“Acredito que a presença de mulheres em cargos de liderança traz diversas vantagens para as empresas”, afirma a Diretora Executiva da APDC
Num mundo onde a igualdade de género é cada vez mais valorizada, as mulheres estão a assumir posições de liderança em empresas de todos os setores e geografias do mundo.
Em entrevista à Executive Digest, a Diretora Executiva da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), Sandra Fazenda de Almeida, falou sobre o papel das mulheres no setor das comunicações e destacou os segredos para a liderança.
Como vê o papel das mulheres na indústria das comunicações em Portugal e quais são os principais desafios que ainda enfrentam?
Num setor fundamental para o desenvolvimento económico e social como é o das TIC, o papel das mulheres, tal como dos homens, é essencial para o seu desenvolvimento sustentável.
Elas trazem diversidade, novas perspetivas, mais empatia, criatividade e inovação. E gostava de concretizar um pouco mais este raciocínio: as mulheres têm frequentemente perspetivas únicas e diferentes abordagens para resolver problemas, o que enriquece a tomada de decisões e promove a inovação. De igual forma, por regra, somos boas comunicadoras e empáticas e, por isso, somos líderes que promovemos uma cultura de escuta ativa e compreensão mútua.
O tema do equilíbrio entre vida profissional e pessoal é associado mais facilmente às mulheres também e, como tal, há uma maior predisposição para promovermos políticas de trabalho remoto, licença parental e flexibilidade de horários.
Mas, a verdade é que nos últimos anos se tem vindo a registar uma maior presença feminina no setor das TIC e começa a ser desmistificada a ideia de que uma carreira nestas áreas é só para homens.
Claro que há ainda muito a fazer e há que intensificar os esforços nesse sentido e todas as iniciativas são mais do que bem-vindas para se conseguir alcançar uma verdadeira igualdade e representatividade. Este é um problema que afeta todos os setores, em maior ou menor dimensão.
Afinal, as mulheres representam metade da população mundial e dados os problemas de igualdade de género, o nosso potencial está longe de ser aproveitado.
Os dados mais recentes do Eurostat mostram que, em 2022, os especialistas em TIC representavam 4,6% da força de trabalho da UE, com um crescimento de quase 58% em 10 anos. No entanto, a percentagem de mulheres no setor desceu para 18,9%, face aos 19,1% de um ano antes e quebrando-se a tendência ascendente registada desde 2014. O que representa, efetivamente, um sinal de alerta. Refiro ainda que os indicadores mostram também que Portugal estava acima da média europeia de 18,9% de mulheres no setor, com 20,4%.
Quais foram os maiores obstáculos que enfrentou como mulher na sua carreira e como os superou?
Como mulher, enfrentei alguns obstáculos e posso partilhar como os superei. Vou focar naquilo que mais me marcou: que está relacionado com minha boa disposição e forma alegre de estar na vida e no trabalho.
Há um preconceito de que os líderes devem ser sérios e sisudos para serem respeitados. Eu também me deparei com essa expectativa, mas, em vez de tentar encaixar-me nesse estereótipo, apostei na minha autenticidade. Ao longo da minha carreira profissional de mais de 30 anos, todos os meus colegas devem lembrar-se do meu riso. É explosivo e algo ruidoso… e, por isso, em vez de controlar o riso, procurei demonstrar que é possível ser uma líder eficaz e manter uma atitude positiva. Afinal, a liderança não se resume apenas à aparência, mas também à capacidade de inspirar e motivar.
Fui proativa em demonstrar o meu conhecimento e competência, participando ativamente nas discussões, partilhando as minhas ideias e apresentando resultados tangíveis. Com o tempo, as pessoas começaram a reconhecer a minha competência.
Também acredito que, encontrar o equilíbrio entre ser firme e empático, é desafiador. Algumas pessoas podem interpretar a empatia como fraqueza, mas, aprendi a ser assertiva sem perder a empatia. Procuro comunicar de forma clara e direta, mas também oiço e calço os sapatos dos outros. Isso construiu a confiança e o respeito profissional.
Por último, acho fundamental termos uma rede de apoio. Eu procuro e nutro uma rede de mulheres, mulheres que me inspiram, mulheres que me ajudam, que têm problemas semelhantes, que me fazem pensar em temas novos e, acima de tudo, que me ajudam a ser melhor pessoa.
Na sua opinião, quais são as oportunidades e vantagens específicas que as mulheres trazem para o setor das comunicações e tecnologia?
Tal como referi anteriormente, o reforço do papel das mulheres nas TIC permitirá criar novos e diferentes pontos de vista e trazer novas experiências e uma diversidade crescente, promovendo até uma nova cultura organizacional, assim como principais essenciais, como a inclusão e a igualdade. As mulheres têm também, em regra, fortes capacidades de comunicação, colaboração e trabalho em equipa. Assim como grande capacidade de resolução de problemas e pensamento critico.
Assim, o reforço da sua presença nas empresas de tecnologias de informação e comunicação permitirá não só reforçar a pool de talento do setor, como poderá trazer um aumento da competitividade das organizações e do país.
