‘Afinal, quantas pessoas se abstêm em Portugal?’: Estudo da FFMS apura que sobrerrecenseamento eleitoral é o 5.º maior da UE

A Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) lança hoje o policy paper ‘Afinal, quantas pessoas se abstêm em Portugal?’, que estuda e avalia a magnitude e as causas da abstenção técnica, dando propostas concretas para combater este fenómeno.

A investigação foi conduzida por João Cancela (Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa), José Santana Pereira e João Bernardo Narciso (ambos do ISCTE), e recorreu a dados relativos ao número de eleitores recenseados e ao número de cidadãos portugueses com idade igual ou superior a 18 anos, focando-se no sobrerrecenseamento eleitoral em território nacional, que atinge uma das taxas mais elevadas da Europa, apuraram os investigadores.

A abstenção técnica é a parte da taxa oficial de abstenção, calculada após cada eleição, que não é causada pela abstenção real (resultante do facto de alguns cidadãos terem optado por não exercer o direito de voto), mas antes pela existência de sobrerrecenseamento eleitoral.

E do que se trata o sobrerrecenseamento eleitoral? É o desvio entre o número de eleitores recenseados e o total de cidadãos com direito de voto. Se existir, a taxa de abstenção oficial será mais alta do que a taxa de abstenção real, o que poderá ter impactos no discurso público e na correta perceção do problema.

O objetivo da investigação é assim, indica a FFMS em comunicado, contribuir para aumentar uma discussão mais rigorosa sobre os números da abstenção eleitoral em Portugal”, considerando fundamental que eventuais medidas que procurem incentivar a participação eleitoral tenham em consideração a real dimensão do problema, uma vez que só será possível reduzir os níveis de abstenção eficazmente se este fenómeno for medido e analisado com rigor

O policy paper apurou que, em 2021, o sobrerrecenseamento eleitoral em Portugal foi de 11,4%, que corresponde a cerca de um milhão de eleitores, um desvio que, segundo os autores, é hoje maior do que no início do século XXI. Portugal aparece no quinto lugar entre os 27 estados-membros da União Europeia, neste indicador, próximo da Roménia, Letónia, Grécia e Bulgária.

Olhando a diferenças dentro do País, o sobrerrecenseamento eleitoral é mais elevado (em proporção da população) no interior norte e nas freguesias rurais do país, mas os principais contribuintes, em termos absolutos, para o valor global nacional são os distritos mais populosos, situados no litoral do território português, nomeadamente Lisboa, Porto, Braga e Setúbal

Caso a participação eleitoral fosse apurada tendo em conta a estimativa de adultos portugueses residentes em Portugal, e não o número de eleitores nacionais recenseados, nas eleições legislativas de 2022 a abstenção no território nacional teria rondado os 35%, sete pontos percentuais abaixo dos 42% oficialmente registados

Quais as causas?
A investigação da FFMS apurou, em primeiro lugar como causa, o contributo de alguma sub-representação nas estimativas da população residente pelos Censos, dando nota de que, mesmo que esta operação cobrisse 100% da população, o sobrerrecenseamento eleitoral seria, ainda assim, de 790 mil eleitores (8,5%).

“Com efeito, a principal causa do sobrerrecenseamento é o facto de permanecerem inscritos para votar, em Portugal, eleitores que residem regularmente no estrangeiro e que, portanto, poderiam estar inscritos nos círculos da emigração, isto é, num consulado do país onde residem. A manutenção nos cadernos eleitorais nacionais destes cidadãos emigrantes, que em poucos casos poderão deslocar-se a Portugal para votar, acaba por empolar a taxa de abstenção. A investigação demonstrou ainda não existirem indícios de que inscrições duplicadas ou a conservação de eleitores já falecidos nos registos (os chamados “eleitores-fantasma”) sejam fatores que contribuam para o sobrerrecenseamento eleitoral”, indica a fundação em comunicado.

Os autores fazem ainda várias propostas para mitigar o problema e os seus potenciais impactos, das quais se destacam:

• Tornar o recenseamento no estrangeiro mais flexível e apelativo, o que pode passar, por exemplo, pelo aumento do número de deputados que são eleitos nos dois círculos eleitorais no estrangeiro (Europa e fora da Europa), ou pela fusão destes dois círculos eleitorais – uma proposta menos disruptiva. Além disso, propõe-se facultar a possibilidade de os cidadãos que têm a sua morada civil em território nacional poderem votar nos círculos eleitorais no estrangeiro;
• Facilitar o voto à distância no estrangeiro, com extensão do voto antecipado em mobilidade à rede de embaixadas e consulados no estrangeiro;
• Promover uma maior troca de informações entre países europeus: o desfasamento nas contagens é particularmente relevante na União Europeia, onde a livre circulação de pessoas torna mais difícil manter cálculos realistas;
• Disponibilizar, de forma aberta, dados desagregados sobre o recenseamento, que permitam obter mais informação sobre a participação eleitoral dos portugueses;
• Apesar de um recenseamento mais fino e controlado (através, por exemplo, da integração e cruzamento das diversas fontes de dados da Administração Pública) poder diminuir a diferença entre os números de ambos os recenseamentos – o eleitoral e o da população – os autores não o recomendam, pois poderia restringir o direito de voto de alguns cidadãos que, por questões administrativas, deixariam de ser recenseados automaticamente. No que respeita à participação eleitoral, é sempre preferível o sobrerrecenseamento ao sub-recenseamento, uma vez que o sobrerrecenseamento não impede ninguém com direito a votar de fazê-lo.

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