Apoio financeiro “enquanto for necessário” não chega: UE deve ‘imitar’ a Coreia do Norte e ‘colocar as botas’ no chão da Ucrânia?
O mantra “enquanto for necessário” tornou-se o grito de guerra da União Europeia no apoio à Ucrânia contra a Rússia: inicialmente, os especialistas previram que Kiev cairia em três dias – já se passaram quase três anos e a Ucrânia ainda resiste, a um custo humano imenso.
A decisão de resistir foi tomada pela população ucraniana: no entanto, as esperanças de que Kiev consiga repelir os invasores estão a desvanecer-se e não há um fim claro à vista. O “enquanto for necessário” para a UE traduz-se, para os ouvidos americanos, em “tantas das vossas vidas quantas pudermos sacrificar”, referiu Vitória Lapa, docente do Instituto de Elaboração de Políticas Europeias da Universidade Bocconi, em Milão, num artigo na plataforma ‘The Conversation’.
Os ucranianos estão cansados, apesar de manterem a linha da frente, mas o Ocidente não comunicou o compromisso de se empenhar plenamente em travar a agressão russa e dissuadir ameaças futuras. Em vez disso, parece centrado numa política de “gestão da desescalada”, o que apenas tem encorajado a Rússia e os seus aliados.
O que é ainda mais preocupante é a ausência de uma estratégia coerente para gerir a Rússia. O que faria a UE no caso de a guerra terminar magicamente amanhã? Existe um plano ou irão os líderes da UE simplesmente oferecer uma redefinição à Rússia?
A UE tem-se destacado na retórica quando se trata da Ucrânia, mas tem sido insuficiente na prestação de apoio militar. Continua relutante em traçar linhas vermelhas firmes para a Rússia como resposta aos ataques em solo europeu ou em adotar uma postura mais assertiva.
De acordo com a especialista, o fornecimento de obuses a Kiev é um exemplo perfeito: a UE prometeu fornecer um milhão de projéteis até março último, mas em janeiro Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, admitiu que a UE só entregaria metade disso a tempo, comprometendo-se a enviar 1,1 milhões de cartuchos até ao final do ano. Para colmatar esta lacuna, o presidente checo, Petr Pavel, propôs uma iniciativa na Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro, com o objetivo de fornecer 800 mil munições à Ucrânia até ao final do ano, adquirindo-as a nível mundial, em vez de apenas junto dos fabricantes da UE. Em agosto de 2024, a UE tinha enviado para a Ucrânia apenas 650 mil munições do milhão prometido.
Esta falha complicou um quadro já de si negro na linha da frente: por cada projétil disparado pela Ucrânia, as forças russas dispararam dez ou mais.
Além disso, a UE tem-se mostrado relutante em tomar medidas decisivas, mesmo em resposta aos ataques russos no seu território. Incidentes recentes, como um acidente de aviação evitado por pouco na Alemanha, atribuído a suspeitas de sabotagem, refletem um aumento preocupante do comportamento agressivo por parte dos sabotadores russos. A única resposta tem sido um quadro de sanções relativamente fraco a aplicar às pessoas envolvidas em tais ataques.
Uma estratégia para o futuro
A UE, defendeu a autora, deve adotar uma abordagem proativa para garantir a paz na Ucrânia, reconhecendo que Moscovo não está atualmente disposta a negociar – mas também nunca negociaria a partir de uma posição de fraqueza.
Uma estratégia clara – incluindo garantias de segurança para a Ucrânia, de preferência através de um caminho para a adesão à NATO – poderia ajudar a exercer pressão sobre a Rússia e facilitar as negociações. É claro que trazer a Ucrânia para a NATO pode demorar anos, mas, entretanto, os países europeus deveriam considerar o envio de tropas para a Ucrânia como uma garantia de segurança para este período provisório.
Esta hipótese já foi defendida no seio europeu: o ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, destacou que “no início do ano, Emmanuel Macron sugeriu colocar botas no chão. No final do ano, a Coreia do Norte tinha efetivamente feito isso. Continuamos em desvantagem, reagindo à escalada em vez de a reverter. As ideias de Macron devem agora ser revistas – mais vale tarde do que nunca”.
É claro que existem acordos entre a Ucrânia e os seus parceiros da UE e do G7, mas nenhum país sugeriu a possibilidade de fornecer, como garantia para a paz, um selo de segurança como “tropas no terreno”. Os países da UE devem considerar isto seriamente. E tendo em conta o que acontecerá após a agressão russa na Ucrânia, a UE precisa pelo menos do início de uma ideia sobre quais seriam os seus termos para a reaproximação com Moscovo – caso contrário, arrisca-se a permitir que a Rússia estabeleça os seus próprios termos.
A situação no terreno é terrível. Embora o Ocidente possua força económica, falta-lhe uma liderança visionária e vontade política. Não deverá permitir que a Rússia assuma a liderança e deverá adotar uma estratégia clara para a vitória da Ucrânia.
Caso contrário, pode-se enfrentar o cenário descrito por Timothy Garton Ash, num artigo no ‘Financial Times’, onde defendeu a adesão ucraniana à NATO. “Considere a alternativa. Uma Ucrânia derrotada, dividida, desmoralizada e despovoada, pulsando de raiva contra o Ocidente e – como Zelensky sugeriu na semana passada – provavelmente à procura de adquirir armas nucleares. Moscovo triunfante. O resto do mundo a concluir que o Ocidente é um tigre de papel. Xi Jinping encorajado a tentar Taiwan. Biden e Harris a ficarem para a história como os líderes que ‘perderam a Ucrânia’.”
Pode-se acrescentar, indicou a especialista: a UE enfrenta a desintegração, regredindo ao seu Estado pré-união. Ursula von der Leyen é recordada como a líder cuja política “enquanto for necessário” resultou num fracasso épico em garantir um futuro mais seguro para a Europa e a Ucrânia. Será que o Ocidente se quer ver desta forma?