Carlos Ghosn, o fugitivo: Ascensão, queda e fuga (de transportes públicos)
O antigo CEO da Renault e Nissan apanhou o comboio às 16:30 na estação de Shinagawa rumo à estação de Shin-Osaka. Lá chegado, apanhou um táxi para um hotel perto do Aeroporto de Kansai e aguardou que o avião estivesse pronto para o levar para o Líbano (passando pela Turquia). É o que revela a estação de televisão NTV que cita fontes próximas da investigação.
Mas porque é que um dos homens mais poderosos da indústria automóvel teve de fugir da Justiça como um banal criminoso? O Automonitor dá-lhe algumas pistas.
A queda
Carlos Ghosn foi detido no aeroporto de Haneda, em Tóquio, no dia 19 de novembro de 2018 por suspeita de abuso de confiança e evasão fiscal, quando regressava do Líbano num jato privado. Terá sido denunciado por uma fonte anónima.
Ficou detido à espera de julgamento, que foi sendo consecutivamente adiado, à medida que subsequentes acusações foram sendo feitas contra si, alargando assim o prazo legal para a sua detenção, que totalizou 108 dias.
A 6 de março de 2019 é libertado sob fiança, depois de dar uma garantia bancária de nove milhões de dólares. No início de abril passado, foi novamente detido e outra vez libertado sob caução. Mas fica com liberdade reduzida: proibido de sair do Japão e obrigado a viver numa casa vigiada 24 horas por dia, sem acesso à Internet.
A fuga
Carlos Ghosn terá conseguido fugir depois da empresa de segurança contratada pela Nissan para vigiar o empresário ter suspendido os serviços no dia 29 de dezembro. Os advogados de Ghosn contestavam a vigilância feita pela empresa de segurança privada contratada pela Nissan, alegando que estava em causa a violação dos Direitos Humanos.
Imagens divulgadas pela estação nipónica NHK mostram o momento em que o empresário – com um chapéu e uma máscara de cirurgia no rosto – saiu sozinho da sua casa em Tóquio rumo ao aeroporto de Osaka, situado a cerca de 400 quilómetros de distância.
A fuga – que para o gestor se trata tão somente de uma libertação “da injustiça e da perseguição política” no Japão – está a ser investigada pelas autoridades japoneses e agora também pelas turcas. De acordo com a agência de notícias DHA, a polícia turca prendeu sete pessoas, incluindo quatro pilotos, sob suspeita de auxiliar Ghosn a viajar para o Líbano a partir de um aeroporto de Istambul.
Depois de desembarcar em Beirute, Ghosn publicou um comunicado de imprensa e a sua equipa de comunicação confirmou à AFP que irá realizar uma conferência de imprensa nos próximos dias.
Ajuda de Michael Taylor?
A imprensa norte-americana indicou que foi Michael Taylor – um conhecido especialista em fugas que ajudou em 2009 à libertação do jornalista norte-americano David Rohde sequestrado pelos talibãs – que terá ajudado o empresário a fugir. Apesar de não ter acompanhado Ghosn na viagem, Taylor terá preparado todos os passos deste plano.
Fonte citada pelo Wall Street Journal afirmou que o antigo líder da Nissan foi acompanhado na viagem por George Zayek, funcionário de uma empresa de segurança privada com ligações a Michael Taylor.
A empresa de jatos privados turca, que efetuou o voo para Beirute, garante que em nenhum documento foi revelado o nome de Carlos Ghosn que possui tripla nacionalidade: brasileira, francesa e libanesa. No entanto, o antigo líder da Nissan terá conseguido entrar no país utilizando o seu passaporte francês.
Interpol e extradição
Aos 65 anos, Carlos Ghosn vê-se assim alvo também de um mandado internacional da Interpol já que se tornou num fugitivo internacional. O governo francês indicou entretanto que Carlos Ghosn não será extraditado se entrar em território francês porque o país nunca extradita os seus cidadãos.
“Não extraditaremos o senhor Ghosn porque a França nunca extradita os seus cidadãos”, afirmou Pannier-Runacher ao canal BFMTV. Ainda assim o governo francês considera que Ghosn “não deveria ter escapado do sistema de justiça japonês”.
