Cada vez mais pessoas em Portugal pedem ajuda a instituições de solidariedade – e mais de metade estão em idade ativa

O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza é assinalado anualmente a 17 de outubro, ou seja, esta quinta-feira. Teve início em 1987, quando o padre Joseph Wresinski reuniu 100 mil pessoas na Praça dos Direitos Humanos e Liberdades, em Paris, na inauguração de uma pedra em homenagem das vítimas da pobreza, fome, violência e medo.

Este dia é uma chamada de atenção para a necessidade de erradicar a pobreza e concretizar os objetivos da ‘Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável’. Procura, também, mobilizar os decisores políticos e a sociedade civil para a implementação de medidas que corrijam ou mitiguem as causas e as consequências da pobreza.

O combate à pobreza e a correção das desigualdades sociais são duas prioridades que exigem determinação e responsabilidade coletiva.

Em 2024, o tema é “Acabar com os maus-tratos sociais e institucionais. Atuar em conjunto para sociedades justas, pacíficas e inclusivas”. Com este tema procura-se evidenciar uma das dimensões ocultas da pobreza – os maus-tratos sociais e institucionais sofridos pelas pessoas que vivem na pobreza e pretende debater formas de agir em conjunto, no âmbito do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para promover sociedades justas, pacíficas e inclusivas.

Há 2,1 milhões de pessoas a viver com menos de 591 euros por mês em Portugal

O número de pessoas em situação de pobreza voltou a aumentar em Portugal, atingindo níveis preocupantes. De acordo com os dados mais recentes, 2,1 milhões de pessoas vivem atualmente com menos de 591 euros por mês, um valor que define o limiar da pobreza no país. Esta realidade alarmante foi destacada numa entrevista por Maria José Vicente, coordenadora da EAPN (Rede Europeia Anti-Pobreza), que lamentou o agravamento da situação.

Maria José Vicente, em entrevista à TVI, sublinhou que a pobreza monetária tem um impacto desproporcional sobre certos grupos da população, como mulheres, crianças ou idosos.

A pobreza em Portugal tem vindo a agravar-se de forma significativa, refletindo-se no aumento do número de pessoas que recorrem a ajuda de instituições de solidariedade. Nos primeiros seis meses deste ano, cerca de 7 mil pessoas pediram auxílio à AMI (Assistência Médica Internacional), um aumento de 15% em relação ao ano passado. Destas, mais de mil estavam a pedir ajuda pela primeira vez, um sinal de que novas famílias estão a cair na pobreza.

Os números revelam que 62% dos que pediram apoio estão em idade ativa, mostrando que a pobreza afeta uma faixa populacional que, à partida, deveria estar integrada no mercado de trabalho. Do total, 27% são menores de 16 anos e 11% têm mais de 66 anos, indicando que tanto os jovens como os mais idosos estão igualmente vulneráveis.

A situação dos reformados em Portugal é igualmente grave. De acordo com o Relatório da Conta da Segurança Social de 2022, num universo de pouco mais de dois milhões de pensionistas, cerca de 1,3 milhões recebiam menos de 591 euros por mês, colocando-os abaixo do limiar da pobreza. Destes, mais 273 mil reformados recebiam menos de 278,05 euros mensais, o que corresponde à pensão mínima. Sem os complementos que o Estado paga a estes pensionistas, o grau de pobreza seria ainda mais elevado.

O relatório destaca que “se constata um aumento do número de complementos face ao total de pensionistas, refletindo o facto de haver mais pensionistas com valor abaixo do mínimo estabelecido”. Este crescimento do número de pensionistas que dependem de complementos do Estado é um reflexo direto da degradação dos rendimentos de aposentadoria.

A análise revela ainda que dois em cada três pensionistas têm uma reforma igual ou inferior a 443,20 euros, enquanto pouco mais de 300 mil se encontram no escalão seguinte, entre 443,21 e 664,79 euros. Apenas cerca de 374 mil pensionistas recebem valores superiores a 664,80 euros, evidenciando a disparidade nos rendimentos de aposentadoria no país.

Nestas instituições, os casos multiplicam-se, mas cada um é tratado de forma diferente, até porque todos refletem realidades distintas. Após uma vida inteira a trabalhar na restauração, Olivia reformou-se com uma pensão de apenas 380 euros, um valor insuficiente para cobrir as suas necessidades básicas. “Reformei-me há pouco tempo, não dá para pagar casa”, contou ao mesmo canal de televisão, descrevendo a sua luta para encontrar uma solução habitacional mais acessível. “Queria ver se conseguia arranjar um quarto mais barato, ou uma casa para dividir, e assim podia partilhar essas despesas com a minha filha”, disse, numa tentativa de equilibrar o orçamento.

