Companhia aérea de Israel é acusada de interrogar e humilhar passageiros no aeroporto de Lisboa
A companhia aérea israelita El Al terá interrogado e intimidado passageiros portugueses e estrangeiros no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, revelou esta segunda-feira uma investigação do jornal online ‘Fumaça’, citado pela rádio ‘TSF’: há dois relatos de cidadãs palestinianas, mas também da recolha de informações sobre cidadãos portugueses.
É o caso de Selma (nome fictício): a médica palestiniana com passaporte israelita, em agosto de 2022, foi levada para a área reservada no átrio do terminal 1 do aeroporto de Lisboa – a companhia israelita não tem check-in online – e interrogada, com um agente da PSP presente, por uma funcionária israelita.
Os funcionários da companhia israelita dividem os passageiros consoante a avaliação que fazem. As respostas que deu não foram suficientes e recebeu instruções para se dirigir a outra sala: Selma entrou numa sala reservada pela Ela Al e com a indicação de entrada proibida. Sozinha com cinco funcionários da companhia aérea, volta a ser questionada em hebraico. Os seus pertences, como telemóvel, passaporte e a mala, ficam com os funcionários que passam os objetos (incluindo os que estão dentro da mala) um a um pelas máquinas de raio-x e detetores de vestígios de explosivos. As questões continuam: “Perguntam onde moro, se sou casada, porque é que ainda não me decidi quanto ao meu futuro profissional, porque vou mudar de cidade e de emprego. Fazem-me perguntas para que nem eu sei a resposta.”
“Acredito que nunca fui suspeita de representar qualquer tipo de ameaça. É só um processo de humilhação”, considerou Selma.
A mesma situação viveu a estudante Mariam, outra passageira palestiniana com passaporte israelita. Na primeira abordagem foi afastada de uma amiga com quem falava árabe e foi interrogada sozinha. “Há outros passageiros na fila – europeus ou israelitas judeus – e isso não lhes é pedido. Eu sou a única árabe”, contou. Foi questionada sobre a amiga, sobre se conheceu pessoas árabes em Lisboa, nomeadamente libanesas e sírias, se viajou para esses países. “Só há cinco árabes naquele avião e todos estamos a ser investigados e assediados naquele terminal”, explicou. “Foi muito frustrante perceber que estas pessoas têm o direito de me questionar sobre toda a minha vida, vasculhar todas as minhas coisas, e determinar se eu posso regressar ao meu país, onde os meus antepassados viveram durante séculos.”
No entanto, há denúncias sobre cidadãos portugueses: Afonso Queiró contou que em maio deste ano foi questionado em inglês e com insistência sobre as razões que o levavam a Israel – foi alvo de uma revista numa sala separada, com a presença de um agente da PSP. “Disse-me que estava ali para proteger os meus direitos, que eles não tinham jurisdição para me obrigar a fazer nada. Mas não senti que pudesse recusar aquele processo e embarcar na mesma”, contou Afonso, que esteve 40 minutos sob interrogatório.
Situação idêntica vive-se no controlo de segurança de voos de outras companhias aéreas para Israel, como é o caso da linha entre Lisboa e Telavive da TAP: o espaço da porta de embarque em Lisboa é cercado por contraplacados e não se vê nada de fora para dentro. Para entrar é preciso passar pelas perguntas e pela revista realizada por seguranças de uma empresa portuguesa. “Aquele é um espaço que se tornou território de Israel em Lisboa. Um enclave. Semelhante ao que acontece à chegada [em Tel Aviv], mas esse já esperávamos. Aqui, fiquei absolutamente chocada”, explicou Paula. “É um processo obscuro. Ninguém explicou por que é que estava a fazer aquelas perguntas, com que objetivo, para quem era aquela informação, ou quem eram aquelas pessoas. Não fomos avisadas de que aquilo ia acontecer, mas percebemos que, querendo embarcar, não tínhamos escolha”, relatou outra passageira.
A situação já mereceu um pedido de explicações ao Governo por parte do Bloco de Esquerda. Fabian Figueiredo salientou tratar-se de “um problema de direitos humanos, um problema de soberania e, sem sombra de dúvida, um problema de cumprimento da legislação portuguesa, porque há regras sobre quem é que pode interrogar cidadãos, quem é que pode deter, nem que seja temporariamente, cidadãos”.
“Essas competências pertencem aos órgãos de polícia criminal. Não pode ser uma empresa estrangeira a ter funcionários que fazem interrogatórios a cidadãos nacionais, a cidadãos residentes em Portugal ou a cidadãos que transitam por Portugal”, complementou.
“Se este Governo sabia, o anterior Governo sabia. Nós queremos saber quem que eram os responsáveis que deixaram que no aeroporto de Lisboa se instalassem salas de interrogatório de uma companhia aérea estrangeira. Queremos saber desde quando é que esta prática existe, quem é que sabia, quem é que autorizou, se houve autorização”, indicou o Bloco de Esquerda.
“Deve haver consequências, sem dúvida, porque a nosso entender isto viola a legislação portuguesa. É inaceitável achar-se que houve responsáveis governamentais ou altos responsáveis públicos que tenham autorizado, porque estas instalações tiveram que ser construídas. Aqueles gabinetes tiveram de ser disponibilizados. Isto acontece em território nacional, mesmo que seja em área Internacional”, concluiu.