AlterEgo: Este dispositivo pode “ouvir” os seus pensamentos
O assistente de pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Arnav Kapur, de 24 anos, fez o upload de um vídeo no YouTube. Nele, o estudante aparece a movimentar-se pelo campus em vários ambientes usando um dispositivo no lado direito do rosto.
Enquanto caminha com os lábios cerrados, os seus pensamentos brilham como palavras no ecrã. «Tempo?» Uma voz masculina responde: «10:35.» Na cena seguinte, Kapur está às compras. Os preços dos itens que vai colocando no carrinho de compras — papel higiénico, pêssegos em calda, aparecem na tela. «Total de 10,07 dólares», diz a voz masculina. Na cena final, Kapur move um cursor em torno de uma consola de vídeo, apenas com a sua mente.
Kapur chegou ao MIT Media Lab de Nova Delhi em 2016 para criar dispositivos portáteis que irão substituir os telemóveis.
Inesperadamente, o AlterEgo, dispositivo sem som, tampouco auriculares, em que ele estava a trabalhar nos últimos dois anos tinha-se tornado suficientemente “esperto” para ler os seus pensamentos, de tal forma que já conseguia chamar um Uber sem proferir uma única palavra.
Na sua última fase, o dispositivo de Kapur — desenvolvido em colaboração com o seu irmão Shreyas (também do MIT) é agora um dispositivo vestível, impresso em 3D, equipado com sensores electromagnéticos que abraça um lado do maxilar e que, via Bluetooth, conecta o seu utilizador com o que chamam de “cérebro do computador”.
Outra das particularidade é que não é invasivo — não é necessário proceder a um implante, e pode processar uma comunicação humana silenciosa com um grau de precisão excepcionalmente elevado. Eventualmente, Kapur pretende que a sua invenção se torne praticamente invisível.
Tendo em conta como os smartphones são projectados, acabam por distrair-nos mais do que ajudar. Para consultar o mundo infinito ao nosso alcance, temos que dar aos dispositivos toda a nossa atenção. Os ecrãs exigem contacto visual. O som requer auriculares. Retiram-nos do nosso mundo físico para o deles.
Kapur quer aperfeiçoar um dispositivo que permita aos utilizadores comunicarem com a Inteligência Artificial (AI) com a mesma facilidade com que o lóbulo esquerdo do nosso cérebro comunica com o lado direito, para que os humanos possam integrar o poder da Internet ao seu pensamento a todos os níveis. Uma vez que a tecnologia se torne uma extensão natural do corpo, acredita Kapur, «estaremos livres para nos tornarmos melhores seres humanos».
Ao conceber o AlterEgo, Kapur baseou as suas directrizes de design em alguns princípios fixos. O dispositivo não pode ser invasivo, a interacção com o equipamento tem de parecer natural, além de ser invisível para os outros, e terá de ser capaz de captar sinais silenciosos. O investigador também pretende que o controlo do utilizador seja incorporado ao design, de modo que o dispositivo não detecte pensamentos subconscientes. Ou seja, o AlterEgo só lerá os pensamentos quando o utilizador assim o desejar.
Mas como é que o dispositivo funciona?
Kapur começou a pensar no corpo humano não como uma limitação, mas como um condutor. O estudante via o cérebro como a fonte de energia que conduz uma complexa rede neural eléctrica que controla os nossos pensamentos e movimentos. Quando o cérebro quer, digamos, mover um dedo, envia um impulso eléctrico pelo braço até ao dígito correcto e o músculo responde de acordo. Os sensores podem captar esses sinais eléctricos. Só é preciso saber onde tocar.
Kapur sabia que quando lemos silenciosamente, os nossos músculos articulatórios internos movem-se, formando subconscientemente as palavras que estamos a ver. «Quando se fala em voz alta, o cérebro envia instruções eléctricas para mais de 100 músculos no nosso mecanismo de fala», explica. A vocalização interna é uma versão altamente atenuada desse processo, em que apenas os músculos da fala interna são desencadeados neurologicamente. Desenvolvemos este hábito quando fomos ensinados a ler — somando letras e proferindo cada palavra em voz alta.
Observada pela primeira vez em meados do século XIX, essa sinalização neurológica é a única expressão física conhecida de uma actividade mental.
Kapur questionou-se se os sensores poderiam detectar as manifestações físicas dessa conversa interna — pequenas cargas eléctricas disparadas pelo cérebro — na pele do rosto, mesmo que os músculos envolvidos estivessem localizados na boca e na garganta.
Foram precisos dois anos para que Kapur e os seus colaboradores conseguissem desenvolver o hardware e software do AlterEgo, projectando o dispositivo para que pudesse ser usado com facilidade, refinando os seus sensores, e evitando integrar auriculares no dispositivo, uma vez que Kapur acredita que estes perturbam o comportamento humano normal. Por conseguinte, desenvolveu um sistema de “feedback” auditivo através da condução óssea; o aparelho “sussurra” respostas a perguntas como um “anjo da guarda”.
Até ao momento, o AlterEgo já integra um vocabulário de 100 palavras, incluindo números de 1 a 9, e comandos como add, subtract, reply, call (soma, substracção, responder, chamar).
Kapur, que trabalhou em alguns projectos na Harvard Medical School, está particularmente motivado a usar a tecnologia para ajudar pessoas com deficiências. Os pacientes com Alzheimer, equipados com o dispositivo, poderiam ter uma memória auxiliar, por exemplo.
Agora, para que o AlterEgo se torne realmente funcional, Kapur ainda precisa de programar o dispositivo para que detecte um vocabulário maior. E precisará de dados suficientes para garantir que o dispositivo funcione numa vasta gama de cabeças diferentes.
Num futuro próximo, é seu objectivo que a tecnologia nos ajude a realizar os nossos sonhos. O AlterEgo poderia ensinar-nos a dominar com fluência línguas estrangeiras. Poderá também tornar-se num “lubrificante social”, lembrando-nos dos nomes das pessoas e de outros dados importantes quando os cumprimentamos.