Armas ocidentais já podem atingir a Rússia: especialista militar explica como esta decisão pode ajudar a Ucrânia a vencer a guerra

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, confirmou esta sexta-feira que Portugal apoia que a Ucrânia use armas fornecidas por aliados ocidentais da Nato para atacar alvos em territórios russo.

Após reuniões informais entre ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados-membros da Nato, o representante português revelou que o principal objetivo é motivação destes encontros foi “preparar a cimeira de Washington”, que será “basicamente dominada por uma agenda relacionada com o conflito na Ucrânia, a invasão russa e a forma como os países da NATO podem ajudar Kiev”.

Mais recentemente, a Ucrânia saudou a autorização americana para a utilização de armas ocidentais contra alvos na Rússia, sujeita a condições, considerando que será um reforço significativo para se defender dos ataques russos. “Esta medida reforçará significativamente a nossa capacidade de contrariar as tentativas russas de se massificar em ambos os lados da fronteira”, afirmou Sergei Nykyforov, porta-voz do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, que tem apelado aos aliados para autorizarem a Ucrânia a usar armas contra alvos na Rússia, manifestou-se confiante na utilização responsável do armamento por parte de Kiev. “Todos esperamos que isso seja feito de acordo com o direito internacional e de forma responsável”, disse Stoltenberg em Praga, à entrada para uma reunião dos chefes da diplomacia da NATO: de acordo com o secretário-geral, “a Rússia atacou a Ucrânia e esta tem o direito de se defender, o que inclui também atacar alvos militares ilegítimos dentro da Rússia”.

A Rússia, por seu turno, tem alertado que a utilização de armas ocidentais para atacar o seu território constituirá uma escalada perigosa do conflito.

Esta mudança de posição do Ocidente, em termos militares, o que significa? Para encontrarmos uma resposta, falámos com o tenente-general Marco Serronha para nos enquadrar estas autorizações de Ocidente e o impacto que podem ter no conflito na Ucrânia.

“As ameaças à Ucrânia não são exclusivas dentro do território ocupado. Nas zonas fronteiriças, em Krasnodar, Kursk ou Belgorod – até mesmo no Donbass -, há muitas bases militares que têm sido utilizadas para atacar a Ucrânia. Tem toda a lógica atacar alvos a 20, 30 ou 40 km na Rússia, os sistemas de artilharia, os sistemas de lançamento de foguetes russos, que não são batidos por Kiev com a sua própria artilharia, consegue com outros sistemas, mas são alvos indicados pelos sistemas americanos HIMARS”, começa por explicar o responsável militar.

“Sob o ponto de vista militar, não há qualquer lógica que a Ucrânia esteja com uma mão atada quando tem os sistemas à sua disposição. Há uma panóplia de meios que tem lógica serem utilizados dentro do seu máximo alcance”, refere o antigo 2.º comandante da missão da ONU na República Centro-Africana.

Mas porquê agora?

“Há duas tipologias de países: os europeus e os Estados Unidos. Sabemos que Moscovo, desde o início, associa este conflito com uma contenda com os EUA e sempre foi muito vocal para com os EUA de não utilizar material militar que possa atacar a Rússia. Os europeus são um pouco a mesma coisa, embora sem o mesmo material e equipamentos”, indica o general, salientando que o motivo prende-se “com a situação específica de Kharkiv”.

“Kharkiv deu razão do ponto de vista operacional militar, visto que a Rússia fez as suas bases de ataque à região do seu lado da fronteira baseado nessa premissa de que os principais sistemas ocidentais não os iriam incomodar, só os drones e artilharia ucranianas. Zelensky conseguiu convencer grande parte dos europeus a autorizar e os EUA foram de certo modo pressionados para esta decisão – embora não deixem utilizar os sistemas de longe alcance, os ATACMS, deixam utilizar os HIMARS contra alvos militares identificados de onde partam ataques”, garante.

E qual será a reação russa?

De acordo com o general, é preciso estar atento “às retaliações não nucleares” da Rússia. “A questão nuclear é só uma questão de narrativa russa. Não há uma razão para se usarem armas nucleares numa situação destas, nem no interesse operacional, político ou estratégico. É só ameaça para ir inibindo os decisores políticos ocidentais e criar medo nas opiniões públicas”.

Mas estas autorizações refletem uma mudança de postura do Ocidente, no fundo, mostram menos medo face ao comportamento do Kremlin?

“Os aliados da Ucrânia fizeram uma evolução nesta questão. Há várias fases: nos primeiros 15 dias da guerra, todos a deram como perdida pela Ucrânia. Um mês volvido, e quando Kiev consegue expulsar os russos de certas áreas, abriu-se uma janela de oportunidade para o Ocidente acreditar que era preciso ajudar os ucranianos. A partir de certo ponto, e face ao apoio ocidental, a Rússia optou por uma narrativa do medo, com dois objetivos: por um lado, criar medo, por outro criar a expectativa nas opiniões públicas ocidentais que não vale a pena gastar-se milhares de milhões de euros porque a Rússia, duma forma ou de outra, vai ganhar a guerra”, refere o tenente-general.

“Mas a partir daí, muitos analistas estratégicos começam a alertar que se a Rússia ganhar na Ucrânia ‘estamos feitos’ com os países Bálticos e países vizinhos, porque Moscovo não vai parar por aí. A Rússia tem planos para expandir as fronteiras para as da União Soviética. O Ocidente começou a pensar que se não os pararmos ali, mais cedo ou mais tarde vamos ter de lhes fazer frente dentro da NATO, e aí a coisa é mais complicada. Essa doutrina foi fazendo caminho, muito graças ao presidente francês, Emmanuel Macron.”

Então, quais serão as melhores estratégias em diante para este conflito?

“Mas acho que ainda falta dar um passo: incorporar no ‘mind set’ dos aliados ocidentais uma estratégia mais assertiva que leve à contenção e derrota da Rússia. Vejamos: a Ucrânia não tem hipótese de ganhar a guerra de curta duração (um ano). Por isso é preciso de uma estratégia de longa duração, que não se sabe ser 3, 4 ou 5 anos. A única hipótese da Ucrânia é numa guerra de longa duração, com apoio ocidental. Porquê? Porque precisa de criar uma atrição tal nas forças armadas russas que leve Putin a ter de negociar, mas numa posição de inferioridade.”

“A Rússia só é dissuadida de três maneiras: a Europa com mais equipamento e robustez militar como um todo para fazer face à Rússia, o que não está a acontecer, o apoio dos Estados Unidos ou as forças da linha da frente terem potencial militar imediato [num eventual ataque russo a um país NATO] para nem deixar entrar os russos. E aí Putin sujeita-se a uma guerra que pode perder. Mas não podem ser só os batalhões que estão lá agora, são precisas forças mais robustas, com brigadas e divisões, provavelmente”, aponta.

“Essa estratégia tem de ser gizada e apoiada por um planeamento adequado. Agora, estão os ocidentais preparados para apoiar Kiev durante cinco anos? Essa é que é a questão. Mas, agora, o reverso da medalha está presente: se se perde na Ucrânia, vamos ter uma guerra na Europa que vai ser muito mais cara. A Rússia, se vir que os europeus deixam cair o apoio à Ucrânia, vão pensar que se atacarem os Estados Bálticos, a Europa não vai fazer nada. Até podem fazer, mas com a ameaça nuclear, param imediatamente”, conclui o tenente-general Marco Serronha, garantindo que “a Ucrânia tem condições materiais e objetivas para ganhar a guerra”.

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