‘Bodycams’ das Forças de Segurança paradas devido a guerra nos tribunais entre MAI e fornecedor

O fornecimento de câmaras portáteis (bodycams) para as forças de segurança portuguesas, a PSP e a GNR, encontra-se suspenso devido a uma disputa judicial entre o Ministério da Administração Interna (MAI) e a empresa Antero Lopes, representante da marca Axon em Portugal. Esta empresa contestou, pela segunda vez, o concurso público relacionado com a plataforma de videovigilância e bodycams das polícias. Embora o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa tenha decidido a favor do MAI, a empresa recorreu da decisão, prolongando a paralisia do processo.

A juíza Cláudia Luísa Costa, que julgou o caso, considerou “totalmente improcedente” a ação interposta pela Antero Lopes, sustentando que “não havia ilegalidades nas especificações técnicas” incluídas no caderno de encargos do concurso. A sentença, emitida a 22 de julho, a que o Público teve acesso, rejeitou as alegações da empresa de que o concurso público favorecia apenas determinados fornecedores. No entanto, a Antero Lopes manteve a sua posição e recorreu da decisão, argumentando que o tribunal não avaliou corretamente os factos.

Processo parado e bodycams adiadas
Apesar de a impugnação não ter efeito suspensivo, o MAI optou por suspender o concurso enquanto aguardava a decisão do tribunal, receando que esta pudesse alterar o desfecho do processo. Com a continuação da disputa judicial, a aquisição das bodycams, prometidas às forças de segurança há mais de um ano, permanece bloqueada. A legislação que permite a utilização destas câmaras pelas autoridades foi aprovada em janeiro de 2023, e a previsão era que, até ao final desse ano, as primeiras 2500 câmaras fossem entregues. Estava ainda previsto que, em 2024, chegassem mais 2500 unidades, com o objetivo final de adquirir 10 mil bodycams até 2026.

O impasse atual resulta de uma sequência de desafios legais colocados por fornecedores ao longo do processo de aquisição. O primeiro concurso público, lançado em abril de 2022, foi impugnado pela Antero Lopes, enquanto a Meo, empresa do grupo Altice, apresentou também uma queixa ao júri do concurso. O segundo concurso, lançado em janeiro de 2023, foi igualmente contestado pela Antero Lopes.

Acusações e defesa no tribunal
A Antero Lopes defende que os requisitos técnicos definidos no concurso público apenas permitem a participação de empresas que utilizam o software da marca Genetec, favorecendo, assim, um único concorrente. A empresa argumenta ainda que, com os critérios exigidos, o concurso para a compra das bodycams poderá ficar sem propostas, uma vez que não está prevista a integração com os modelos de câmaras existentes no mercado.

A empresa sugere, segundo o mesmo jornal, que o MAI deveria separar os concursos, criando um para a plataforma de videovigilância, que armazenaria imagens de câmaras de rua, e outro para as bodycams, permitindo assim uma maior competitividade e garantindo que diferentes equipamentos pudessem ser compatíveis com a plataforma unificada.

Em resposta a estas acusações, o MAI alegou em tribunal que a plataforma Genetec, testada pelo grupo de trabalho responsável pelos requisitos técnicos, provou ser capaz de integrar várias marcas de bodycams. Além disso, o MAI afirmou que, caso necessário, seria possível criar uma interface de programação de aplicações (API) para integrar modelos de bodycams que não sejam automaticamente compatíveis com a plataforma.

Constrangimentos e preocupações com a concorrência
O MAI alertou também para os potenciais problemas operacionais e de manutenção que poderiam surgir caso fossem adquiridos vários softwares de diferentes fabricantes, com a necessidade de constantes atualizações e integrações. A entidade governamental argumentou que a fragmentação do processo traria mais dificuldades às forças de segurança, contrariamente ao que a empresa Antero Lopes defende.

No entanto, a empresa insiste que os critérios do MAI para a aquisição da plataforma unificada irão, inevitavelmente, limitar a concorrência no futuro concurso para as bodycams. Apenas um número restrito de fabricantes poderá apresentar propostas, o que resultará na exclusão de uma grande parte do mercado. A empresa alega que tal situação condicionará as escolhas do MAI, impedindo que a decisão seja tomada com base em critérios de concorrência efetiva, como o preço e a qualidade das propostas.

Antecedentes e promessas por cumprir
O historial da Antero Lopes com as forças de segurança portuguesas não é recente. Em 2017, no âmbito de uma campanha promocional, a empresa ofereceu 257 bodycams à PSP e à GNR, aquando da compra de 257 tasers X2, armas não-letais. Embora os tasers tenham sido adotados pelas forças de segurança, as câmaras continuam sem uso, acumulando pó. Na altura, a lei ainda não permitia a utilização deste tipo de equipamento pelos agentes, e o Governo demorou vários anos a regulamentar a sua utilização, com a lei final sendo publicada apenas em 2023.

Atualmente, o Ministério Público está a conduzir um inquérito sobre este concurso público, após ter recebido uma denúncia anónima. O processo está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (DIAP). Enquanto o caso se desenrola, as forças de segurança continuam à espera das bodycams, cuja implementação já devia estar em curso.

A situação continua num impasse, e as forças de segurança permanecem sem o equipamento prometido, enquanto o MAI prepara-se para responder ao recurso da empresa Antero Lopes.

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