“A população está mais exigente quanto à informação e aos resultados em saúde”: A visão do primeiro português no cargo de diretor global de produtos estabelecidos da Janssen, companhias farmacêuticas do grupo Johnson & Johnson

A Johnson & Johnson (J&J), uma das maiores empresas farmacêuticas e de produtos de saúde do mundo, tem agora pela primeira vez um português no cargo de diretor global de assuntos médicos para produtos estabelecidos. José Antunes, que tinha estado na Janssen como ‘Medical Affairs’ Director para a Europa, Médio Oriente e África, assume agora o cargo de Global Medical Affairs Lead for Established Products.

Em entrevista exclusiva à Executive Digest, o português conta como foi fazer a transição da área de Medicina Nuclear, que chegou a exercer no âmbito de internato complementar da especialidade no IPO, em Lisboa, para a indústria farmacêutica e para a área da gestão.

José Antunes, que também assumiu cargos de responsável médico na GSK e na Pfizer em Portugal, integrou a farmacêutica do grupo Johnson & Johnson em 2003, e em 2005, foi nomeado Country Medical and Regulatory Director, função que exerceu até 2018. Pelo caminho foi também responsável por áreas de acesso ao mercado, external affairs e representante do centro de inovação da J&J em Portugal.

Agora, manifesta-se com imensa vontade de abraçar o novo cargo e confiante na equipa que vai concentrar “com um objetivo comum” para ultrapassar os desafios que se avizinham num setor que, com a pandemia da Covid-19, passou a estar mais escrutinado pela opinião pública. E ainda bem que assim é, segundo explica à Executive Digest.

É o primeiro português no cargo de Global Medical Affairs Lead for Established Products da Johnson & Johnson. Como é chegar a este posto? É o reconhecimento de um trabalho bem feito? Ou uma evolução natural do percurso até aqui trilhado?
No meu desenvolvimento profissional sempre procurei oportunidades de aprendizagem e novos desafios que me fizessem crescer. Esta posição surge de forma natural, numa lógica de continuidade, fruto da experiência que acumulei ao longo de anos.

Que funções irá desempenhar no novo cargo?
Irei assumir as responsabilidades de coordenação da área médica a nível global para um portfólio de cerca de 90 medicamentos da Janssen, companhias farmacêuticas do grupo Johnson & Johnson. Basicamente, o meu trabalho passará pela definição da estratégia médica e a supervisão das atividades relacionadas com a gestão do ciclo de vida destes medicamentos, designadamente em termos de educação e informação médica, geração e disseminação de evidência científica, e segurança da sua utilização.

Como é que decorreu o processo de seleção, e depois de nomeação. Houve várias fases?
A J&J tem processos de seleção muito bem estruturados. As posições em aberto são divulgadas interna e, muitas vezes, externamente. Os candidatos são submetidos a um conjunto de entrevistas e avaliações, inicialmente conduzidas pela equipa de Recursos Humanos, e depois por um painel multidisciplinar constituído por representantes de várias áreas que vão trabalhar diretamente com a função, incluindo a equipa de supervisão. As decisões são tomadas pelo painel de seleção, e baseadas na análise de múltiplos fatores, incluindo o perfil de liderança, o nível de competências, o histórico de desempenho, entre outros.

Como foi comunicada a nomeação nos canais internos? É importante dentro da J&J que haja esse ‘crescimento’ dos colaboradores e que seja devidamente comunicado?
A comunicação interna assume uma importância crucial na organização. Existem plataformas internas onde são divulgadas as posições em aberto e as notícias sobre as diferentes nomeações. O objetivo é motivar os colaboradores a crescerem e a desenvolverem as suas competências, a utilizarem as ferramentas disponíveis e a explorarem as múltiplas oportunidades que uma grande companhia como a Johnson&Johnson pode oferecer.

Virá também do reconhecimento da necessidade de fixar talentos internos? Que características diferenciadoras é que acha que precisa de ter alguém, e no seu caso específico, um português, para crescer numa área tão competitiva?
A Johnson & Johnson é uma companhia diversa e inclusiva, que privilegia o talento e o potencial de crescimento de cada colaborador independentemente do género, da etnia, do credo, da orientação sexual e das geografias. A evolução de cada colaborador depende das suas competências, da sua capacidade, da sua atitude e do seu perfil de liderança.
No meu caso, depois de 15 anos na Direção Médica e Regulamentar da Janssen em Portugal, tive oportunidade de assumir responsabilidades internacionais incluindo Europa, Médio Oriente e África, as quais exerci durante 5 anos. Essa experiência e o trabalho realizado foram cruciais para este novo passo na minha carreira.
Como fatores chave para o sucesso profissional, destacaria a capacidade de aprendermos e de nos desafiarmos continuamente, a positividade e o otimismo perante as dificuldades, pensamento estratégico e excelência na execução, gosto pelo trabalho de equipa em contextos multiculturais, fortes princípios éticos e um estilo de liderança participativo/transformacional, capaz de motivar a equipa a crescer. Quando gerimos equipas é muito importante conseguirmos trazer à superfície o melhor de cada pessoa, desenvolvermos cada colaborador até ao máximo do seu potencial. Um dos elementos que tem sido determinante na minha carreira tem sido a capacidade de atrair, desenvolver e inspirar pessoas à volta de um objetivo comum. Por outro lado, ao trabalhar numa empresa farmacêutica como a Janssen, temos uma enorme responsabilidade pelo impacto do nosso trabalho na vida dos doentes. É um privilégio poder fazer a diferença.

