hoje correm o risco de tornar-se os novos proletários de amanhã.

A questão do pagamento das despesas do Estado com o recurso sistemático à tributação fiscal será cada vez mais controversa nos anos que vão seguir-se. Sobretudo nos países que, como Portugal, atravessam uma grave crise demográfica coincidindo com o prolongamento natural da esperança de vida.

O tema tem inflamado a opinião pública um pouco por toda a Europa. Com destaque para França, onde há seis meses consecutivos largos milhares de manifestantes saem à rua exigindo o desagravamento fiscal, o que já forçou o Presidente Emmanuel Macron a congelar o anunciado aumento dos impostos sobre os combustíveis que deveria entrar em vigor em 2019. Este anúncio apaziguou alguns ânimos mas não desmobilizou por completo os protestos no país da União Europeia onde a carga fiscal é mais pesada, correspondendo a 48,4% da riqueza produzida anualmente. Bélgica (47,3%) e Dinamarca (46,5%) são os outros países do espaço comunitário onde os impostos pesam mais na relação com o produto interno bruto.

Portugal encontra-se abaixo da média comunitária, que em 2017 se fixou em 40,2%, e do padrão médio da eurozona, que atingiu 41,14% no mesmo ano. Mas a relação entre os impostos que pagamos e a riqueza que somos capazes de produzir vem-se alterando em tendência ascendente para as arcas do tesouro público: em 2017, ano dos últimos dados estatísticos completos até agora disponíveis, a carga fiscal atingiu o valor mais elevado no nosso país desde 1995, quando a nossa moeda oficial ainda era o escudo.

O descontentamento já com reflexos nas ruas e praças de Paris pode alastrar neste ano a outras capitais europeias, incluindo Lisboa. A brutal crise financeira de 2008 no hemisfério ocidental demonstrou como as “conquistas” do Estado Social, que muitos supunham irreversíveis, são afinal bastante mais frágeis do que a cartilha do optimismo militante deixava antever. O tecido social está em deslizamento constante: os membros da classe média de hoje podem tornar-se os proletários de amanhã.

E é precisamente a classe mé­dia quem mais se queixa, justi­ficadamente, de ser espremida com impostos. Não apenas com os directos, como o IRS, que até beneficiaram de um ligeiro alívio nos últimos três anos, mas com os indirectos, em que incidiram os agravamentos registados des­de 2016, quando o primeiro-mi­nistro António Costa e o ministro das Finanças, Mário Centeno, al­teraram as prioridades na políti­ca fiscal do Estado. Os indirectos valem hoje cerca de 13% do PIB nacional, confirmando Portugal como um dos países da OCDE em que a oneração fiscal do consumo tem maior peso na economia. Isto contribuiu para que, entre Janeiro e Novembro de 2018, entrassem cinco milhões de euros por hora em impostos nos cofres do Estado.

A retenção na fonte, com efei­to imediato no salário líquido, pesa sempre mais na percepção imediata do contribuinte do que os impostos diluídos nas factu­ras dos consumos diversos. Mas estes vêm aumentando de ano para ano, revestidos aliás de mo­dalidades cada vez mais criativas de tributação das pessoas indivi­duais e colectivas. Seja em forma de taxa adicional de solidarieda­de no último escalão do IRS, seja em forma de adicional do Impos­to Municipal de Imóveis, seja na derrama estadual sobre os lucros das empresas, seja na contribui­ção especial sobre o sector ener­gético, seja no agravamento do imposto especial sobre o consu­mo para as bebidas açucaradas.

Impostos, taxas e taxinhas

Quantos impostos temos de pagar? Existem os impostos sobre o rendimento (IRS para as pessoas singulares, IRC para as pessoas colectivas), os impostos sobre o consumo (IVA, Imposto de Selo), os impostos sobre o património (IMI e respectivo adicional, Im­posto Municipal sobre as Trans­missões Onerosas de Imóveis, novamente o Imposto de Selo para este efeito).

Existe o Imposto Especial so­bre o Consumo, dividido por três capítulos vitais como fonte de rendimento do Estado: Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Al­coólicas, Imposto sobre os Pro­dutos Petrolíferos e Energéticos, Imposto sobre o Tabaco.

Há ainda a tributação automó­vel, que se divide em Imposto sobre Veículos (ISV) e Imposto Único de Circulação (IUC), este também com um adicional, des­tinado aos veículos potencial­mente mais poluentes.

No âmbito da Lei das Finanças Locais, as empresas de natureza comercial, industrial ou agrícola são forçadas a pagar a derrama ao município onde se encontram instaladas, na proporção do rendimento que geram.

