Merkel adiou adesão da Ucrânia à NATO por receio de Putin e pediu conselhos ao Papa para lidar com Trump, revela livro de memórias
Angela Merkel, antiga chanceler alemã, adiou a candidatura de adesão da Ucrânia à NATO por medo de uma possível retaliação do Kremlin e chegou a pedir conselhos ao Papa Francisco sobre como lidar com Donald Trump.
Isso mesmo consta dos excertos públicos do seu próximo livro de memórias, publicados pelo semanário alemão ‘Die Zeit’, no qual Merkel justificou a sua hesitação em apoiar o Plano de Ação para a Adesão da Ucrânia à NATO numa cimeira importante em Bucareste, em 2008, onde o processo acabou por ser suspenso. O livro de Merkel, intitulado “Freedom: Memórias 1954 – 2021”, será lançado a 26 de novembro.
No seu livro de memórias, Angela Merkel salientou que o desejo da Ucrânia em aderir à NATO deve ser equilibrado com as preocupações de segurança da aliança militar no seu todo. De acordo com a ex-chanceler alemã, era uma “ilusão” que o estatuto de uma adesão pudesse proteger a Ucrânia de Vladimir Putin, ou sequer que fosse um elemento dissuasor – aliás, considerou o presidente russo como sendo alguém “sempre pronto a distribuir punições” e desinteressado em construir “estruturas democráticas”.
Angela Merkel lembrou ainda que, na altura, apenas uma minoria dos ucranianos apoiava a adesão à NATO, antes de concluir que estava “convencida” de que não poderia concordar com a adesão de Kiev à aliança militar. A antiga chanceler recordou que a promessa mais ampla de uma adesão futura, feita na cimeira de 2008, foi uma provocação para Putin – esta foi entendida como “uma declaração de guerra” pelo líder russo, que lhe terá dito noutro contexto: “Não serás chanceler para sempre. E depois eles (Geórgia e Ucrânia) vão tornar-se membros da NATO. E eu quero evitar isso.”
Embora na cimeira de 2008 tenha sido tecnicamente prometida à Ucrânia uma futura adesão à NATO, não foi definido um caminho claro para a sua concretização. Após a invasão pela Rússia, a Ucrânia reiterou o seu pedido de adesão à NATO em setembro de 2022. A aliança afirmou que o caminho de Kiev nesse sentido é irreversível, mas não definiu um calendário para a sua adesão.
Papa Francisco disse “dobra-te, não te quebres” em relação a Trump
No seu livro de memórias, Merkel também revelou como pediu conselhos ao Papa Francisco sobre como gerir as negociações sobre o acordo climático de Paris com Donald Trump depois de este ter sido eleito presidente dos EUA em 2017. A ex-chanceler escreveu que perguntou indiretamente ao Papa Francisco, durante uma audiência privada, sobre qual seria a melhor forma de lidar com Trump, que na altura ameaçava retirar os EUA do acordo. “Dobre, dobre, dobre, mas tenha cuidado para não quebrar”, referiu o Sumo Pontífice. Merkel relatou que gostou da analogia e decidiu usá-la durante uma reunião do G20 em Hamburgo.
Refletindo sobre uma reunião com Trump na Casa Branca em março de 2017, Merkel disse que Trump “avaliou tudo da perspetiva do empresário imobiliário que ele tinha sido antes da política”. Trump falava a um “nível emocional” – enquanto ela se descrevia como “factual” -, parecendo ainda fascinado por Putin e outros líderes autoritários, contou Merkel.
A antiga chanceler alemã referiu ainda que Trump a criticou repetidamente e à Alemanha durante a sua campanha eleitoral e que ignorou os seus pedidos subtis para um segundo aperto de mão em frente aos jornalistas durante a visita à Casa Branca em 2017 – uma viagem que ela tinha planeado “meticulosamente”.
“Uma solução para os problemas levantados não parecia ser o seu objetivo”, apontou Merkel, referindo-se às queixas de Trump de que a Alemanha estaria envolvida em práticas comerciais injustas e gastava muito pouco no setor da defesa.