“A partir dos 13 anos há mais pedidos de ajuda e comportamentos autolesivos”: especialista deixa alerta sobre suicídio entre os jovens

A saúde mental dos jovens é motivo de preocupação. A Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que um em cada quatro adolescentes portugueses já se autolesionou e que, entre 2018 para 2022, a sua perceção de infelicidade subiu de 18,3% para 27,7%. Já um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos indicou que 23% dos jovens já tiveram pensamentos ou atos suicidas.

Em Portugal, os dados sobre suicídios entre os mais novos disponíveis no Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que ao contrário de outros países, não há um aumento de casos. Segundo o INE, entre 1991 e 2020, suicidaram-se 469 crianças e jovens portugueses, entre os 5 e os 19 anos. Desagregando por faixas etárias, seis destas mortes, a última das quais em 2014, foram de crianças entre os 5 e os 9 anos, 52 de crianças entre os 10 e os 14 anos e as restantes 411 de jovens entre os 15 e os 19 anos.

Os anos mais recentes não denotam qualquer aumento – em 2020 registaram-se 10 suicídios apenas na faixa etária mais alta, quando em 1991, o pior dos anos analisados, tinham sido 31, mais quatro na faixa etária dos 10 aos 14 anos. Os dados indicam ainda que há muitos mais rapazes do que raparigas neste particular: dos 469 casos nos 29 anos analisados pelo INE, 313 (quase 67%) eram de crianças ou jovens do sexo masculino.

Face aos números, o responsável pelo projeto ‘Mais Contigo’, o professor José Carlos Santos, e um dos responsáveis da Sociedade Portuguesa da Suicidologia, traçou, em exclusivo para a ‘Executive Digest’, um traço mais atual do fenómeno. E as observações são inquietantes, uma vez que apontam para um crescimento mais acentuado nos jovens. Para o especialista do projeto, que visa a promoção da saúde mental e a prevenção de comportamentos suicidários em adolescentes do 3º ciclo e secundário, é preciso tomar mais atenção.

“O programa já tem mais de 15 anos e estivemos com mais de 50 mil jovens. Este ano estivemos com cerca de 17 mil adolescentes num programa que visa promover a saúde mental e prevenir comportamentos suicidários nos jovens”, explicou o especialista, que destacou o papel decisivo dos “mais de 100 dinamizadores a nível nacional”, sobretudo profissionais de cuidados primários, que integram o programa.

“Pode-se dizer que, neste momento, há um maior sofrimento mental dos adolescentes e tem havido mais pedidos de ajuda sobretudo em questões ligadas a transtornos de ansiedade e sintomatologia depressiva. Acima disso, tem havido mais pedidos de ajudas por causa de jovens com comportamentos autolesivos – a maior parte são cortes no corpo, numa estratégia para lidar com o sofrimento, e tem sido muito comum neste momento tal qual o resto dos comportamentos da esfera suicidária”, frisou José Carlos Santos.

Os pedidos de ajuda são de situações mais extremas? “Há de tudo: pedidos de ajuda numa primeira fase direcionados a colegas da escola; depois há os pais e professores; e só depois há uma pequena faixa que chega aos profissionais de saúde, que são a retaguarda”, explicou. “Aqueles casos que chegam aos profissionais de saúde são as situações mais graves, com ideação suicida ou mesmo uma tentativa de suicídio.”

São cada vez jovens os adolescentes que pedem ajuda? “Tradicionalmente, os comportamentos de pedidos de ajuda surgiam mais na fase final da adolescência – diria que a partir dos 16 anos. Neste momento, a partir dos 13 anos, há mais pedidos de ajuda e comportamentos autolesivos. Com uma agravante: contrariamente do que se passava há 10 anos, eram comportamentos privados, em que tinham até alguma vergonha em mostrar os cortes, agora são públicos – fazem um corte e colocam no Instagram ou qualquer outra rede social. O que do ponto de vista da imitação ou contágio, é perigoso”, alertou o responsável do projeto.

“Este ano, a nossa intervenção no sentido de ajuda e acompanhamento já teve por alvo mais de 600 jovens, uns numa fase inicial outras numa fase mais aguda”, referiu.

Por último, a que comportamentos devem estar atentos os jovens, pais, professores ou familiares, que possam indiciar esse comportamento suicida? “Os sinais de risco mais prevalentes são isolamento, tristeza sem motivo aparente ou persistente e, a fechar, falta de alegria, ou seja, deixam de mostrar interesse nas atividades que os rodeiam. O termo técnico é adenodia. Depois, se houver uma declaração verbal no sentido de a vida não fazer sentido, levar sempre isso a sério. Pedir ajuda é o caminho mais certo.”

Números são retrato de um ‘país dividido’

Quase 800.000 pessoas morrem por suicídio no Mundo, todos os anos, o que corresponde aproximadamente a uma morte a cada 40 segundos. Em Portugal suicidam-se pelo menos 3 pessoas por dia. Estima-se que em Portugal — como no Mundo — as mortes por suicídio possam ser ainda em maior número, uma vez que o seu registo nem sempre é feito devidamente. Vários estudos indicam que o número de tentativas de suicídio é cerca de 25 vezes superior ao número de suicídios.

Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística – INE -, referentes a 2021, é na região norte de Portugal que se registaram o maior número de suicídios, com 251 mortes, logo seguida pela região da Área Metropolitana de Lisboa, com 220 casos. A fechar o ranking, está a região Centro, com 198.

No entanto, é no Alentejo, com 114 casos, e também no Algarve, com 77 casos, que os casos são mais problemáticos – a taxa média nacional é de cerca de 9 suicídios por cada 100 mil habitantes mas nas duas regiões o valor sobe para 16.

Viana do Alentejo, no distrito de Évora, apresentou 75 casos por cada 100 mil habitantes, sendo o conselho do país com maior taxa de suicídios. A seguir chega Monchique (54 casos), Aljezur, com 49, o mesmo que Sousel e Cuba, no interior alentejano.

A norte, as taxas de suicídio por cada 100 mil habitantes aproximam-se da média nacional, e, nalgumas regiões, ficam mesmo abaixo. No sul, são quase o dobro.

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