Cancro colorretal: sintomas, prevenção e rastreio

Por Paulo Mendonça

Atualmente as diversas formas de cancro associadas ao aparelho digestivo correspondem a 10% da mortalidade portuguesa. Falámos com Miguel Bispo, secretário- geral da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia e médico gastrenterologista da Fundação Champalimaud, em Lisboa, para tentar perceber quais os fatores de risco, sintomas e formas de prevenção do cancro colorretal e outras doenças do aparelho digestivo.

Quais as queixas comuns de doentes com mais de 50 anos na área da Gastrenterologia?

Os sintomas mais comuns em adultos, na área da Gastrenterologia, são relativamente transversais às várias faixas etárias, apresentando frequentemente um carácter crónico ou recorrente. De uma forma genérica, estes sintomas tendem a ser atribuídos ao tubo digestivo alto (esófago, estômago ou duodeno), ao tubo digestivo baixo (intestino delgado e cólon), ou ainda a outros órgãos anexos ao tubo digestivo (nomeadamente, ao fígado, vias biliares, ou pâncreas), podendo apresentar uma frequência e intensidade muito variáveis. Entre os sintomas mais comuns destaco a dispepsia (vulgarmente designada por “má digestão”, que afeta 20 a 40% da população), as queixas associadas ao refluxo gastroesofágico (ardor e regurgitação ácida), as alterações do trânsito intestinal (diarreia ou obstipação) e a distensão abdominal (vulgarmente designada por “barriga inchada”), muitas vezes acompanhada por meteorismo ou desconforto/ /dor abdominal. Estes sintomas devem ser sempre interpretados no contexto clínico individual de cada doente. A necessidade de avaliação em consulta de Gastrenterologia depende maioritariamente da repercussão destes sintomas na qualidade de vida do doente ou da presença de sinais de alarme. Na verdade, o aparecimento pela primeira vez de muitos destes sintomas, após os 50 anos, constitui um sinal de alarme, pois associa-se com maior frequência a uma lesão orgânica subjacente e sabemos que a prevalência das doenças oncológicas aumenta a partir desta faixa etária.

Quais as patologias mais frequentes?

O espectro de patologias na área da Gastrenterologia é amplo. São particularmente prevalentes as chamadas doenças funcionais do tubo digestivo, atribuídas a perturbações do funcionamento digestivo na ausência de uma lesão orgânica identificável, como o síndrome do intestino irritável e a dispepsia funcional. A doença de refluxo gastroesofágico, que afeta 10 a 20% da população, tem vindo a aumentar e as suas principais complicações surgem geralmente depois dos 50 anos. Nas chamadas intolerâncias alimentares, que, ao contrário do senso comum, não indicam necessariamente um mecanismo alérgico subjacente, destacam-se a intolerância à lactose e a intolerância ao glúten. Existe ainda um especto alargado de outras doenças digestivas, destacando as doenças inflamatórias crónicas do intestino e as doenças oncológicas. Relativamente às oncológicas, importa destacar que quatro das doenças com maior mortalidade em Portugal são provenientes do sistema digestivo: o cancro colorretal (que constitui a principal causa de morte por cancro digestivo em Portugal), o cancro do estômago (particulamente prevalente em Portugal em comparação com a restante Europa), o cancro do fígado (estreitamente associado à cirrose hepática) e o cancro do pâncreas (conhecido pelo seu prognóstico desfavorável, cuja incidência continua a aumentar). No total, os cancros do aparelho digestivo são responsáveis por cerca de 10% da mortalidade portuguesa. Pensa-se que o aumento global na incidência da maioria dos tumores digestivos, em particular do cólon e do pâncreas, esteja, por um lado, associado ao envelhecimento da população, uma vez que estes tumores são mais frequentes nas faixas etárias mais avançadas. Por outro lado, também deverá estar associado ao aumento da prevalência de determinados fatores de risco, maioritariamente relacionados com o estilo de vida, como a obesidade, o sedentarismo, o tabaco e as dietas hipercalóricas, pobres em fibras, com excesso de gordura e carnes vermelhas.

Quais os principais cuidados que as pessoas com mais de 50 anos devem ter para evitar problemas de foro gastrenterológico?