Essa responsabilidade, foi de alguma forma acrescida pela atenção mais focada da opinião pública na indústria farmacêutica, em crescimento na última década, mas de forma exponencial na pandemia?
Como referi, é uma grande responsabilidade e um enorme privilégio trabalhar na área da saúde. Atualmente, a população está mais informada sobre temas relacionados com a saúde, e um maior nível de informação, significa um maior nível de exigência, o que é muito positivo. Os doentes, ou antes, os utentes dos serviços de saúde, questionam mais e têm uma participação mais ativa na decisão terapêutica. Uma sociedade forte e informada é fundamental para a melhoria dos cuidados de saúde.

Considera que é real a ‘fuga de talentos’ na área da saúde em Portugal? Estão a ser aproveitados devidamente, têm as devidas oportunidades?
Provavelmente tenho uma visão particular sobre o tema. Vivemos numa sociedade cada vez mais globalizada. Acho que é muito importante termos mundo e darmos mundo às nossas equipas. É um pouco redutor limitarmos o nosso trabalho e as nossas perspetivas à dimensão do nosso país.
Temos muitos talentos em Portugal e ao longo dos anos tive a oportunidade de desenvolver colaboradores e de incentivá-los a assumir responsabilidades noutros países ou em regiões mais vastas. A experiência que adquirem e as competências que desenvolvem são uma mais-valia para o país.
No meu caso concreto, tenho a possibilidade de exercer a minha nova função com base em Portugal. Hoje em dia, as organizações são muito mais flexíveis. Na J&J é nos dada a possibilidade de desenvolvermos o nosso trabalho a partir dos países de origem e isso permite expandir o “pool” de talento disponível para o exercício das diferentes funções. É uma evolução natural do mercado de trabalho, e como país acho que devemos tentar atrair o máximo de talento e ao mesmo tempo potenciar e garantir que temos mais portugueses em posições de responsabilidade de âmbito internacional: isso ajuda a criar valor, a elevar o nível de exigência e a elevar a nossa capacidade enquanto sociedade.

A população está mais exigente também por ter um a maior literacia em saúde. Para além do trabalho do Estado, do SNS, dos profissionais de saúde, também há um contributo importante neste aspeto da indústria farmacêutica?
Diria que sim. O trabalho deve ser cada vez mais colaborativo, inclusivo. É muito importante elevarmos a qualidade do debate, e como já referi, maior conhecimento, determina maior exigência e maior qualidade na saúde.
Ao longo dos anos diversas iniciativas têm contribuído para uma maior literacia em saúde, fruto do trabalho realizado por associações de doentes, profissionais de saúde, entidades reguladoras, academia e indústria farmacêutica. Gostaria de referir o exemplo do EUPATI, European Patients’ Academy on Therapeutic Innovation, uma iniciativa desenvolvida com o objetivo de melhorar a literacia dos doentes em investigação e desenvolvimento de medicamentos, numa parceria liderada por associações de doentes, envolvendo a academia, as entidades reguladoras e a indústria farmacêutica. Trata-se de um excelente exemplo da forma como diferentes interlocutores podem trabalhar entre si, com um objetivo comum.
A colaboração, a comunicação, o diálogo entre os diferentes intervenientes é fundamental para alcançarmos mais e melhores resultados em saúde.

No pós-pandemia, sente que há mais confiança ou mais desconfiança da população face à indústria farmacêutica? O balanço é positivo?
Acho que o trabalho realizado pela indústria farmacêutica em conjunto com as autoridades de saúde no desenvolvimento de vacinas em resposta às necessidades médicas trazidas pela pandemia foi verdadeiramente extraordinário.
Estas tecnologias foram desenvolvidas em tempo recorde, fruto de um investimento muito significativo em investigação e desenvolvimento, por parte das empresas farmacêuticas, e numa grande celeridade das autoridades reguladoras na sua avaliação, aprovação e monitorização. E os resultados foram notáveis.
Confesso que depositava alguma esperança de que este esforço resultasse no reconhecimento de todo o valor que a indústria farmacêutica traz para a nossa sociedade e que se traduz numa melhoria significativa da qualidade e da esperança de vida. Contudo, em vez disso, vi circular muita desinformação, e não sinto que a reputação da indústria farmacêutica junto do público em geral tenha melhorado significativamente.

Leva para o cargo uma postura de mudança estratégica ou uma perspetiva de continuidade? Que desafios poderá enfrentar a indústria nos próximos 5, 10 anos?
Levo para este cargo a minha vontade de aprender, de estabelecer pontes, de agregar pessoas à volta de objetivos comuns, de criar valor e de fazer a diferença. Confesso que sou uma pessoa de mudança. Quando crescemos, mudamos… O mundo está em mudança contínua. Para termos sucesso, temos que saber ler o mundo, antecipar as tendências de futuro e prepararmo-nos para os novos desafios. Gosto da mudança, como forma de evolução, e a evolução é feita com as pessoas, mobilizando-as e inspirando-as a atingir uma meta comum.
Sobre tendências futuras… Temos uma população mais exigente relativamente à informação e aos resultados em saúde. Temos novas tecnologias que poderão mudar a forma como executamos determinadas atividades ligadas à saúde. Teremos seguramente mais debates sobre os modelos de financiamento da saúde.

No que respeita a tecnologias, a Inteligência artificial pode revelar-se uma ferramenta importante para estreitar a comunicação em saúde entre a indústria farmacêutica, os médicos e os utentes?

É uma área que ainda está a dar os primeiros passos. Há muitas questões e receios sobre o que a IA pode trazer, mas se for bem utilizada, as mais valias serão enormes. A IA poderá tratar mais eficazmente grandes quantidades de informação, estabelecendo correlações que não seriam imediatamente percecionadas, ajudando a gerar novos conhecimentos.
Poderá também ter um papel nos serviços de informação científica, ao agregar toda a evidência disponível na resposta a questões colocadas por doentes ou profissionais de saúde. Se for bem utilizada, poderá trazer benefícios consideráveis para a sociedade.

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