CGTP-IN destaca níveis de pobreza persistentemente elevados

Portugal continua a registar níveis de pobreza persistentemente elevados, sendo de sublinhar o número excessivo de trabalhadores pobres, que coloca a pobreza laboral entre os mais graves problemas da sociedade portuguesa.

De acordo com o INE, o número de pobres aumentou em 83 milhares entre 2021 e 2022, tendo a taxa de risco de pobreza entre o conjunto da população crescido de 6,4% para 17% em apenas um ano. Se recuarmos a 2019, ano anterior à pandemia, temos mais 114 mil pobres. Isto significa que, mesmo com as transferências sociais, mais de 1 milhão e 779 mil pessoas, das quais metade são mulheres (967 milhares), não saem da pobreza.

Por outro lado, o INE estima que a taxa de risco de pobreza ou exclusão social (que combina a pobreza com a taxa de privação material severa e a intensidade laboral per capita muito reduzida) é de 20,1% em 2023, o que se traduz em mais de 2 milhões e 100 mil pessoas nessa situação.

Aliás, sem as transferências sociais, a realidade da pobreza seria ainda mais grave, atingindo mais de 4,3 milhões de pessoas. A taxa de risco de pobreza chegaria aos 41,8% em termos globais, aos 82,2% entre os reformados, aos 67,7% entre os desempregados e aos 19,6% entre os trabalhadores.

Saliente-se ainda que cerca de meio milhão de trabalhadores (488 milhares) são pobres (10% do total de trabalhadores), o que demonstra que, em Portugal, não basta ter um trabalho e um salário para se sair da armadilha da pobreza e que, apesar do seu importante papel na atenuação da pobreza, as prestações sociais não são ainda assim suficientes para alterar essa situação. Embora, face a 2021, tenha havido uma ligeira diminuição do número de trabalhadores pobres (após transferências sociais), são mais de 34 milhares desde a pandemia.

Entre os desempregados a situação é dramática. A insuficiente protecção social no desemprego, quer ao nível da cobertura das prestações, quer dos seus montantes – com valores médios abaixo do limiar da pobreza – não só não permite reduzir a incidência da pobreza entre os desempregados, como não impede o seu aumento (de 43,4% em 2021 para 46,4% em 2022).

Já os reformados têm uma taxa de risco de pobreza de 15,4% após as transferências sociais, onde se destacam as pensões, o que significa que se as pensões tivessem um valor mais elevado, a pobreza entre os idosos poderia ser consideravelmente atenuada.

Em 2023, registou-se também um agravamento da privação material e social, com 39,8% das pessoas a viver em agregados sem possibilidade de substituir mobiliário usado (36,3% em 2022); 38,9% sem capacidade para pagar uma semana de férias por ano fora de casa (37,2% em 2022); 30,5% sem capacidade para pagar uma despesa inesperada sem recorrer a empréstimo (29,9% em 2022); 20,8% sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida (17,5% em 2022), para referir apenas alguns dos mais significativos.

Finalmente, também as desigualdades aumentaram em 2022 – os 10% mais ricos passaram de ganhar 8,5 vezes o que ganham os 10% mais pobres em 2021 para 9,7 vezes em 2022, tendo também crescido o indicador relativo aos 20% mais ricos face aos 20% mais pobres (de 5,1 para 5,6 vezes).

No entender da CGTP-IN, os números da pobreza entre os trabalhadores e os desempregados fazem prova da fragilidade e ineficácia das políticas laborais e salariais vigentes e remetem para a necessidade urgente de aumentar os salários em geral, de melhorar os níveis de protecção social e de investir nas funções sociais do Estado, em particular na saúde, na educação e na habitação.

Não esqueçamos que a pobreza é um fenómeno com múltiplas dimensões, que passa pela falta de recursos financeiros e insuficiência de rendimentos, mas se caracteriza também por ser uma situação de grande vulnerabilidade, precariedade, falta de oportunidades e dificuldades de acesso a serviços essenciais, como educação, cuidados de saúde, habitação, cultura, entre outros. Ou seja, a pobreza corresponde sempre a uma privação de direitos.

Assim, no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, a CGTP-IN reafirma a sua convicção de que o aumento geral dos salários, uma maior estabilidade do emprego, a melhoria das prestações sociais e a valorização e o investimento nas funções sociais do Estado são condições essenciais para combater a persistência da pobreza e das desigualdades em Portugal.

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