Deve ser salientada a importância da prevenção nos seus diferentes domínios. No âmbito da prevenção primária, que inclui medidas preventivas ao nível do estilo de vida, é particularmente relevante evitar o tabaco e praticar uma alimentação completa e equilibrada. É recomendada uma dieta mediterrânica, rica em fibras e pobre em gorduras e carnes vermelhas, a par da prática regular de exercício físico. Sabemos que o tabaco e a obesidade são fatores de risco transversais a todos os tipos de cancro digestivo. Salienta-se também a importância da prevenção secundária no âmbito das doenças oncológicas, através da adesão a métodos de rastreio eficazes, sendo particularmente relevante o rastreio do cancro colorretal. Atualmente, o risco médio de uma pessoa desenvolver este tipo de cancro ao longo da vida é de cerca de 5%, podendo ser maior na presença de determinados fatores de risco. Este é um dos tumores em que o rastreio demonstrou ser mais eficaz. Importa assim sensibilizar a população para esta questão, bem como facilitar o acesso a métodos de rastreio eficazes, nomeadamente à colonoscopia.

Por que é que a partir de determinada idade as pessoas se tornam mais vulneráveis a este tipo de patologias ou perturbações?

Entre as doenças digestivas prevalentes nas faixas etárias mais avançadas destacam-se as doenças oncológicas. O cancro digestivo constitui uma importante causa de morbilidade e mortalidade na população portuguesa e a sua incidência aumenta com a idade. No processo de envelhecimento decorrem alterações moleculares e celulares, que podem resultar numa proliferação celular descontrolada. Esta proliferação celular descontrolada constitui a base para o aparecimento de cancro e o acumular de alterações moleculares, com o envelhecimento, justifica a maior prevalência de tumores malignos em indivíduos idosos. O idoso constitui um grupo etário de maior risco para o aparecimento de determinados tipos de tumor, destacando- se o cancro do cólon (cuja incidência aumenta significativamente a partir dos 55 anos) e do pâncreas (com uma idade média no momento do diagnóstico de 71 anos).

Uma das grandes preocupações quando se chega aos 50 anos é a colonoscopia. É justificado?

O que é que preocupa tanto as pessoas? O prognóstico do cancro colorretal depende essencialmente do estádio no momento do diagnóstico. Uma vez que uma proporção significativa de casos continua a ser diagnosticada numa fase avançada da doença, geralmente após o aparecimento de sintomas, a mortalidade global aos cinco anos mantém-se elevada, aproximando- se dos 50%. No entanto, quando este tumor é diagnosticado numa fase precoce, nomeadamente antes de ocorrer disseminação linfática, a sobrevivência aos cinco anos aproxima-se dos 90%. Estes dados reforçam a importância do rastreio do cancro colorretal e do diagnóstico precoce, idealmente antes do aparecimento dos primeiros sintomas. Apesar da relevância do rastreio, que é recomendado por várias sociedades científicas, a adesão da população ainda é claramente insuficiente. A Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia reforça a importância da sensibilização da população nesta questão, bem como a necessidade de facilitar o acesso a métodos de rastreio eficazes, nomeadamente à colonoscopia.

A colonoscopia deve ser feita apenas por quem apresenta queixas, ou serve também como exame preventivo?

O cancro colorretal é frequentemente assintomático até uma fase avançada da doença. O envelhecimento da população e o incremento de vários fatores de risco associados ao estilo de vida, em conjugação com a insuficiente adesão ao rastreio, justificam o aumento da sua incidência na última década. Deve ser reforçada a importância da prevenção, salientando que esta é uma das doenças oncológicas em que o rastreio demonstrou ser mais eficaz. No âmbito da prevenção e do diagnóstico precoce, a colonoscopia assume claramente um papel central, aliando a sua elevada rentabilidade diagnóstica ao seu potencial terapêutico. A colonoscopia é particularmente relevante para a remoção das lesões superficiais colorretais, designadas pólipos, que são precursoras desta doença maligna. Já foi inequivocamente demonstrado que o rastreio por colonoscopia diminui significativamente o risco de morte por cancro colorretal.

