Apenas 3% dos inquéritos sobre racismo chegam a acusação: lei dá pouca relevância ao discurso de ódio

O Ministério Público deduziu acusação para julgamento por crimes de ódio apenas 3% de todos os processos abertos nos primeiros seis meses deste ano, avançou esta segunda-feira o jornal ‘Público’: em 2024, foram instaurados 103 inquéritos, mas só três despachos de acusação – dois dos quais dizem respeito a processos de 2023 e um de 2022. No primeiro semestre, fora arquivados 131 inquéritos relativos a este crime.

Desde 2020, foram abertos 895 inquéritos pelo Ministério Público, que resultaram num número de despachos de acusação residual: 17, à média de três por ano, exceto em 2023, quando houve cinco acusações.

Estes números não ‘fogem’ dos dados do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que em 2023 deduziu 24 despachos de acusação para julgamento, num total de 1.142 inquéritos concluídos, apenas 2,1% do total.

Os números colocam em causa a eficácia da lei que prevê o crime de discriminação e incitamento ao ódio e violência, aplicado para quem fundar ou constituir organização ou desenvolver atividades de propaganda que incitem a estas condutas, quem participar nestas organizações ou quem, através de meio de divulgação pública, provoque ou incite a prática de atos de violência, difamação, injúria, ou ameaça a pessoas ou grupos de pessoas, nomeadamente em razão da sua etnia, nacionalidade, religião, género, orientação sexual.

Rui Patrício, advogado do casal de atores brasileiros Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank num julgamento de racismo contra os filhos menores, explicou que o número de arquivamentos está em linha com os números gerais dos processos-crime. “E não tem em si mesmo nada de anormal, porque o inquérito serve precisamente para apurar”, apontou, ao jornal diário. “Não é que a liberdade de expressão não seja um valor essencialíssimo de uma sociedade livre e democrática, mas convém não a absolutizar nem desprezar o seu confronto e equilíbrio com outros valores, bens jurídicos e interesses relevantes”, reforçou.

O advogado referiu ainda que “embora seja matéria que exige estudo profundo, poderá não ser irrelevante um racismo estrutural (em sentido amplo) que existe ainda na sociedade portuguesa, e que muitas vezes se manifesta de modos ínvios, ou até não conscientes ou não percebidos”. Rui Patrício salientou que a lei penal portuguesa “dá ainda pouca relevância ao chamado discurso do ódio em geral e ao racismo em particular”.

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