“Alguém tem de ensinar os nossos alunos”: no final do 1º período havia quase 3.200 professores sem formação para dar aulas
Há milhares de professores no sistema de ensino que não têm mestrado em ensino: as escolas públicas, com horários de turmas por preencher, abrem concursos locais e a escassez de candidatos – a prioridade é dada aos professores qualificados com mestrado em ensino – leva a que, desde que tenham uma licenciatura, qualquer tipo de profissão seja aceite para lecionar.
No início do ano letivo, o Ministério da Educação indicou a colocação de 1.268 professores sem formação pedagógica, um número que subiu para quase 3.200 no final do primeiro período. “É um número crescente que resulta de três fatores: o envelhecimento da população docente, sendo em número crescente os que ano após ano se aposentam; o abandono da profissão por parte de jovens professores; e a escolha de outros cursos pelos jovens”, denunciou Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, em declarações à revista ‘Sábado’. “Apesar de haver um pequeno aumento na opção pelos cursos de formação de professores, está muito longe de compensar as saídas.”
É o caso de Hugo Fernandes, de 38 anos, na Escola Básica e Secundária Michel Giacometti, na Quinta do Conde (Sesimbra), que já pensa em desistir no próximo ano letivo. As aulas de matemática para turmas de 7º e 10º anos começaram bem, mas rapidamente chegaram as dificuldades. “Tinha pensado dar explicações para reforçar o orçamento familiar, mas um amigo disse-me que seria mais fácil dar aulas”, contou.
Os professores sem formação são mais requisitados na zona de Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve. “É sobretudo devido ao preço das casas nestas regiões”, explicou Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamento e Escolas Públicas. “Os qualificados não querem ir para estas regiões. Alguém tem de ensinar os nossos alunos, com ou sem formação”, salientou.
A falta de formação pedagógica é uma das principais falhas do sistema, apontaram os responsáveis. “Estes professores sabem o conteúdo, mas não sabem como ensiná-lo. Desconhecem os mecanismos de aprendizagem”, referiu José Morgado, professor na escola de educação do ISP-Instituto Universitário.
“Ensinar uma criança de 11 anos é diferente de uma com 14: a relação com os adultos muda com a idade”, sublinhou o investigador. Mário Nogueira concordou. “Ensinar não é apenas dominar os assuntos que se lecionam. É a pedagogia que prepara para lidar com os alunos, para gerir uma sala de aula, para perceber se estamos a promover, ou não, aprendizagens significativas.”