“Assédio no arrendamento”: O abuso de poder dos senhorios sobre os inquilinos explicado por uma advogada

O mercado do arrendamento em Portugal vive um cenário preocupante, com os preços a tornarem-se impeditivos de alcançar uma habitação digna, e com os direitos dos inquilinos muitas vezes a serem negados pelos próprios senhorios.

A Executive Digest falou com Márcia Passos, sócia contratada e coordenadora de Imobiliário da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, e também antiga Deputada da Assembleia da República nas XIV e XV Legislaturas, para conhecer os direitos e deveres dos inquilinos e dos senhorios portugueses.

 

Como analisa o mercado de arrendamento em Portugal?

Temos um mercado de arrendamento altamente prejudicado pelas sucessivas alterações legislativas que têm ocorrido ao longo das últimas décadas, nomeadamente desde 2006 e 2012 até ao momento atual.

O regime do arrendamento urbano é um regime apetecível para a classe política, a qual, infelizmente o usa como bandeira e sem cuidar de fazer um diagnóstico sério de mercado, uma reflexão social, económica e jurídica alargada no sentido de promover alterações estruturais aptas a dar segurança e estabilidade aos senhorios e aos arrendatários e a quem pretende investir em Portugal para este propósito.

O regime jurídico do arrendamento está hoje transformado em “retalhos”, problemas de interpretação de normas e da sua aplicação no tempo, o que cria insegurança quer àqueles que têm contratos de arrendamento em curso, quer a quem pretende colocar no mercado um imóvel para arrendar, seja com fim habitacional, seja com fins não habitacionais.

 

Que leis estão do lado do inquilino em situações de abuso por parte do senhorio?

Existem várias possibilidades. Qualquer incumprimento contratual, seja do senhorio, seja do arrendatário, legitima a parte cumpridora a usar os meios legais no sentido de fazer cessar o contrato de arrendamento ou, no caso do arrendatário, a fazer cessar os comportamentos eventualmente abusivos por parte do senhorio.

Assim, centrando a análise na situação de incumprimento pelo senhorio, das suas obrigações contratuais, o arrendatário pode resolver o contrato de arrendamento recorrendo aos meios judiciais, ou seja, através da apresentação de uma ação em tribunal. É assim, por exemplo, a possibilidade de agir quando o senhorio não faz as obras a que está legalmente obrigado.

Por outro lado, existe também o mecanismo da Injunção em matéria de arrendamento, a qual consiste num procedimento que corre termos no Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS) e que tem como objetivo obrigar o senhorio a deixar de ter comportamentos abusivos relativamente ao arrendatário, tais como comportamentos integradores do conceito de “assédio no arrendamento”, ou seja, qualquer comportamento que perturbe, constranja, ou afete a dignidade do arrendatário, subarrendatário ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado.

Este procedimento deve ser precedido de uma intimação ao senhorio, podendo ter a participação da Município competente quando se trata de proceder à constatação da necessidade de proceder a obras de conservação e manutenção do locado.

 

Como é que os arrendatários podem proceder caso o locador não cumpra suas obrigações contratuais?

Podem intimar o senhorio a cumprir, através do envio de uma comunicação por correio registado com aviso de recção, podendo de pois e caso o senhorio mantenha a situação de incumprimento, apresentar um procedimento de injunção em matéria de arrendamento.

Além disso, podem também os arrendatários recorrer aos meios judiciais para fazer cessar determinados comportamentos do senhorio ou para fazer cessar o contrato por incumprimento deste, requerendo, se aplicável, as respetivas indemnizações pelos danos que o comportamento do senhorio lhes terá causado.

 

Relativamente ao senhorio, que sanções podem ser aplicadas aos olhos da lei?

A relação arrendatícia é uma relação de direito civil, pelo que não é rigoroso, neste aspeto, falarmos de sanções numa perspetiva criminal, as quais serão sempre aplicáveis caso o comportamento das partes, no caso em análise, do senhorio, integre a prática de um ilícito penal, situação em que a consequência será, caso seja condenado, a aplicação de multa ou de pena de prisão.

Porém, numa perspetiva estritamente civil, o senhorio pode ser obrigado a pagar determinadas quantias ao arrendatário a título de sanção pecuniária, quando, uma vez intimado para cessar determinado comportamento, não o faça no prazo legal que tem para o efeito. Essa sanção é de 20 € por cada dia e é elevada em 50 % quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 %.

 

Há situações em que a renda pode ser legalmente aumentada? Quais?

Sim, a renda pode ser aumentada segundo o que for acordado no contrato de arrendamento.

Além disso, nada tendo sido referido a esse propósito no contrato de arrendamento celebrado, o senhorio tem sempre a possibilidade de aumentar anualmente o valor da renda, desde que o aumento não ultrapasse o valor do coeficiente ordinário que é publicado em Diário da República. A título de exemplo, cumpre referir que o coeficiente legal para o ano de 2024 é de 6,94%, conforme dispõe o Aviso n.º 20980-A/2023 – DR n.º 210/2023, 1º Supl, Série II de 30 de outubro de 2023.

 

Como deverá proceder alguém que vê os seus direitos serem negados, como quando não lhe é devolvida a caução, entre outras situações?

O pagamento de uma caução, pelo arrendatário ao senhorio, tem a função de garantir o bom estado de conservação e manutenção do imóvel arrendado no momento da entrega do mesmo ao senhorio, após o decurso do contrato de arrendamento.

Assim, uma vez verificada a conformidade do locado, o senhorio deverá devolver ao arrendatário, o valor recebido a título de caução. Não o fazendo, o arrendatário tem ao seu alcance várias formas de obter a devolução da quantia que lhe é devida, podendo começar por enviar uma carta registada com aviso de receção. Não surtindo efeito, e sem prejuízo de recorrer aos serviços de um jurista qualificado para o efeito, terá ao seu alcance a possibilidade da Notificação Avulsa, a qual se trata de um requerimento que é apresentado no tribunal através do qual o senhorio será notificado para devolver a caução, por contacto pessoal de oficial de justiça ou de agente de execução.

Considerando que, mesmo assim, o senhorio mantenha a caução na sua posse e não a devolva, o arrendatário poderá apresentar um procedimento de injunção, o qual corre termos no Balcão Nacional de Injunções (BNI) ou uma ação declarativa junto do tribunal competente.

 

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