Caso das gémeas. Nuno Rebelo de Sousa responde hoje no Parlamento: as polémicas, a recusa, o silêncio e o que esperar da audição

Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, vai estar esta quarta-feira – a partir das 14 horas – na Assembleia da República para responder aos deputados no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no caso das gémeas luso-brasileiras, em teleconferência. É o ponto final de uma ‘novela’ sobre a presença do filho de Marcelo Rebelo de Sousa, que foi constituído arguido no passado dia 19.

Com a constituição de Nuno Rebelo de Sousa como arguido, são já três o número de suspeitos na mesma condição: são também arguidos o ex-secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, e o ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria, Luís Pinheiro.

A presença de Nuno Rebelo de Sousa, que reside no Brasil, no Parlamento esteve em risco: no passado dia 18, o filho de Marcelo argumentou que como está a ser investigado no caso das gémeas apenas tenciona depor perante o Ministério Público (MP), salientando que “não pretenderá prestar qualquer depoimento na CPI ou fornecer qualquer esclarecimento ou ponderar fornecer qualquer documento, e, aliás, não apenas perante a CPI, mas perante qualquer outra entidade que não a entidade dominus do inquérito criminal que, como é público, o Ministério Público está a conduzir”, pode ler-se na carta assinada por Rui Patrício, advogado do filho do Presidente da República.

No entanto, Nuno Marcelo Rebelo de Sousa “não exclui, evidentemente, poder vir a Portugal em momentos futuros e, sendo tal possível, conveniente e útil para os trabalhos dessa comissão, estar presente em audição”.

“Não haja dúvidas de que o senhor dr. Nuno Rebelo de Sousa exercerá o seu direito, legal e constitucionalmente consagrado, a sobre eles não depor, nem os abordará fora do aludido processo-crime e dos seus trâmites legais, pelo menos enquanto contra si correr termos tal processo (no qual prestou e poderá porventura prestar ainda, no quadro e nos termos da totalidade dos direitos e faculdades que o seu estatuto processual lhe confere, esclarecimentos)”, refere o documento.

Ainda assim, o advogado lembra que o filho do chefe de Estado não se irá opor a que a comissão parlamentar de inquérito tenha acesso “aos esclarecimentos orais e escritos por si já prestados, respetivamente sob a forma de declarações via carta rogatória e de memorial escrito com documentos por nós subscrito, ambos no decorrer do mês de Maio do corrente ano, no âmbito do referido processo-crime”.

A CPI não aceitou os argumentos de Nuno Rebelo de Sousa, afirmando perentoriamente que o filho do Presidente da República terá de prestar esclarecimentos. De acordo com Rui Paulo Sousa, presidente da CPI, “terá de vir, seja presencialmente ou por videoconferência, mas terá de vir”, salientando que caso continue a recusar prestar esclarecimentos, então o Parlamento vai avançar para o Ministério Público com uma queixa por desobediência qualificada, “um dos crimes previstos neste caso”.

“Ao abrigo do artigo 19 do Regimento Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, a recusa em comparecer para depor perante esta comissão de inquérito, fora dos casos previstos no artigo 17, consubstancia um crime de desobediência qualificada”, indicou a comissão.

A presença de Nuno Rebelo de Sousa segue-se à audição de Daniela Martins, mãe das gémeas luso-brasileiras, que se deslocou ao Parlamento no passado dia 21, negando qualquer ligação ao filho do Presidente da República. “Nunca conheci nem me dirigi pessoalmente ao senhor Presidente da República ou ao seu filho, Dr. Nuno Rebelo de Sousa”, afirmou a mãe das meninas.

Nuno Rebelo de Sousa vai estar em silêncio

O filho de Marcelo Rebelo de Sousa já garantiu, no entanto, que vai fazer valer a sua condição de arguido para não responder às perguntas dos deputados. “Se a Comissão, apesar de o mesmo ter já informado que vai usar do seu direito ao silêncio, e que vai fazê-lo na íntegra, considera a audição necessária e útil, e considerando que a comissão admite, agora, a possibilidade de a audição se realizar por videoconferência, então, naturalmente, confirmamos a disponibilidade do nosso constituinte para essa videoconferência”, refere a equipa legal do arguido.

O PSD já solicitou um requerimento para clarificar o conceito de segredo de justiça, após Nuno Rebelo de Sousa ter dito que não falava: o coordenador social-democrata explicou que o requerimento “é muito mais justificado”. Para António Rodrigues, é “importante que se saiba” o que Nuno Rebelo de Sousa poderá dizer à comissão, enquanto arguido, para que não se “limite a um absoluto silêncio”.

