Reparações: Chega avança com ação criminal inédita contra Marcelo por “traição à pátria”

André Ventura, líder do Chega, anunciou esta terça-feira que pretende avançar com um processo parlamentar contra Marcelo Rebelo de Sousa por traição à pátria.

“Não há memória que alguma vez isso tenha acontecido em Portugal. Nunca um chefe de Estado português, em 900 anos de história, decidiu fazer a autorresponsabilização dos nossos soldados, das Forças Armadas ou cidadãos”, indicou André Ventura, que salientou que o “pós-25 de Abril foi traumático”.

“Os espoliados, a quem nada foi pago, sentiram estas palavras como traição ao seu trabalho e à sua memória. Os corpos ainda hoje enterrados em África são testemunho vivo dessa traição. Recebemos centenas de contactos, de todo o país, de todos os setores a alertar para esta profundíssima traição a Portugal”, referiu.

“Este partido e o seu presidente não poderiam deixar de assinalar a gravidade das palavras [do presidente]. Em nome desses todos, decidimos avançar com processo inédito na nossa história parlamentar de acusação ao Presidente da República. A Assembleia deve agora tomar as diligências necessárias, no âmbito do artigo 130 da Constituição, nos próximos dias, para que o processo tenha avanço e que se chegue a um debate em plenário”, frisou o líder do Chega.

André Ventura referiu ainda que Marcelo “merece o nosso integral respeito enquanto chefe de Estado. É o nosso representante legítimo nas instituições. Estes mecanismos devem ser utilizados em casos excecionais, quando sentimos que nos deixa de representar e passa a representar outros interesses. O Presidente deixou de representar o interesse nacional. E mais grave quando depois das suas palavras pelo menos dois Estados já pediram reparação a Portugal. Este processo vai deixar marcas e frutos muito para além de nós políticos hoje”, indicou.

“Se nós não nos levantássemos hoje para dizer que isto é errado, é um atentado e uma traição ao país e à Constituição, não ficávamos bem connosco próprios”, frisou André Ventura.

“Não quero que um dia os nossos filhos que leiam que um Presidente da República assumiu responsabilidade pela nossa História, quero que digam que um partido se levantou e disse: ‘Sr. Presidente, é um traidor. Portugal não se trai, ama-se.’. Este é um dia penoso para a nossa democracia”, concluiu o líder do Chega.

O que diz o Artigo 130 da Constituição?

Responsabilidade criminal

1 – Por crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal de Justiça.

2 – A iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efetividade de funções.

3 – A condenação implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição.

4 – Por crimes estranhos ao exercício das suas funções o Presidente da República responde depois de findo o mandato perante os tribunais comuns.

O que é necessário no Parlamento para que avance a comissão

Para abrir um processo contra o Presidente é necessária que um quinto dos deputados (46) avancem com uma proposta. Com 50 deputados, o Chega pode avançar. No entanto, esta tem de ser votada por uma maioria de dois terços (153), e visto que tanto PS e PSD já descartaram a possibilidade, não deverá avançar. Só após a queixa é que poderia dar entrada um processo no Supremo Tribunal de Justiça.

As polémicas declarações de Marcelo à imprensa estrangeira

“A reparação é uma realidade que já começou há 50 anos e as pessoas não têm noção de como é que começou”, disse Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas estrangeiros, referindo-se à polémica sobre a possível indemnização de ex-colónias referida num jantar com correspondentes internacionais.

Dias depois, à margem da inauguração do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, em Peniche, o Presidente da República defendeu novamente que Portugal deve liderar o processo de assumir e reparar as consequências do período do colonialismo e sugere que o faça “nas linhas de crédito, nos financiamentos, nos programas especiais”.

O chefe de Estado referiu ainda que a compensação dos países lesados deve ser conduzida em diálogo com os mesmos, assegurando que ao longo da sua presidência sempre apoiou esta ideia: “Não podemos meter isto debaixo do tapete ou dentro da gaveta. Temos obrigação de pilotar, de liderar este processo, porque se nós não o lideramos assumindo, vai acontecer o que aconteceu com países que, tendo sido potências coloniais, ao fim de X anos perderam a capacidade de diálogo e de entendimento com as antigas colónias”.

“Assume-se a responsabilidade por aquilo que de bom e de mau houve no império. O assumir significa, de facto, isso”, continua. “Sempre achei que pedir desculpa é uma solução fácil para o problema”.

O esclarecimento do chefe de Estado à comunicação social surgiu na sequência das suas declarações durante um jantar com correspondentes estrangeiros em Portugal, na passada terça-feira, onde disse que Portugal assumia “toda a responsabilidade” pelos custos dos crimes cometidos durante o período colonial.

“É a democracia”

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reagiu, no passado domingo, a uma eventual ação criminal do grupo parlamentar do partido Chega contra si, por traição à pátria, dizendo que “é, naturalmente, a democracia”.

“A democracia é isso. Em democracia, em tempo eleitoral, fora de tempo eleitoral, os partidos podem tomar iniciativas. É, naturalmente, a democracia”, limitou-se a afirmar, aos jornalistas, o chefe de Estado, à margem de uma visita à Ovibeja.

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