“A regulamentação do teletrabalho vai precisar de ser ‘refinada’”, admite a advogada Marta Silva
As relações de trabalho estão a passar por transformações profundas, especialmente com a ascensão da economia digital e do teletrabalho. Em entrevista à Executive Digest, Marta Silva, Associada Sénior da Cerejeira Namora, Marinho Falcão, partilha a sua perspetiva sobre como as novas realidades laborais exigem uma atualização constante das leis e uma abordagem ativa por parte dos advogados.
A advogada sublinha a importância de proteger os direitos dos trabalhadores enquanto se adapta à flexibilidade exigida por estas novas formas de trabalho, discute como o Direito Laboral pode promover ambientes de trabalho mais inclusivos e justos, e sublinha a importância de refinar a regulamentação do teletrabalho.
Quais pensa que são os maiores desafios que os profissionais de Direito Laboral enfrentam atualmente, especialmente num panorama de rápidas mudanças nas relações de trabalho?
O maior desafio que enfrentamos hoje é conseguir adaptar o quadro legal às cada vez mais aceleradas e presentes transformações nas várias formas de trabalho.
A proliferação do teletrabalho e da prestação de trabalho em regime híbrido, a flexibilidade que a economia digital trouxe e o surgimento de novos modelos laborais, como o trabalho em plataformas digitais, geram uma necessidade constante de atualização legislativa e de interpretação jurídica.
A legislação “tradicional” não cobre suficiente e adequadamente estas novas realidades, exigindo que nós, advogados, tenhamos de ter um papel proactivo no auxílio dos nossos clientes (empresas e trabalhadores), a residir neste panorama em rápida mudança, ao mesmo tempo que garantimos a proteção dos direitos laborais fundamentais.
Além disso, a conciliação entre a inovação tecnológica e a salvaguarda de condições justas de trabalho será um desafio central para os juslaboralistas nos próximos anos, já se sentindo essa dificuldade no presente.
Como vê a evolução do Direito Laboral nos próximos anos, especialmente no contexto das novas formas de trabalho, como o teletrabalho e a economia digital?
Nos próximos anos, a evolução do Direito Laboral será profundamente moldada pelas novas formas de trabalho e pela economia digital. A regulamentação do teletrabalho, que já começou a ganhar forma, vai precisar de ser “refinada”, à medida que este modelo se torne uma norma para muitos sectores. Sendo, no presente, até extraordinário o caminho regressivo que vamos vendo alguns sectores de actividade fazer quanto à prática do teletrabalho, o que não deixa de ser intrigante e até um indício de que há novas formas de trabalho que podem afinal não ter vindo para ficar, como seria expectável.
Ainda assim, acredito que vamos continuar a sentir a necessidade de conciliar o direito à desconexão com a flexibilidade que os trabalhadores e as empresas procuram, além de abordar questões como a privacidade digital e o controlo de produtividade.
No caso do trabalho em plataformas digitais, a questão da qualificação da natureza do vínculo desses trabalhadores — se como trabalhadores subordinados/dependentes ou como prestadores de serviços/trabalhadores independentes — será central, e a muito recente “gig economy” só virá perturbar mais esta matéria. Antecipo um futuro em que o Direito Laboral terá de ser cada vez mais dinâmico, respondendo rapidamente às inovações tecnológicas e aos novos desafios da economia global, pois só assim é que conseguiremos sobreviver num mercado em mutação, globalizado e exposto ao imediatismo.
Na sua experiência, qual a importância de uma liderança eficaz numa equipa de advogados numa área em crescimento como o Direito Laboral? Que qualidades considera essenciais?
A liderança tem de ser firme, mas humana, rigorosa, mas com bom senso. As qualidades fundamentais de um líder são a capacidade de comunicar de forma clara, estabelecer expectativas precisas e incentivar o crescimento dos membros da equipa. Liderar pelo exemplo, tanto na capacidade técnica como na postura ética, é igualmente crucial. Trabalhando ao lado do Pedro Condês Tomaz e sob a liderança do Nuno Cerejeira Namora, posso testemunhar o impacto positivo de uma liderança que é simultaneamente técnica e humana. São verdadeiros líderes e não só dominam a parte técnica do Direito Laboral, como também criam um ambiente de trabalho empático, onde cada elemento da equipa se sente valorizado e motivado a contribuir.
O Nuno Cerejeira Namora é um líder carismático: empolga as pessoas a segui-lo, pela motivação; o Pedro Condês Tomaz é um líder natural: nunca tem de exercer a autoridade – conquista pelo exemplo. Assim torna-se mais fácil termos uma equipa vencedora.
A diversidade e inclusão são temas cada vez mais discutidos no ambiente de trabalho. Como acredita que o Direito Laboral pode contribuir para promover ambientes mais inclusivos e justos?
O Direito Laboral tem um papel determinante na promoção de ambientes de trabalho inclusivos e justos. A legislação laboral pode, e deve, assegurar a igualdade de oportunidades para todos os trabalhadores, independentemente do género, etnia, religião, idade ou qualquer outra característica pessoal. Por exemplo, o regime da igualdade salarial entre homens e mulheres, a proibição da discriminação em processos de recrutamento e promoção, e a criação de políticas de conciliação entre vida profissional e pessoal são áreas nas quais o Direito Laboral pode fazer uma diferença significativa. Mais do que legislar, é importante também que o Direito Laboral incentive a criação de práticas e políticas empresariais inclusivas. Ajudar as empresas a os seus recursos humanos de forma a promover a diversidade, evitando discriminações e criando condições de trabalho justas, é um passo crucial para a construção de um ambiente de trabalho moderno e sustentável.
Com o aumento da automação e da inteligência artificial em várias áreas, inclusive no setor jurídico, como vê o impacto destas tecnologias na prática de Direito Laboral?
A automação e a inteligência artificial já estão a mudar a forma como exercemos o Direito, e o impacto dessas tecnologias na prática do Direito Laboral será inevitável. Não são o futuro: são o presente.
Vejo estas tecnologias como uma oportunidade, mais do que uma ameaça. A automação pode, desde logo, ajudar a simplificar processos repetitivos, como a análise de documentos, a pesquisa de jurisprudência e a elaboração de relatórios. Isso permite-nos, a nós enquanto advogados, concentrarmo-nos em aspectos mais complexos e estratégicos, onde a análise humana continua a ser indispensável.
No entanto, é essencial que a ética e a supervisão humana estejam sempre presentes, particularmente no Direito Laboral, onde estamos a lidar directamente com os direitos, com o bem-estar, e, principalmente, com a vida dos trabalhadores. Ora, a inteligência artificial deve ser utilizada como uma ferramenta complementar, sem nunca substituir o discernimento jurídico e a capacidade de empatia, que são fundamentais na nossa prática diária, com especial ênfase em quem trabalha no mundo juslaboralista. Será sempre um equilíbrio delicado entre eficiência tecnológica e sensibilidade humana, mas acredito que o futuro da prática do Direito Laboral será potenciado, não substituído, pela inteligência artificial.