“Colocamos toda a economia industrial na mão de outros países”: Nelson Pires afirma que reindustrialização necessita de estratégia aumentada

Portugal (e toda a Europa) encontram-se numa encruzilhada, a meio do caminho entre a diabolização e (re)valorização da indústria, sendo que o processo de reindustrialização será a chave para que as economias, as empresas e os países se afirmem a nível global. Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati, falou do caso da indústria farmacêutica e referiu que é transversal a questão da necessidade de estratégia aumentada para responder aos desafios que hoje se colocam, na XXVI Conferência Executive Digest.

“Diabolizámos a indústria e agora pontificámos a indústria como fator de sucesso. O que vimos em Portugal foi que deslocalizámos a indústria estratégica e, quando olhamos para dados gerais, em novembro de 2023 continuávamos a baixar a produção, como nos meses anteriores”, começou por descrever o orador.

Os planos de Ursula von der Leyen neste aspeto falharam, com Portugal (e Europa) a registarem pico de produção industriam em 2021, na altura de transformação e adaptação do mercado às necessidades que surgiram durante a pandemia da Covid-19 (principalmente máscaras e álcool-gel). Foi “um bom sinal, de que a indústria portuguesa tem capacidade de re reajustar e a readaptar”, mas não é suficiente.

Na indústria farmacêutica em específico, foi-se apostando em áreas de especialização, “os preços foram reduzidos, porque as escalas justificam que concentremos a produção em determinadas geografias, ou até fábricas”, exemplificou Nelson Pires.

“Criámos um modelo industrial de escala, offshore, baseado numa acessibilidade com transporte barato, custo barato, com poucas preocupações ambientais, sociais e de governance, com pouca assertividade dos princípios éticos. Cedemos a capacidade e a tecnologia países que não respeitam as patentes”, lamentou o responsável, exemplificando com, no mercado farmacêutico, a China e a Índia, que produzem 13% e 48% de todos os medicamentos produzidos no mundo. Estes países apostaram em produzir em quantidade, no fabrico de produtos de baixo valor acrescentado, mas que são os mais consumidos. Por exemplo, a China produz 95% de todo o ibuprofeno vendido nos EUA, e 80% dos antibióticos, como clarificou a apresentação “A necessária reindustrialização em Portugal como fator critico de sucesso – A indústria farmacêutica (e não só)’

O orador continuou: “Colocámos toda a economia industrial na mão de outros países. Portugal e quase toda a Europa!”, alertou, ao mesmo tempo que mostrava dados sobre o ‘encolhimento’ do peso da indústria na economia.

E que soluções seguir? “”Deixar de diabolizar a indústria e reindustrializar com alta tecnologia”. Nelson Pires recordou o caso do Evergreen que bloqueou o Canal do Suez, para sublinhar os riscos do offshoring, e das realidades políticas que são indissociáveis das economias.

O cenário imprevisível atual, com conflitos em vários pontos do mundo, dificultam antever tendências e projeções. Mas “a estratégia aumentada é outra solução: apostar na especialização inteligente num mercado global, através da deleção de setores/tecnologias já existentes num território, e que permitem ter vantagens”.

A vantagem que Portugal tem e deve aproveitar é a sua localização “a meio do mundo, à mesma distância de Xangai ou de São Francisco”, e a população que tem a residir fora do país. Por outro lado, são obstáculos à reindustrialização a falta de competitividade na economia digital, o sistema fiscal penosos e a administração lenta e ineficaz.

“A questão da corrupção não é bem assim. Na verdade, na maior parte dos casos chama-se lobbying, senão ninguém consegue atrair investimento para Portugal”, considerou, apontando que devia haver lei a regular este setor no nosso País.

O General Manager da Jaba Recordati concluiu apresentando três clusters para a reindustrialização: aproveitar o near shoring com pequenas séries (sem escala), áreas de autonomia estratégica que criam cadeias de valor (a medio prazo), setores associados a fator de competitividade específicos do país (competitividade natural).

“Devíamos estar estruturados. Não podemos ter 20 áreas estratégicas, mas sim escolher duas ou três de cada cluster, Se não definimos estrategicamente onde queremos estar, não vamos a lado nenhum”, continuou.

Nelson Pires terminou a sua intervenção apontando outros caminhos para a reindustrialização com sucesso em Portugal, como menor intervenção do Estado, redução da fiscalidade, flexibilização da legislação laboral, reforma da administração da justiça, avaliação da qualidade legislativa e mudanças nas disposições administrativas por NUTS e não por municípios, por exemplo, bem como aposta ca ‘coopetitividade’ (competição e cooperação), parcerias estratégicas e preparação da academia para responder às necessidades da força de trabalhos para os próximos anos.

O palco da Culturgest recebeu a XXVI Conferência Executive Digest, o evento de referência que juntou em palco Presidentes, CEOs e gestores de topo do tecido empresarial nacional para debater o tema “As profundas alterações – e os seus impactos na Economia, Empresa, Sociedade”.

A XXVI Conferência Executive Digest conta com o apoio da Caixa Geral de Depósitos, Delta Q, Fidelidade, Jaba Recordati, MC, MEO Empresas, Randstad, Tabaqueira, e ainda com a parceria da Capital MC, Neurónio Criativo e Sapo.

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