Subsiste, para além disto, todo um emaranhado de taxas e ta­xinhas de que é difícil descortinar um fim. Alguns exemplos: a Contribuição Audiovisual, para financiar a televisão e a rádio públicas; a taxa moderadora, a pagar por muitos utentes de hos­pitais; a taxa de justiça, cobrada nos tribunais; a taxa de ocupação do subsolo, que vigora em várias autarquias, em contrapartida do aproveitamento de bens do domínio público pelas redes de distribuição de gás natural. Sem esquecer as portagens rodoviárias e as propinas universitárias.

A diferença entre imposto e taxa reside, acima de tudo, no carácter coercivo do primeiro. A taxa só deve ser paga como for­ma de compensação de um de­terminado serviço.

A manifesta obsessão em lan­çar taxas faz cruzar por vezes a linha da legalidade. Em 2018, o Tribunal Constitucional consi­derou ilegais as taxas municipais de protecção civil criadas pelas câmaras de Lisboa, Vila Nova de Gaia e Setúbal, obrigando-as a restituir aos munícipes a verba entretanto arrecadada.

Pagar para quê?

Eis uma questão fundamental colocada pela generalidade dos contribuintes: que retorno temos dos impostos que pagamos? Uma questão que ganha ainda mais premência nestes tempos marca­dos por sucessivas cativações or­çamentais, num grau nunca antes conhecido em Portugal: cerca de dois mil milhões de euros inscri­tos nos três últimos Orçamentos do Estado ficaram congelados por decisão do ministro das Finan­ças – com evidente prejuízo para a qualidade dos serviços públicos. A iminente ruptura no sector da saúde e em diversas infraestrutu­ras, com destaque para as ferro­viárias, é hoje indisfarçável.

Mais de um terço dos nossos impostos destina-se ao finan­ciamento da protecção social em situações de velhice, pobreza, de­semprego, doença ou invalidez. A despesa com pensões da segu­rança social ou da Caixa Geral de Aposentações atingiu 26 mil mi­lhões de euros em 2017, corres­pondendo a um aumento de 1,4% face ao ano anterior.

No cômputo geral, nove em cada dez euros que o Estado nos cobra são canalizados para salá­rios e prestações sociais.

Recursos sempre escassos

A verdade é que os recursos são sempre escassos. E embora 2018 tenha sido o ano da maior co­brança fiscal de que há registo, continua a faltar dinheiro para o investimento e a manutenção dos serviços públicos. Entre crescen­tes reivindicações dos trabalha­dores da administração pública, que, na prática, verão o salário mínimo aumentado este ano para 635 euros – bem acima dos 600 euros entretanto fixados para os trabalhadores do sector privado. No primeiro semestre de 2018 ha­via 675.320 trabalhadores da ad­ministração pública em Portugal.

O problema de fundo vem de muito longe: o peso despropor­cionado do Estado. Num país em que quase metade (cerca de 48%) dos cinco milhões de famílias que declaram rendimentos anuais às finanças não paga IRS. Deste imposto estarão isentos, a par­tir deste ano, todos quantos ga­nhem até 635,64 euros por mês.

A carga tributária é, no essen­cial, suportada pela classe mé­dia – ou do que dela resta. Os 240 contribuintes mais ricos em Por­tugal – com um património supe­rior a 25 milhões de euros ou um rendimento médio anual acima de 5 milhões – só contribuem para 0,5% da receita global de IRS. En­tretanto, a máquina fiscal prepa­ra-se para passar a pente fino to­das as contas com saldo acima de 50 mil euros. Como se a poupança fosse delito em Portugal.

Em 1961, como lembrava há tempos João Taborda da Gama no “Diário de Notícias”, Salazar decretou um agravamento fiscal. «Tinha começado a Guerra do Ultramar e nesse ano foi preciso aprovar uma série de impostos, uns para conseguir mais receita (sobretudo nos combustíveis) e outros para entreter o pagode, sobretudo para fazer crer que o esforço de guerra estava a ser suportado pelos ricos, com um imposto sobre os refrigerantes e outro sobre os produtos supér­fluos e de luxo. Foram impostos de pouco dura, e de receita qua­se nula, que foram revogados na primeira esquina, tal foi o sarilho em que meteram as empresas e o fisco para o tentar cobrar», re­cordou este advogado.

A relação entre os portugueses e o fisco sempre foi turbulenta. A insurreição da Maria da Fonte, que em 1846 fez cair o Governo e pôs em xeque o próprio trono, resultou de uma revolta popular contra a reforma tributária de­cretada pelo gabinete autocráti­co de Costa Cabral que ameaça­va tornar ainda mais exíguos os escassos rendimentos dos cam­poneses e pequenos lavradores. Convém nunca perder de vista as lições da História.

 

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