Ascensão
Depois de se ter licenciado em engenharia, em Paris, Carlos Ghosn foi contratado pela Michelin em 1978 aos 24 anos. Aos 30 anos, depois de duas promoções, torna-se COO da Michelin Brasil, voltando ao país que o viu nascer para o mundo e onde passou a sua infância, antes de se mudar para o Líbano, de onde os seus pais eram naturais.
A Michelin Brasil vivia tempos conturbados devido à hiperinflação que assolava a economia brasileira. Ghosn, fluente em francês e em português, conhecia bem as culturas dos dois países. Instaurou na sede brasileira da Michelin uma cultura organizacional inclusiva a todas as nacionalidades que aí trabalhavam, promovendo a eficiência operacional. Sob o seu leme, a Michellin Brasil voltou aos resultados positivos.
O trabalho de Carlos Ghosn impressionou a casa mãe da Michelin e é promovido novamente. A empresa francesa, que acabara de comprar a Uniroyal Goodrich Tire Company, uma produtora de pneus, deu-lhe a missão de reestruturar as duas empresas e faz dele presidente e COO da Michelin da América do Norte. Com Carlos Ghosn, a fusão é um sucesso e, em 1990, a Michellin faz dele chairman e CEO, uma acumulação de cargos que se iria repetir ao longo da sua carreira mais três vezes.
Em 1996, ao fim de 18 anos na produtora de pneus, Ghosn deixa a Michelin e integra a Renault, em 1997. Segundo o seu perfil no LinkedIn, enquanto vice-presidente executivo da Renault para a América Latina, tinha vários departamentos a seu cargo na marca francesa que estava a passar por momentos difíceis. Passavam pelo seu controlo as áreas de investigação & desenvolvimento, engenharia, produção, motorização e vendas.
Foi por esta altura que o brasileiro ganhou a alcunha “Le Cost Killer” – o ‘assassino dos custos’ – por cortar todos os excedentes operacionais e que, pouco tempo mais tarde, introduziu no Japão. Ao abrigo do seu plano, a Renault cortou os custos em 20 mil milhões de francos e, a partir de 1997, a marca francesa passou novamente para o EBITDA positivo.
Em 1999, a Renault compra 36,8% da Nissan e acumula o cargo que tinha na Renault com o de COO da Nissan. Nasceu, assim, aquela que se tornaria na maior aliança do mundo automóvel. Apesar de ter sido o primeiro estrangeiro a liderar uma multinacional japonesa, viu-se novamente ao leme de uma empresa à beira da falência, uma situação que já conhecia bem.
A Nissan tinha uma dívida que ascendia aos 20 mil milhões de dólares e com prejuízos na ordem dos 6 mil milhões de dólares. Ghosn, seguindo o seu “plano de revitalização”, encerrou cinco fábricas no Japão e despediu 21.000 pessoas.
Prometeu que, ao fim de dois anos, a Nissan passaria a dar lucros – caso contrário, ele e a sua equipa de gestão demitir-se-iam. O empresário excedeu todas as expetativas e, ao fim de apenas um ano, a Nissan passou a ser uma das construtoras de automóveis mais rentáveis do mundo – com margens anuais de 9%, em média, nos três anos seguintes.
Em 2001, torna-se CEO da Nissan e em 2005 CEO da Renault. Com esta acumulação de cargos, Carlos Ghosn torna-se na primeira pessoa a ser chief executive officer em simultâneo de duas empresas que integram a Fortune 500. Em 2002, é nomeado chairman e CEO da aliança Renault-Nissan.
A aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, que integra ainda a maior fabricante de automóveis russa, a AVTOVAZ, atingiu o apogeu em 2016 ao ter vendido quase 10 milhões de carros no mundo inteiro – isto é, um em cada nove veículos vendidos nesse ano tinham o selo de Carlos Ghosn.
Em 2017, Ghosn deixou o cargo de CEO da Nissan, substituindo-o no cargo Hiroto Saikawa, que pensava de forma semelhante a Carlos Ghosn. Segundo o Financial Times, desde então que cada uma das três marcas de automóveis nomearam mais de 24 gestores para criarem novas funções entre as empresas, com o objetivo de supervisionar todas as áreas operacionais da aliança.
O objetivo, segundo indicou o jornal britânico junto de pessoas próximas de Ghosn, era fazer do empresário o gestor de uma mega-empresa que ele lideraria (com três CEO a reportarem-lhe diretamente).