Caso gémeas luso-brasileiras: Mãe das crianças quer impedir Parlamento de ter acesso a documentos sobre seguro de saúde e vida da família no Brasil
A família das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, está a levar a cabo uma ofensiva judicial em Portugal e no Brasil para impedir que o Parlamento português tenha acesso a documentos relacionados com o seguro de saúde das crianças. O objetivo é travar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao tratamento das gémeas, que foi aberta após uma investigação da TVI, de aceder a informações sensíveis sobre o seguro de saúde no Brasil e a vida privada das crianças.
Em Agosto, a família, representada por uma equipa de três advogados no Brasil, apresentou queixas em tribunais brasileiros, pedindo que pelo menos dois processos relacionados com o seguro de saúde das crianças fossem colocados em segredo de justiça. Segundo o pedido, a que a TVI/CNN Portugal teve acesso, os processos envolvem questões de “vida íntima e pessoal” das gémeas e, como tal, não devem estar disponíveis para consulta pública.
Os advogados da família argumentam que permitir o acesso aos documentos sobre as apólices de seguro pode expor informações sensíveis, incluindo cláusulas contratuais entre a família e a seguradora brasileira Amil. “A intimidade e a privacidade das requerentes encontram-se vulneráveis, uma vez que os documentos disponíveis para consulta pública transcrevem todo o ocorrido”, dizem os advogados, citando a possibilidade de exposição pública injustificada.
Em paralelo, Daniela Martins, mãe das gémeas, moveu uma ação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Assembleia da República e a CPI, exigindo que o Parlamento ignore e elimine dos seus arquivos os documentos obtidos pelo deputado do PSD, António Rodrigues. Estes documentos, segundo a família, foram obtidos de forma irregular, após a recusa em fornecer informações sobre o seguro.
A disputa teve início depois de a TVI/CNN Portugal ter revelado que a seguradora das gémeas, ao transferir o tratamento para Portugal, teria poupado milhões de euros. A revelação gerou preocupação entre os deputados da CPI, que investigam o caso com base nos documentos recolhidos por António Rodrigues junto de tribunais brasileiros.
Em resposta, o advogado da família em Lisboa, Wilson Bicalho, apresentou uma queixa contra o Parlamento no dia 6 de agosto, referindo o “espanto” de Daniela Martins ao ouvir o deputado do PSD, António Rodrigues, declarar que tinha acesso à apólice de seguro e outros documentos relacionados com a família, sem a sua autorização.
Os documentos em questão foram aceites pela CPI, o que gerou uma reação imediata por parte da família, que considera que a sua privacidade foi violada.
Acusações de “obtenção nebulosa” dos documentos
A queixa apresentada pelo advogado Wilson Bicalho sublinha que os documentos obtidos por António Rodrigues foram recolhidos de forma “incerta e insabida”, alegando que a forma como o deputado teve acesso aos mesmos é desconhecida e não cumpriu os requisitos legais. Bicalho afirma que tais documentos não podem ser considerados legítimos ou verdadeiros, alertando para o risco de que contenham informações falsas, adulteradas ou omitidas.
O objetivo da família é que os tribunais portugueses declarem como ilegal a obtenção dos documentos por parte de António Rodrigues e obriguem o Parlamento a eliminá-los dos seus arquivos, impedindo assim o seu uso na investigação parlamentar. A mãe das gémeas considera que a aceitação destes documentos viola os seus direitos constitucionais, incluindo o direito à privacidade.
Confrontado pela TVI/CNN Portugal, António Rodrigues defendeu a legalidade dos seus actos, sublinhando que obteve os documentos de forma transparente e através de um colega brasileiro que lhe garantiu que os processos judiciais eram de acesso público.
Rodrigues declarou: “Tive o cuidado de explicar na CPI que os documentos tinham sido obtidos através de um colega brasileiro que me assegurou e provou, em termos de identificação da lei, que os processos eram de acesso público”.
O deputado acrescentou que esta é a primeira vez que vê um cidadão português, residente no estrangeiro, a mover uma acção contra o Parlamento por este estar a exercer os seus direitos. Para Rodrigues, o pedido da família para colocar os processos em segredo de justiça no Brasil demonstra que os documentos inicialmente estavam acessíveis, e não sujeitos a confidencialidade.
Rodrigues considera que há uma tentativa de bloquear o trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito, salientando: “Parece que há uma animosidade contra o Parlamento por estar a tentar saber a verdade à volta deste caso”.
A CPI ao tratamento das gémeas luso-brasileiras foi aberta após uma investigação da TVI, que revelou que as crianças, tratadas em Portugal, possuíam um seguro de saúde brasileiro que teria poupado milhões de euros à seguradora, ao evitar os elevados custos de tratamento no Brasil.