Abusos sexuais na Igreja: Conferência Episcopal pede “perdão a todas as vítimas” e diz que não há tolerância “para abusos nem abusadores”

D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), falou esta segunda-feira sobre o relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que apresentou hoje os resultados do estudo feito destes crimes.

“Motivou-nos a certeza comum de que menores e pessoas frágeis têm de sentir proteção nos espaços da Igreja, como nos pede o Papa Francisco”, disse o bispo de Leiria-Fátima, acompanhado dos membros do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, explicando o porquê da criação da Comissão.

O responsável destacou a conclusão “desta importante etapa” que permitiu “conhecer de forma mais sistematizada “esta dura e trágica realidade”. “Houve e há vítimas de abuso sexual provocado por clérigos e outros agentes pastorais no âmbito da vida e das atividades da Igreja em Portugal”, lamentou o bispo.

D. José Ornelas destacou a recolha do testemunho de 512 vítimas diretas, sendo que se estimam um total de 4815 vítimas menores de abusos sexuais por membros da Igreja desde 1915 até ao presente.

“Este relatório, assinala ainda bem as consequências destes crimes, que poderão estar na origem de dramas e sofrimentos incomensuráveis que marcaram vidas inteiras”, considerou, dizendo que os casos constituem uma “ferida aberta que dói e nos envergonha”.

“Pedimos perdão a todas as vítimas”, declarou agradecendo testemunhos, e deixando uma palavra “às que ainda vivem com a dor”. “O vosso testemunho é para nos um alerta e um pedido de ajuda, a que não podemos ficar surdos. Temos consciência de que nada pode reparar o sofrimento e humilhação, provocados a vós e vossas famílias”, assumiu o bispo.

“Estamos disponíveis para acolher e acompanhar, na recuperação das feridas que vos foram causadas, e na recuperação da dignidade. Os abusos de menores são crimes hediondos, e quem os comete tem que assumir as consequências dos seus atos e as responsabilidades, civis, criminais e morais dai decorrentes. É preciso que reconheçam a verdade sem nada esconder, se arrependam sinceramente e peçam perdão a Deus e às vítimas, e que procurem uma mudança radical de vida, com ajuda de pessoas competentes, na certeza de que o caminho da justiça encontrará sempre lugar no coração bondoso e misericordioso de Deus”, afirmou Ornelas.

Referindo que o relatório permitiu apurar um número muito maior de vitimas do que o que a Igreja até hoje tinha feito, o responsável sustentou: “Pedimos desculpa, por não termos sabido criar formas eficazes de escuta e escrutínio interno, e por nem termos sabido gerir as situações de forma firme”.

A Conferência Episcopal Portuguesa está agora a procurar “encontrar um mecanismo mais adequado para fomentar maior prevenção e resolver eventuais casos com celeridade e respeito”.

Dom José Ornelas defende que a “tolerância zero para os casos de abusos tem de ser uma realidade em toda a Igreja”. “Não toleraremos abusos nem abusadores”, disse, informando que já está marcada Assembleia-Geral extraordinária da CEP, para 3 de março exclusivamente para debater o tema, nomeadamente as recomendações que a Comissão Independente faz à Igreja.

“Nessa altura será possível apontar medidas a desenvolver”, garantiu, prometendo uma estratégia para o futuro que “procure impedir a repetição de quaisquer tipos de abusos”.

“A Comissão Independente termina o seu trabalho, mas é preciso que continuemos a dar voz ao silêncio dos mais frágeis”, sustentou, pedindo mais “transparência na Igreja e em toda a sociedade, em nome da segurança das crianças e adolescentes”

Admitindo ainda não conhecer os nomes dos abusadores, D. José Ornelas sustenta que há protocolos a seguir para eventualmente afastar os envolvidos. “Se há denuncia o bispo faz investigação sumária para verificar a plausibilidade e depois não é o bispo que age, é a Santa sé que tem mecanismos próprios, de lá vem a solução”, disse, sustentando que os mesmos dados serão enviados ao Ministério Público e “do ponto de vista civil serão tratados convenientemente”, não querendo referir casos específicos já que “cada caso é um caso”.

Para os bispos que ocultaram as denúncias, as sanções também estão previstas pela Igreja, sustenta a CEP. “O que vale para abusadores vale para todos, segundo as normas do direito canónico, a quem quer que tenha ido contra o previsto”, disse, no entanto apontando que 77% das pessoas que denunciaram casos à Comissão não os comunicaram às entidades diocesanas.

D. José Ornelas referiu que o custo da Comissão e do Relatório ficou pelos “200 mil euros”. “Não faltámos com o que é necessário, tudo o que foi pedido foi disponibilizado”, garantiu, dizendo que “nestas coisas vale bem a pena gastar uns tostões”, afirmou.

Sobre a criação de uma nova Comissão para continuar a acompanhar estes casos, como sugerido, Ornelas admitiu: “Temos feito um caminho colegial no seio da CEP, estas coisas vão ser certamente analisadas, temos várias perspetivas que estamos a estudar. Uma coisa é certa, temos comissões diocesanas no terreno, e a coordenação nacional destas comissões”.

“A Comissão não se esgota aqui, não se esgotam os resultados, mas tem que ter sequências”, disse, apontando que um dos caminhos será a Igreja trabalhar em parceria com outras instituições.

O bispo de Leiria-Fátima reagiu às declarações de um membro da Comissão, que apontou que os líderes da Igreja estarão mais alheados do problema. “Não me sinto alheado, mas sinto que algumas coisas não chegaram e deviam ter chegado”, sustentou, apontando que a ocultação começava “muitas vezes nas próximas vítimas e nos entraves pessoais”. “Casos destes têm de ser comunicados a quem toma decisões sobre eles . Isso está previsto nas normas da Igreja”, disse.

D. José Ornelas apontou que uma das soluções a aplicar será a introdução de mudanças na formação dos envolvidos nas atividades da Igreja não apenas padres e bispos, mas também catequistas e outros membros das paróquias.

Novamente questionado diretamente sobre se admite a expulsão de padres abusadores, D. José Ornelas respondeu e remeteu para o Papa Francisco: “Abusadores de menores não podem ter cargos do ministério, é muito claro. Desde que seja provado que é abusador. Temos o MP, e por parte da igreja temos os recursos canónicos”, disse sobre como será feito o eventual afastamento destes prelados.

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