Qual a idade recomendada para o primeiro exame?

Na população geral (população de médio risco), o rastreio deve ser iniciado aos 50 anos. Mas, no entanto, o momento em que se realiza o rastreio depende do risco individual de cada pessoa. Esta estimativa do risco depende de vários fatores, devendo o rastreio ser antecipado na raça negra e quando existe história familiar de pólipos ou cancro colorretal.

E a partir daí, com que regularidade deve ser feito?

Os intervalos de rastreio também dependem do risco individual de cancro colorretal e dos achados na colonoscopia realizada. Com maior relevância, deverá ser considerada a existência de pólipos (dependendo do número, tamanho e tipo histológico dos pólipos removidos), a qualidade da preparação no exame prévio e a história familiar. Assim, não existe uma regra aplicável de forma generalizada para os intervalos de vigilância. Para o risco estimado mais baixo, o intervalo de vigilância poderá ser prolongado até aos 10 anos.

Que patologias podem ser detetadas numa colonoscopia?

A colonoscopia permite inspecionar a totalidade da mucosa do intestino grosso (cólon), utilizando um endoscópio flexível de alta definição. Possibilita caracterizar vários tipos de lesões, incluindo lesões inflamatórias, vasculares, pré-malignas e malignas (neoplásicas). É um exame de elevada acuidade na deteção das lesões precursoras do cancro colorretal (os chamados pólipos), permitindo o seu tratamento, mediante técnicas de ressecção endoscópica (técnicas de polipectomia), no momento da sua deteção. Se pensarmos que os pólipos são lesões prevalentes na nossa população, estando presentes em cerca de um terço das pessoas com mais de 50 anos, e que são quase sempre assintomáticos, torna- se evidente a relevância da colonoscopia no âmbito da prevenção do cancro colorretal.

Como se prepara o doente para este exame?

Uma adequada preparação intestinal é um fator determinante do sucesso da colonoscopia no diagnóstico de lesões pré-malignas e malignas. Existe um protocolo específico, que inclui uma dieta com restrição de fibras e uma solução de limpeza intestinal (que geralmente é ingerida até cerca de quatro horas antes do exame).

Esta preparação é normalmente bem feita por parte do doente, ou existem erros frequentes?

O cumprimento das instruções de limpeza intestinal aumenta a rentabilidade diagnóstica e a segurança do exame. Infelizmente existem erros frequentes, muitas vezes por insuficiente sensibilização dos doentes para a relevância da preparação. Os doentes devem ser informados por escrito e verbalmente e ter oportunidade para esclarecer as suas dúvidas. É frequente o incumprimento das instruções relativas à dieta e ao momento da toma da solução de limpeza intestinal. Vários doentes começam a tomar a preparação mais cedo do que está indicado, prejudicando a qualidade da preparação – o ideal será terminar a preparação pouco tempo antes do exame!

Existe alguma forma de fazer a colonoscopia de uma forma que seja menos invasiva?

Entre os diferentes métodos disponíveis para o rastreio e diagnóstico do cancro colorretal, a colonoscopia é o preferido pela sua potencialidade diagnóstica e terapêutica. Nenhum outro exame permite identificar e tratar num único tempo lesões pré-malignas, ou mesmo algumas lesões malignas num estádio inicial. Existem outras alternativas não invasivas à colonoscopia, destacando-se a colonoscopia virtual, realizada por tomografia computadorizada (colonografia por TC). Este exame tem como principal limitação a impossibilidade de obtenção de material histológico na presença de qualquer tipo de lesão e a ausência de capacidade terapêutica, exigindo preparação intestinal e submetendo o doente a radiações ionizantes. A pesquisa de sangue oculto nas fezes é também um recurso subóptimo perante a dificuldade de acesso à colonoscopia, uma vez que apresenta importantes limitações na deteção de lesões precursoras do cancro colorretal.

O exame é feito com anestesia geral?

A colonoscopia é habitualmente realizada sob sedação anestésica, de uma forma segura e confortável para o doente. Não está demonstrado que a sedação aumente o risco de perfuração, que é muito reduzido na colonoscopia diagnóstica e maioritariamente associado a intervenções terapêuticas complexas.

 

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