Brasil mantém racismo sistémico herdado do colonialismo e da escravatura, diz ONU

O Brasil mantém práticas de racismo sistémico contra afrodescendentes herdadas do período colonial 202 anos depois da Independência de Portugal e 136 anos depois do fim da escravatura, apontam peritos à agência da ONU para os Direitos Humanos.

“Após 300 anos de escravidão em seu território, o Brasil foi o último país das Américas a abolir essa prática abominável, em 1888 com a “Lei Áurea” (…) O fim desse mercado hediondo e a abolição da escravidão não apagaram por si só as estruturas racialmente discriminatórias criadas por essas práticas”, lê-se no relatório apresentado hoje por peritos na 57.ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos, em Genebra, Suíça.

“O racismo sistémico generalizado está profundamente enraizado nas políticas e práticas atuais [no Brasil], que perpetuam as disparidades raciais na educação, saúde, habitação, emprego e outras áreas. Essa discriminação arraigada existe na polícia e no sistema de justiça criminal, onde preconceito racial, perfilamento racial e estereótipos raciais influenciam a ação e a inação do Estado”, acrescentou.

Formulado pelos juristas Akua Kuenyehia, do Gana, Juan Méndez, da Argentina, e pela ex-polícia e ativista norte-americana Tracie Keesee, após uma visita ao Brasil, realizada de 27 de novembro a 08 de dezembro de 2023, nas cidades de Brasília, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro, o documento contem informações recolhidas após reuniões com autoridades federais e estaduais, incluindo as autoridades policiais, órgãos de controlo interno, agentes penitenciários e promotorias e defensorias públicas, e visitas a dois centros de detenção. Também foram recolhidos mais de uma centena de testemunhos de vítimas e suas famílias.

Os peritos destacaram as suas principais preocupações sobre o racismo estrutural no Brasil e fizeram recomendações para abordá-las, realçando, principalmente, o uso excessivo da força policial contra negros, que leva a milhares de mortes todos os anos e ao seu encarceramento, problema que, combinado com as atuais políticas de combate ao crime, “resulta em um processo de limpeza social que serve para exterminar setores da sociedade considerados indesejáveis, perigosos e criminosos”.

No relatório, os especialistas avaliaram que, num país com um elevado número de pessoas assassinadas pelas forças de segurança (mais de 6.000 por ano) como o Brasil, os afrodescendentes têm até três vezes mais probabilidades de morrer devido a ações policiais.

Essa afirmação está diretamente ligada ao facto de que 82,7% dos assassinatos cometidos pela polícia no Brasil em 2023 foram de afrodescendentes face aos 17% dos cometidos contra pessoas brancas.

Os afrodescendentes, que representam aproximadamente 55% da população brasileira, são ainda desproporcionalmente afetados pela pobreza, desemprego e falta de acesso a uma educação de qualidade.

“A diferença racial na riqueza é evidente, com as famílias negras ganhando significativamente menos do que suas contrapartes brancas”, afirma-se no relatório.

Além de apontar os problemas encontrados, os peritos enumeraram algumas medidas que consideram mínimas e necessárias, para combater o racismo no Brasil.

Entre elas destacam-se a necessidade de estabelecer, por lei, um órgão civil nacional de controlo da força policial, o uso obrigatório de câmeras corporais pelos agentes das polícias e a adoção de uma abordagem baseada em direitos humanos para o policiamento.

Os peritos da ONU recomendaram que o país acabe com as atuais políticas de “guerra às drogas” e “guerra ao crime” e adote uma abordagem baseada nos direitos humanos para essas questões.

Além disso, salientaram que as autoridades precisam garantir a adequada responsabilização em todos os casos de uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes da lei, inclusive responsabilizando superiores e comandantes de operações e o direito das vítimas a reparações, nomeadamente através do estabelecimento por lei de um mecanismo independente especializado centrado nas vítimas para apoiar indivíduos e comunidades afetadas.

Ler Mais