Acredito que quanto mais as empresas apostarem na diversidade, com equipas multidisciplinares, mais poderão apostar na inovação e garantir o seu sucesso num mercado que está cada vez mais concorrencial e exigente, não só em termos internacionais como europeus e globais.
Quais são as iniciativas que a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações está a implementar para promover a igualdade de género e apoiar o avanço das mulheres na indústria?
Na APDC, a promoção da igualdade de género e o apoio ao reforço da presença das mulheres nas TIC foram desde sempre uma aposta. A nossa equipa é maioritariamente feminina e por isso, esse tema é-nos muito querido. Trabalhando em prol de um setor que procura atrair e reter mulheres, sentimos que essa é também parte da missão da APDC.
Aderimos em dezembro último à Aliança para a Igualdade das TIC, que tem exatamente esses objetivos.
Acreditamos que a transição digital impõe, necessariamente, o aumento da participação feminina e que é preciso reforçar as iniciativas e medidas para trazer mais mulheres para as tecnologias. Destaco, no âmbito desta Aliança, o projeto que lhe deu origem, o Programa “Engenheiras Por Um Dia”, que se assume como o maior cluster para a promoção da igualdade nas TIC, com iniciativas para o aumento da participação de mulheres no setor.
Sou também Embaixadora em Portugal do STEM Women Congress que visa reduzir o gap de género nas carreiras de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, envolvendo instituições, universidades e organizações do setor público e privado.
Participo igualmente como mentora da C-Level Mentorship Academy da Ponto Zero. Trata-se de uma iniciativa inspiradora, que visa reduzir a lacuna de liderança entre mulheres e homens, conectando jovens profissionais ambiciosas com líderes.
Nas atividades da APDC, também temos desenvolvido em várias frentes a promoção do reforço da participação nas mulheres. Por exemplo, em termos de formação de talento, temos apostado numa discriminação positiva a favor das mulheres, no âmbito do Programa UPskill, que aposta na qualificação de pessoas nas TIC para empresas e postos de trabalho identificados previamente. E ao nível dos Certificados Digitais Google, formações online gratuitas em várias áreas tecnológicas.
Destaco ainda o esforço desenvolvido em todos os nossos eventos, realizados ao longo de cada ano, no sentido de poder contar com mulheres oradoras para os vários temas que vamos debatendo. No âmbito do nosso Digital Business Congress, o nosso grande evento anual, que marca a agenda nacional do digital, temos nas últimas edições lançado no Dia da Mulher uma campanha específica para reforçar a participação das mulheres, que chamamos de ‘Women4Tech’, com a oferta de entradas gratuitas no nosso evento de dois dias.
Como é que a tecnologia está a impactar a participação das mulheres na indústria das comunicações em Portugal e quais são as oportunidades e desafios que isso traz?
A tecnologia já faz parte do dia a dia de todas as pessoas, seja em termos pessoais ou profissionais. Ninguém consegue já viver sem os dispositivos ligados permanentemente à internet, Os dados mais recentes do Eurostat sobre as competências digitais na Europa mostram, no entanto, que também aqui há trabalho a fazer. No ano passado, só 55% das pessoas na UE com idades entre 16 e 74 anos tinham, pelo menos, competências digitais gerais básicas. Sendo que persistiam grandes disparidades ana UE27: entre um máximo de 83% nos Países Baixos e 28% na Roménia. Uma das conclusões é que o nível de educação formal tem impacto nos níveis de competências digitais. Outra, é que os excluídos digitais se situam sobretudo nas faixas etárias mais velhas. No caso das mulheres, é especialmente significativo: 71% das mulheres entre os 25 e os 34 anos tinham, pelo menos, competências digitais básicas; mas apenas 25% das mulheres com idades compreendidas entre os 65 e os 74 anos tinham essas competências. O que mostra que a educação e a formação ao longo da vida são essenciais para a aquisição de competências digitais. No mundo interligado em que vivemos, só assim poderemos navegar eficazmente no digital, aceder à informação e participar na economia global. Não é por acaso que Bruxelas tem como meta, até 2030, ter pelo menos 80% da população, no mínimo, competências digitais básicas. Aliás, estima-se que mais de 90% das funções profissionais exigem, já hoje, um nível básico de conhecimentos digitais.
Quais são as habilidades e competências que considera mais importantes para o sucesso das mulheres na liderança na indústria das comunicações e tecnologia?
Existem já muitos exemplos de mulheres na liderança de empresas TIC, quer no nosso país, quer lá fora. São casos de sucesso que mostram que as mulheres têm a mesma capacidade de liderança que os homens e que podem e devem desempenhar um papel fundamental no futuro do setor. Acredito que a presença de mulheres em cargos de liderança traz diversas vantagens para as empresas. Por isso, é crucial continuar a promover a igualdade de género. E inspirar mais mulheres a seguir as suas carreiras no setor, mostrando os exemplos de líderes femininas de sucesso. Temos de continuar a promover um ciclo virtuoso de mudança. A história mostra que, apesar de poucas, tem havido mulheres que desempenharam um lugar fundamental no mundo da tecnologia. É só replicar estes casos e multiplicá-los.