Garante não ter cometido qualquer crime

No Brasil, o filho do Presidente da República foi submetido a um interrogatório judicial sobre os factos que o Ministério Público lhe imputa sobre o caso: a defesa garantiu que na acusação há dados que são verdadeiros, mas há também outros “que não correspondem à realidade”, com uma certeza: o que é verdadeiro não é crime.

A defesa sustenta que todos os contactos feitos com Marcelo Rebelo de Sousa nunca foram feitos “em razão ou por força da sua qualidade de filho do Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, nem tendo em vista qualquer influência deste junto do Governo de Portugal ou dos hospitais públicos portugueses”, revelou no passado dia 29 a revista ‘Sábado’.

Nuno Rebelo de Sousa garantiu ainda que “não conhece pessoalmente nem Daniela Martins, nem Samir Filho, nem as crianças”, tendo tomado conhecimento do caso quando a mãe lhe enviou a informação por WhatsApp através de uma conhecida em comum, salientando que o casal nunca lhe pediu ajuda “para que o fármaco fosse administrado às suas filhas em Portugal”.

“Perguntaram a Nuno Rebelo de Sousa sobre qual a melhor maneira para conseguir contactar o médico especialista que já havia atendido uma outra criança com a mesma doença, e com sucesso no respetivo tratamento, procurando ainda confirmar qual o hospital em que aquele atuaria”, referiu.

“Nuno Rebelo de Sousa não solicitou a Marcelo Rebelo de Sousa, seu pai, para que intercedesse junto de qualquer elemento do Governo responsável pela área da saúde para o que quer que fosse, nem o fez, certamente, para que fossem marcadas consultas com a dra. Teresa Moreno nem para que o fármaco Zolgensma fosse administrado a Lorena e Maitê”, indica Rui Patrício, advogado do filho do Presidente.

O encontro com Lacerda Sales, conforme já reconhecido pelo antigo secretário de Estado da Saúde, é o principal ponto de discórdia: “Reuniu com o secretário de Estado da Saúde” a 7 de novembro de 2019, sim, mas “essa reunião não foi agendada para discutir o assunto das crianças luso-brasileiras, nem nela solicitou” a Lacerda Sales “que diligenciasse no sentido indiciado na carta rogatória”.

Ao contrário da acusação do Ministério Público, “não solicitou a António Lacerda Sales que exercesse qualquer pressão junto da direção clínica e do departamento de pediatria do Hospital de Santa Maria para que fosse marcada a consulta das crianças nem para que fosse dado um andamento célere e favorável à administração do Zolgensma”, refere a defesa, negando os crimes que lhe são imputados: prevaricação e abuso de poderes, deixando implícito que se alguém os cometeu terá sido o ex-secretário de Estado Lacerda Sales.

O que se pode esperar da audição de Nuno Rebelo de Sousa?

Os deputados do CPI quererão sobretudo esclarecer o envolvimento do filho do Presidente da República no caso das gémeas luso-brasileiras. Desde logo o email ao pai. Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que a sua intervenção no caso começou com um e-mail do filho, no dia 21 de outubro de 2019. “Enviou-me um e-mail em que dizia que um grupo de amigos da família das crianças gémeas se tinha reunido e estava a tentar que fossem tratadas em Portugal, era uma corrida contra o tempo.”

“Já tinha contactado o Hospital D. Estefânia que tinha dito que seria o Santa Maria o Hospital adequado para apurar”, diz Marcelo. “Como não houve resposta do Santa Maria, o Dr. Nuno Rebelo de Sousa questionou se era possível ter uma resposta.”

A ligação à mãe das gémeas, Daniela Martins, também será explorada, assim como a reunião com Lacerda Sales.

Em causa está o tratamento, em 2020, de duas gémeas residentes no Brasil que adquiriram nacionalidade portuguesa, com o medicamento Zolgensma. Com um custo total de quatro milhões de euros (dois milhões de euros por pessoa), este fármaco tem como objetivo controlar a propagação da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa.

O caso foi divulgado pela TVI, em novembro passado, e está ainda a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e a IGAS já concluiu que o acesso à consulta de neuropediatria destas crianças foi ilegal.

Também uma auditoria interna do Hospital Santa Maria concluiu que a marcação de uma primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.

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