Como a Apple mantém o equilíbrio entre ser aberta e fechada

por: Ross Rubin, Fast Company

Antes da tecla “Tudo” do Chromebook, da tecla Windows do PC e até da tecla “Command” do Mac, em forma de trevo, a barra de espaço do teclado do Apple II era ladeada por duas teclas modificadoras com o logótipo icónico da Apple. À esquerda, uma silhueta preta da maçã, conhecida como “Closed Apple”, e à direita, um contorno oco chamado “Open Apple”.
Nas décadas que se seguiram ao apogeu do Apple II, a dicotomia destes dois logótipos assumiu um significado simbólico – não tanto no sentido de software de “fonte aberta” versus “fonte fechada”, mas, mais amplamente, na forma como os produtos da Apple se relacionam com produtos criados noutros locais. Mesmo no auge da quota de mercado do Mac no final dos anos 90, o suporte da Apple proporcionava um poderoso efeito de halo em normas relacionadas com a conectividade, como o USB e o Wi-Fi. E quando a Apple abandonava uma tecnologia, contribuía para o abandono de outros alicerces, como as unidades de disquete e os modems de ligação telefónica.
Agora, com a imensa popularidade do iPhone (principalmente nos EUA), as decisões de adopção de tecnologia da Apple têm tido um enorme peso para normas como o NFC, o Qi e o Matter, enquanto as decisões da empresa de seguir o seu próprio caminho com tecnologias como o Lightning, o AirDrop e o iMessage têm causado dores de cabeça a quem está fora do seu ecossistema.

Abrir uma porta fechada
Nos primeiros tempos do Mac, quase tudo era fechado e proprietário, embora por vezes isso oferecesse vantagens relativamente à abordagem do PC. Por exemplo, quando os PC começaram a adoptar as mesmas disquetes de 3,5 polegadas que o Mac introduziu no mercado, o Mac continuava a não conseguir lê-las, uma vez que o seu esquema de formatação incompatível permitia a colocação de mais dados nos mesmos discos. Até hoje, o Mac não consegue escrever em volumes formatados com o NTFS, o sistema de ficheiros predominante nos discos rígidos do Windows, sem software de terceiros. Os primeiros Mac também utilizavam normas diferentes e muitas vezes proprietárias para teclados e ratos (ADB), discos rígidos (SCSI), redes (LocalTalk/AppleTalk) e placas de expansão internas (NuBus).
Contudo, com o tempo, a Apple adoptou normas que eram mais prevalecentes no mundo dos PC. O iMac original de 1998 deu início à longa e tortuosa história da Apple com o USB, uma vez que a empresa utilizou a então nova tecnologia para eliminar de uma só vez as unidades de disquete, as portas ADB e o SCSI. A Apple integrou também a rede TCP/IP padrão da indústria, utilizada para ligação à internet, e acabou com o suporte para a sua própria rede AppleTalk. Suportava placas de expansão PCI e PCIe nos seus computadores topo de gama. E foi uma das primeiras a oferecer Wi-Fi nos seus computadores portáteis, embora a Intel tenha rapidamente ajudado a popularizar a tecnologia no mundo Windows. Quando os Mac passaram a utilizar os processadores Intel também utilizados pelos PC, o software Boot Camp da Apple permitiu instalar o Windows directamente no hardware Mac, criando uma configuração de arranque duplo. (A execução do Windows localmente num Mac baseado em silício da Apple exige software de virtualização de terceiros, como o Parallels Desktop.)
A Apple também partilhava cada vez mais as tecnologias que desenvolvia. No que respeita ao software, estas incluíam o motor de renderização HTML WebKit de código aberto e a linguagem de programação Swift. O site Apple.com enumera agora nove projectos de software de código aberto que a empresa lidera e outros nove para os quais contribui. No que respeita ao hardware, a empresa contribuiu com o seu trabalho no protocolo FireWire/IEEE 1394 e no seu sucessor Thunderbolt para normas abertas.

