A Quinta que começou a produzir vinhos “sem querer”
É estreita, a estrada até ao portão principal. São assim, as estradas nas pequenas e múltiplas aldeias de Alenquer. Mas a que nos leva até à Quinta do Monte d’Oiro, na Ventosa, parece que alarga no momento em que o portão se abre para um vale e encosta pintados a vinhas.
A quinta foi, no final do séc. XIV, propriedade do visconde de Chanceleiros – ministro do Reino e, à época, viticultor. Passaria por várias mãos e donos até que José Bento dos Santos, na altura a trabalhar em trade e na indústria de metais percebeu que a melhor commodity a comprar seria… terra. Assim o pensou e assim o fez. Ele, que chegou a ser conhecido como “O” gastrónomo português, garante que nunca pensou em voltar-se para a vinha e o vinho. Era terra, apenas. E assim foi, por pouco tempo.
Hoje, quando se chega à quinta, é mais que visível a orientação. São 30 hectares de vinha, no total, que se alimentam de uma multiplicidade de castas, e que agora têm Francisco, o filho, a comandar a gestão. De resto, é Francisco que nos recebe, sorriso largo, conversa fácil, memórias em fila, e nos apresenta as diferentes parcelas. A primeira a ser plantada após a compra, em 1980, seria a Vinha da Nora, nem mais que a que como que tem lugar de destaque no mapa: logo à entrada da Quinta do Monte d’Oiro, de frente para todo o vale e encosta que se seguem. «Na altura, não havia ideia ainda de que ali se haveria de produzir vinho», confirma, enquanto conta que os primeiros tempos foram entregues a estudos, plantio, análise e decisões. «Mesmo sete anos mais tarde, ainda não nos passava pela cabeça fazer vinhos. A partir de 90 começámos a estudar o solo e o clima para plantar a Vinha da Nora em 1992, com a primeira colheita a acontecer apenas em 1997 e a sair para o mercado só em 2000.» Seria dessa primeira vinha que sairia também o primeiro Monte D’Oiro Reserva tinto, que tal sucesso inicial teve – «inesperado», comenta Francisco – que levou a que o pequeno hobby ou “experiência” ganhasse outras formas e dimensões. «Alguma coisa haveria de estar certa nos estudos, e a nossa forma de fazer ‘by the book’ teria dado resultados», continua. Mas, mal sabiam, então, toda a mudança que este vinho haveria de trazer. À Quinta e às suas vidas. De resto, nos anos seguintes, os hectares apenas se multiplicaram até chegar aos 30 actuais. Sempre, num trabalho de aprimoramento, como a conversão para o modo biológico que já se iniciou há uns anos, plantando umas castas, testando algumas, arrancando outras, percebendo as que melhor se adaptavam ou cometendo e avaliando erros, como com a Touriga Franca.
Pelo meio, José Bento dos Santos foi levando sempre os seus vinhos ao Mundo. Como gastrónomo que é, conhece de perto críticos e chefs, cozinhas e hotéis. E assumiu a “embaixada”, com gosto. Até Robert Parker, um dos mais considerados críticos internacionais de vinho, atribuir boas classificações nas avaliações publicadas na Wine Advocate, com as produções de Monte d’Oiro a passarem a constar da carta de restaurantes de Alain Ducasse ou de Gordon Ramsay.
Bom vinho com as castas adequadas
Numa manhã que haveria de fechar com almoço trazido de Lisboa por José Bento dos Santos – e feito pelo próprio – Francisco vai-nos continuando a mostrar as diferentes parcelas, a adega, a sala de barricas. Ele, engenheiro de formação, e que também jamais supôs vir a conduzir os destinos de uma quinta e entregar-se de alma à produção de vinhos.
Conta que as castas “clássicas” da casa são a Syrah para os tintos e o Viognier para os brancos, a que acrescentam Marsanne e o Arinto, assim como a Tinta Roriz, Touriga Nacional, Petit Verdot e Caberrnet Franca. E por que é que não alinham só por castas portuguesas? «Alinhamos por fazer bom vinho com as castas adequadas ao local. A decisão não é ser nacional ou internacional. A história de termos plantado Syrah e Viognier tem que ver com os estudos iniciais que fizemos do solo e do clima que nos permitiram descobrir algumas semelhanças com a região Côte du Rhône, e de o meu pai ser um grande apaixonado pelos vinhos dessa região. Por isso, quando há 35 anos descobriu aqui algumas parecenças, parecia que os astros se alinhavam e plantou 2,5 hectares de Syrah e Viognier», sustenta, enquanto nos vai encaminhado de regresso a casa, ou à adega das barricas de carvalho francês.
