Caso Abramovich: Comunidade Israelita do Porto exige 10 milhões ao Estado português por uso de “denúncias dementes”

A Comunidade Israelita do Porto (CIP) apresentou uma ação judicial contra o Estado português, exigindo uma indemnização mínima de 10 milhões de euros pelos danos causados pela operação policial “Porta Aberta”. Esta investigação focou-se no processo de atribuição de nacionalidade portuguesa ao oligarca russo Roman Abramovich, através da lei que permite aos descendentes de judeus sefarditas obterem a cidadania portuguesa. A comunidade acusa as autoridades de conduzirem uma “campanha caluniosa” baseada em denúncias anónimas, o que resultou em buscas, detenções e na difamação da organização e do seu líder religioso.

O caso remonta a 2022, quando a Polícia Judiciária (PJ) desencadeou uma operação de buscas à sede da CIP, incluindo a Sinagoga Kadoorie e o Museu Judaico do Porto. As buscas foram motivadas por suspeitas de crimes como corrupção, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e tráfico de influências, relacionados com a atribuição da nacionalidade portuguesa a Abramovich. Durante a operação, o Chefe-Rabino da comunidade, Daniel Litvak, foi detido e constituído arguido.

A CIP, no entanto, rejeita todas as acusações, classificando a operação como uma tentativa injustificada de desacreditar a organização. Em declarações à CNN Portugal, Gabriel Senderowicz, presidente da CIP, afirmou que “uma das maiores sinagogas da Europa foi ilegalmente invadida por autoridades judiciárias de Lisboa que abanavam denúncias anónimas eivadas de generalidades dementes”. A comunidade alega que as buscas foram baseadas em informações sem fundamento, resultando em prejuízos irreparáveis para a sua reputação.

A detenção de Daniel Litvak foi um dos momentos mais polémicos do caso. Segundo o processo, Litvak “passou pelas maiores agruras”, incluindo ser colocado numa cela com um homicida paquistanês, enquanto lhe foi negada comida kosher e os itens religiosos necessários para as suas orações. A defesa do Chefe-Rabino argumentou que não havia provas concretas contra ele, o que levou o Tribunal da Relação de Lisboa a revogar, em setembro de 2022, as medidas de coação que incluíam a proibição de sair de Portugal e apresentações regulares às autoridades. O acórdão do tribunal referiu que “o Ministério Público não apresentou referência a um processo concreto, a um documento falso, a um pagamento ou a um recebimento indevido, a um indício do esquema criminoso”.

Apesar de Litvak ter sido libertado, o inquérito continua a decorrer, e a CIP sustenta que a operação teve um impacto devastador sobre a comunidade. Segundo Senderowicz, “o espetáculo” em torno do caso gerou “danos reputacionais, dezenas de milhares de mensagens de ódio e vandalismo de estabelecimentos judaicos”, além de comprometer a capacidade da comunidade de angariar donativos no futuro.

Em novembro de 2022, a Comunidade Israelita do Porto deu início ao pedido de indemnização ao Estado português, ação que este mês foi formalmente entregue no Juízo Central Cível de Lisboa, fixando o valor da compensação em pelo menos 10 milhões de euros. A petição alega que os danos, tanto materiais como imateriais, foram “resultantes diretamente dos factos ilícitos” cometidos pelas autoridades. A defesa da comunidade sublinha que “a destruição do bom nome da instituição significa a destruição das possibilidades de sobrevivência futura”, destacando que os grandes doadores do mundo judaico já não querem associar-se a uma organização vista como envolvida em corrupção.

Além do processo judicial em Portugal, a CIP avançou também com uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, denunciando as irregularidades da operação policial. A comunidade pretende obter uma compensação adequada pelos danos sofridos e a reposição da sua honra.

O caso Roman Abramovich foi um dos focos principais da investigação. O oligarca russo, que adquiriu a nacionalidade portuguesa através da CIP, foi patrocinador do Museu do Holocausto do Porto e um dos nomes mais sonantes associados ao processo. As suspeitas de irregularidades no processo de certificação de Abramovich, que também incluía a certificação do empresário Patrick Drahi, fundador da Altice, geraram a operação “Porta Aberta”.

No entanto, a CIP afirma que a documentação crucial relacionada com o processo de Abramovich foi deixada para trás durante as buscas. “A documentação relativa às origens sefarditas de Roman Abramovich foi deixada esquecida nas instalações da CIP pelas autoridades responsáveis”, lamentou Senderowicz. Essa documentação incluía provas das raízes sefarditas de Abramovich, cujos antepassados tinham nomes como Leiva, Rosa e Leão, e o pagamento de 250 euros pelo processo de certificação.

Gabriel Senderowicz, numa carta enviada ao Ministério da Justiça em julho deste ano, criticou duramente a operação policial, acusando-a de criar um “espetáculo” mediático que comprometeu seriamente a comunidade judaica do Porto. Além dos danos reputacionais, Senderowicz relatou episódios de agressões físicas contra membros da comunidade, incluindo o Chefe-Rabino, que foi atacado num supermercado, acusado de “vender Portugal”. O medo de uma nova perseguição aos judeus em Portugal foi realçado pela comunidade, que recordou o histórico de expulsões e apreensões de bens.

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