‘Buraco nas sanções’: as rotas secretas que abastecem a Rússia com tecnologia e bens de consumo ocidentais

Desde a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, o Ocidente impôs milhares de sanções à Rússia, tornando-a o país mais sancionado do mundo. As sanções internacionais, que visam desde as finanças de indivíduos até às principais indústrias da economia russa, procuraram isolar os consumidores russos, com grandes marcas como a Apple e a McDonald’s a cessarem as suas operações no país.

Contudo, dois anos depois, a economia russa demonstra uma resiliência surpreendente e está prevista crescer mais rapidamente do que a maioria das economias avançadas do mundo, embora especialistas alertem que esta trajetória não é sustentável a longo prazo. Num momento em que os esforços para restringir a economia russa estão no centro das atenções, os Estados Unidos anunciaram que irão divulgar novas sanções “impactantes” e controlos de exportação na cimeira do G7 em Itália esta semana.

“Vamos continuar a aumentar os custos para a máquina de guerra russa”, afirmou John Kirby, porta-voz da Casa Branca.

Desafios e Adaptabilidade Económica

Relatórios citados pelo The Guardian indicam que o Departamento do Tesouro dos EUA irá focar-se em instituições financeiras que auxiliam na transferência de importações relacionadas com a guerra – com a atenção voltada para bancos em países que não impuseram sanções e que facilitam o fornecimento de bens e serviços à Rússia. A economia russa tem sido parcialmente sustentada por tais importações.

Dados internos da agência aduaneira russa mostram que as importações estão a recuperar para níveis próximos dos anteriores à guerra, embora a preços consideravelmente mais altos. Essas importações têm ajudado a manter indústrias vulneráveis, como a aviação e a indústria automóvel.

Observadores referem-se a isto como um “buraco nas sanções”, onde produtos como semicondutores, peças de aviões e iPhones podem ser redirecionados e reexportados para a Rússia através de empresas na China, Turquia ou Emirados Árabes Unidos, ou via Arménia, Cazaquistão e outras repúblicas ex-soviéticas.

Entre esses itens estão microchips utilizados no esforço de guerra russo, incluindo os fabricados por produtores norte-americanos como a Xilinx e a Texas Instruments, ou processadores da Intel. A tecnologia é frequentemente comprada por empresas em Hong Kong ou na China e reexportada para a Rússia, mostram os dados.

“A invasão da Ucrânia pela Rússia expôs uma crise de governança na UE. A UE tornou-se um facilitador da guerra”, disse Robin Brooks, investigador sénior do Brookings Institution, durante um webinar sobre evasão das sanções russas.

Brooks, que tem monitorizado a eficácia dos controlos de exportação, apontou exemplos como a exportação de carros alemães para o Quirguistão, que aumentou 5.100% desde o início da guerra.

“Não é porque as pessoas em Bishkek decidiram que adoram Mercedes. Estes são carros que vão para a Rússia. Estes bens na maioria das vezes nem chegam ao Quirguistão. O Quirguistão só é colocado na fatura”, afirmou Brooks.

Os dados de exportação mostram que esta tendência ocorre “em todos os países europeus”, disse Brooks.

“Compensa aproximadamente metade da queda nas exportações diretas para a Rússia.”

Estudos revelaram que os militares russos têm explorado estas lacunas para obter tecnologia militar ocidental crítica. Segundo um relatório do Royal United Services Institute, mais de 450 componentes fabricados no exterior foram encontrados em armas russas na Ucrânia.

Os EUA e a UE intensificaram recentemente os seus esforços contra empresas e bancos em países intermediários que comercializam com a Rússia.

Pressão Sobre Bancos e Empresas

Num discurso a líderes empresariais alemães em Berlim, o secretário adjunto do Tesouro dos EUA, Wally Adeyemo, instou as empresas a pararem de importar componentes críticos para a Rússia a partir da China ou via China.

“Os EUA estão a aumentar a pressão sobre os bancos para resolverem o problema da reexportação de bens de dupla utilização a partir ou via China. Sem isso, itens de campo de batalha fluirão para a Rússia sem impedimentos”, afirmou Maria Shagina, investigadora sénior em sanções no International Institute for Strategic Studies.

Contudo, alguns dos países cruciais para os esforços da Rússia em evitar as sanções estão a resistir à pressão ocidental.

Numa recente entrevista ao Financial Times, o presidente do Dubai Multi Commodities Centre, o principal centro comercial do estado petrolífero, disse que as sanções à Rússia não estão a ter impacto fora do Ocidente, e as tentativas de parar o fluxo de negócios apenas o redirecionaram.

“O facto de a economia não ser controlada puramente por um lado do mundo torna estas sanções menos eficazes”, disse Hamad Buamim.

“O comércio continua a fluir, apenas flui de uma maneira diferente.”

A Venda de Petroleiros Gregos

A manutenção das importações para a Rússia e o suporte à economia mais ampla seria impossível sem as receitas substanciais geradas pelos seus recursos energéticos – e aqui, Moscovo tem contado com atores externos dispostos a desafiar a coligação de sanções ocidental.

Em dezembro de 2022, o Reino Unido, juntamente com os países do G7, a Austrália e a União Europeia, implementaram um teto de preço de 60 dólares por barril para restringir as empresas ocidentais de transportar, servir ou intermediar cargas de petróleo bruto russo, com o objetivo de minar o comércio de petróleo da Rússia, que depende fortemente de petroleiros de propriedade e seguros ocidentais.

Para exportar petróleo bruto e ganhar a tão necessária moeda estrangeira, a Rússia recorreu a uma “frota escura” de petroleiros mais antigos com propriedade obscura.

Armadores gregos, que desempenham um papel desproporcional no comércio global de petróleo, intervieram e venderam à Rússia centenas de navios antigos num fenómeno apelidado de “Grande Venda de Petroleiros Gregos”.

De acordo com a publicação comercial TradeWinds, armadores gregos venderam pelo menos 125 petroleiros, no valor de mais de 4 mil milhões de dólares, para reforçar a “frota escura” da Rússia.

Enquanto os líderes do G7 se reúnem em Itália, eles enfrentarão uma série de questões, com o desafio de como melhor apoiar a Ucrânia previsto para estar no topo da agenda. Tal como está, os funcionários ocidentais e analistas concordam em grande parte que o impacto das sanções na Rússia tem sido mais lento do que o esperado.

“Até agora falhámos no objetivo principal, que é tirar a Rússia da Ucrânia”, disse Brooks.

Ele argumentou que a chave para prejudicar Moscovo continua a ser direcionar os seus lucros energéticos. Medidas propostas por Brooks e outros especialistas em sanções incluíam a redução do teto do petróleo para 20 dólares por barril e a proibição da venda de petroleiros ocidentais a compradores não divulgados.

“Se a Europa estiver disposta a tomar medidas decisivas, testemunharemos uma crise financeira na Rússia”, afirmou Brooks.

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