Partilhar o poder
Tal como evidenciado pelo lançamento mais recente do iPhone, a Apple está, de certa forma, mais aberta (mais uma vez, no sentido da interoperabilidade) do que nunca, especialmente no que diz respeito a hardware e redes. Para além do seu papel activo em organizações de normas para tecnologias essenciais, como Wi-Fi e Bluetooth, a retirada do cabo Lightning do iPhone 15 em favor do USB-C traz a popular norma para as três principais plataformas de computação da Apple – iPhone, iPad e Mac – e permite ligações mais rápidas e simples entre elas. A Apple contribuiu com a sua tecnologia MagSafe, utilizada nos iPhones para uma série de acessórios diferenciadores, para o Wireless Power Consortium, responsável pela norma de carregamento sem fios Qi. Foi incorporada na norma Qi2, que deverá aparecer em dispositivos que não são da Apple nos próximos meses.
Nos últimos anos, a Apple evitou iniciativas de redes domésticas, como a Digital Living Network Alliance e a norma de transmissão de vídeo MirrorLink, em favor do seu próprio AirPlay. Mas embora continue a adoptar o AirPlay e tenha alargado a sua funcionalidade com o SharePlay, a Apple é agora um dos principais defensores da norma de interoperabilidade de redes domésticas Matter, que também é apoiada pelas rivais do ecossistema Amazon e Google. O iPhone 15 Pro inclui até suporte para a Thread, a rede de baixa potência da Matter.

Tal como a Google e a Microsoft, a Apple também promove a norma passkey para iniciar sessão sem palavra-passe. E embora os AirPod suportem apenas as tecnologias de emparelhamento rápido e de localização de dispositivos da Apple, a marca de auriculares Beats da Apple suporta as normas da Apple e da Google para ambas as funcionalidades.
Numa jogada surpreendente, a Apple comprometeu-se recentemente a suportar o RCS – a norma de mensagens de texto adoptada pelas operadoras sem fios e pela Google – no iPhone a partir de 2024, o que resultará em mensagens mais ricas e seguras entre plataformas. Mas também afirma que o iMessage continuará a ser um serviço exclusivo da Apple, mantendo as aplicações criadas com base no iMessage, como os jogos, exclusivas para os utilizadores da Apple. Enquanto outras tecnologias que eliminariam o atrito entre o iOS e o Android permanecem apenas nos dispositivos Apple, como o padrão de partilha de ficheiros peer-to-peer AirDrop e a nova funcionalidade de partilha de contactos NameDrop, a Apple permitiu finalmente que os utilizadores de outras plataformas se juntassem – mas não iniciassem – chamadas FaceTime através da web.
Para os crescentes negócios de serviços da Apple, a empresa desenvolveu aplicações Apple TV para plataformas de smart TV da Amazon, Roku, Samsung e até produtos baseados na Google TV, como o Nvidia Shield. No entanto, tal como acontece com as chamadas do FaceTime, os utilizadores de tablets e telemóveis Android têm de recorrer à internet para verem as suas séries. De facto, a Apple publica apenas seis aplicações na loja Google Play para telemóveis e tablets Android. Quatro delas envolvem aplicações que adquiriu, uma facilita a migração para iOS e uma foi concebida para ajudar os utilizadores de Android a detectar etiquetas Apple colocadas sub-repticiamente. Em contrapartida, a Google publica mais de 50 aplicações para iOS e iPadOS, outras 11 apenas para o iPhone e três para o Apple Watch e a Apple TV. 

Atrito e frustração
Se existe um tema para quando a Apple adopta as normas da indústria e para quando opta por não partilhar os seus brinquedos, a empresa parece considerar que as normas de interoperabilidade para dispositivos (Matter, USB, Qi2 e a recém-anunciada norma de fechadura de porta Airo) servem os seus interesses. Mas resiste a normas que reduzam o atrito entre os humanos que utilizam esses dispositivos, mantendo o iMessage e o AirDrop como proprietários.
Webkit, Thunderbolt, USB-C, Matter e Qi2 são exemplos de tecnologias em que a Apple abdicou de uma vantagem de plataforma e até contribuiu com algum do seu próprio trabalho em prol dos benefícios da expansão do mercado e de uma melhor experiência para os seus utilizadores. Até que esse ponto de equilíbrio seja alcançado, essas tecnologias não farão parte da Apple aberta. 

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