Como o cérebro escolhe quais as memórias importantes o suficiente para serem guardadas e quais as que devem desaparecer

O escritor argentino Jorge Luis Borges, no seu livro ‘Funes, o Memorioso’, conta a história de Ireneo Funes, que, após cair de um cavalo e magoar-se na cabeça, desenvolve a capacidade de lembrar de tudo. No entanto, ao contrário da personagem fictícia, o cérebro humano é muito mais seletivo, armazenando algumas, mas não todas, as informações que as pessoas vivenciam ao longo da vida.

Esta ‘escolha’ do cérebro sempre intrigou György Buzsáki, neurocientista da Universidade de Nova Iorque – num estudo publicado na revista ‘Science’, a equipa de Buzsáki descreveu como um padrão de atividade cerebral, conhecido como ondas agudas (SWR), em experiências dos ratos num labirinto, que mais tarde foram repetidas no seu cérebro quando estes dormiam. As suas descobertas apontam para o SWR acordado como um mecanismo para selecionar experiências que podem mais tarde ser consolidadas em memórias de longo prazo.

“Este estudo fornece algumas evidências de que há algo importante, e pelo menos muito mais específico do que havíamos visto antes, sobre elementos individuais da experiência a serem armazenados e reproduzidos mais tarde”, referiu Loren Frank, investigador da Universidade da Califórnia, em San Francisco, citado pela publicação ‘The Scientist’.

O SWR são explosões de atividade elétrica que ocorrem principalmente durante o sono, mas também são observadas no estado de vigília, quando o cérebro está em repouso. O neurocientista já havia revelado, em estudos anteriores, o papel fundamental do SWR no sono na consolidação da memória, bem como do SWR acordado no apoio à memória em roedores – no entanto, os investigadores não sabiam se estas oscilações do hipocampo também ajudavam o cérebro a decidir que experiências armazenar e quais eliminar.

No novo estudo, Buzsáki e a sua equipa registaram até 500 neurónios simultaneamente enquanto os ratos completavam 70 corridas num labirinto. Ao analisar o padrão de disparo durante os testes, a equipa conseguiu discriminar um teste do outro, uma vez que uma pequena porção das células se comportou de maneira diferente.

Apesar de serem considerados os eventos mais síncronos que ocorrem no cérebro dos mamíferos, os neurónios que participam do SWR disparam em sequência. Os investigadores exploraram esse recurso para examinar o papel do SWR acordado na seleção de eventos. Como os SWR acordados surgem quando o cérebro está ocioso, a equipe permitiu que os ratos fizessem uma pausa na tarefa, fornecendo uma recompensa de água sempre que concluíam um teste no labirinto. Quando os investigadores analisaram os SWR que surgiram durante a recompensa, descobriram que a sequência de disparo neuronal contida era mais semelhante à sequência vista nas últimas cinco corridas do labirinto.

Com estes dados, a equipa de cientistas investigou a relação destes SWR acordados com os que ocorrem durante o sono e descobriu que os padrões do SWR do sono eram semelhantes aos observadores durante o SWR acordado. Ou seja, o padrão diurno de ondulações de ondas agudas foi repetido durante a noite, um processo que transferiu a experiência para a memória de longo prazo.

Como o sono desempenha um papel importante na consolidação da memória e o SWR do sono também está implicado nesse processo, os investigadores avançaram que o SWR acordado funcionasse como um mecanismo de marcação que seleciona informações para reprodução posterior durante o sono e armazenamento a longo prazo.

Eventos que foram seguidos por muito poucas ou nenhuma ondulação de ondas agudas não conseguiram formar memórias duradouras, observaram os investigadores. “Este processo de marcação durante as horas de vigília é totalmente inconsciente”, disse Buzsáki. “O cérebro decide por si próprio, em vez de nós decidirmos voluntariamente”, acrescentou.

Se, como os ratos, fizermos uma pausa após uma experiência, isso pode ajudar a consolidar os acontecimentos na memória de longo prazo, salientou Buzsáki. “Precisamos daquele período de relaxamento, quando não estamos a prestar muita atenção a nada, para permitir que as ondas agudas se desencadeiem. Esse processo de vigília é uma parte essencial da criação de uma memória permanente.”

“Se você assiste a um filme e quiser se lembrar dele, é melhor dar um passeio depois”, concluiu Buzsáki.

Ler Mais