Ali, tudo é feito apenas e só com uvas próprias, sendo que em 2005 tomaram a decisão de converter para o biológico, com a primeira vindima certificada a acontecer em 2015. «Estamos há praticamente 20 anos sem que entre um químico na vinha», diz e repete.
Também nos últimos anos, os principais investimentos foram na plantação de nova vinha, em particular de 9 hectares, em 2017. E Francisco faz as contas: «Pode não parecer muito, mas, para nós, que tínhamos 20 hectares, é 45% mais, o que nos obrigou a um investimento considerável no plantio, a rondar os 170 mil euros – com financiamento de apoios estatais. Até porque esta nova vinha arrancou desde logo com certificação biológica.». Já com esta plantação, houve então que investir ao nível da adega – para vinificar s 50% de área de vinha, contar com novo sistema de frio, mais cubas… -, e de mão de obra.
Desde há anos que a Quinta do Monte d’Oiro produz, em paralelo, para alguns clientes de restauração, que hoje já têm alguma expressão em termos de facturação. «Foram todos projectos que começaram por uma ligação pessoal e de amizade – como o chef Kiko Martins ou o chef José Avillez – e em jeito de brincadeira, para terem meia dúzia de garrafas com rotulo próprio. Entretanto, os projectos cresceram, nós acompanhámo-los e acabaram por ter uma importância significativa», constata Francisco, que considera ser prestigiante trabalhar para chefs que são conhecidos até porque, esta, acaba por ser uma relação com momentos muito próximos. Em volume, as marcas exclusivas têm um peso a rondar os 30-40%.
Já os mercados externos absorvem actualmente 40% da produção, quando, há anos, estavam nos 60%. «Não porque estejamos a exportar menos, mas porque o mercado nacional cresceu muito.» Faz sentido que assim seja? Faz, considera, porque o mercado nacional praticamente triplicou nos últimos 10 anos.
A produção total, por ali, estava nas 120 mil garrafas, mas as mais recentes plantações – que já deram sumo o ano passado – deverão elevar o volume acima das 200 mil garrafas, com o segmento de tintos ainda superior ao de brancos, ou não fosse o Monte d’Oiro tinto o mais vendido de todo o portefólio e que continua a funcionar como cartão de visita. «O branco e o rosé cresceram muito e, proporcionalmente, na distribuição devemos ter mais branco e rosé do que tinto, face a outros produtores!»
Um projecto Pessoal e intergeracional
Pela quinta há várias obras de arte em diferentes espaços e cantos, paredes e largos. Quase todas desenhadas por José Bento dos Santos, o “artista” que se tornou engenheiro, e cujo filho engenheiro migraria para a agricultura. Era inevitável, Francisco? «Sim, parece óbvio mas, ao mesmo tempo, não. Nunca tive pressão para seguir isto. Segui a minha carreira normalmente, mas continuei sempre a trabalhar na quinta. Quando o meu filho nasceu, há 10 anos – e apesar de ter a sensação de que tinha que aprender muito porque não queria ser “o filho do patrão” – decidi que era por aqui que queria seguir.» Isto, depois de ter passado por aquilo que chama de mundo real, onde lidou com grandes empresas e onde muito aprendeu: «Achei que com essa base já tinha o suficiente para evoluir e sei que cresci muto aqui. O meu pai queria dedicar-se aos netos e não estar na gestão do dia-a-dia, pelo que foi relativamente tranquilo», recorda, enquanto desfia algumas das suas primeiras histórias por terrenos de Alenquer.
E agora, já não é o “filho do pai”? «Continuo a ser», sorri, mas partilhando: O pai deu-me independência desde o primeiro minuto. Já eu, demorei um pouco a querer assumir. Há 10 anos, era o “melhor gestor do mundo”, porque como não existia na estrutura, ninguém me telefonava a meio do dia, tinha todo o tempo para gerir estudar, analisar problemas e resolvê-los… até que descobriram que existo! Estava então de licença parental quando assumiu, quis começar devagarinho, mas acabaria arrastado. «Assim que disse ao meu pai que queria ficar, ele saiu. Ttem essa humildade de entregar e é o próprio que diz que o que gosta é de sonhar. Foi um pouco como quando era o meu treinador de râguebi. Ele era o treinador e eu o capitão de equipa. Quando era meu treinador, já não jogava. E sabe que quando começa o momento de jogo, o treinador não está a fazer nada, porque quem toma as decisões dentro de campo é o capitão até porque é o único autorizado a falar com o árbitro. Aquilo que era um pouco a nossa figura de treinador-capitão repete-se de certa forma aqui.»