“A nossa política de fronteiras tem sido entregue a redes de tráfico”: Da saúde ao trabalho, gestores traçam caminhos para responder à imigração e envelhecimento em Portugal

Na primeira mesa-debate da XXVI Conferência Executive Digest, esta terça-feira, o tema da “Demografia e os Fluxos Migratórios: O Impacto na Economia, Empresas, Sociedade” deu mote a uma conversa entre Gonçalo Saraiva Matias, presidente do conselho de administração e da comissão executiva da Fundação Francisco Manuel dos Satos (FFMS), Lídia Monteiro, administradora do Turismo de Portugal, Raul Neto, CEO da Randstad e Luís Drummond Borges, administrador da Lusíadas Saúde, moderada por Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações media Group.

Gonçalo Saraiva Matias começou por referir os estudos sobre o tema feitos pela FFMS, que confirmam que Portugal tem perdido muita população, entre 2011 e 2021, associada ao envelhecimento. “Temos 13% da população com menos de 15 anos, e a pirâmide etária totalmente invertida. Até 2050, Portugal pode perder 20% da população, ficando entre 7,5 e 8 milhões” alertou.

Esta situação “revela a total insustentabilidade do sistema social” e do próprio País, que “não cresce, não tem jovens, não tem futuro”. A solução passa também pela imigração, que é ” a única forma de combater o défice demográfico”, que o gestor considera “o mais grave défice que o País enfrenta”, sublinhando que o saldo populacional em Portugal só não é negativo desde 2019 graças à imigração.

Questionado pelo CEO do Multipublicações Media Group, o gestor foi mais longe e defendeu que Portugal “não tem nem nunca teve uma política migratória” e que “neste momento a nossa política de fronteiras tem sido entregue a redes de tráfico”, quando deve ser do interesse dos Estados toda a gestão desta questão.

“Portugal teve sucesso na captação de investimento estrangeiro, e na comunicação como destino turístico. Mas ninguém está a fazer a desenvolver o mesmo para a atração de talento”, lamentou.

Raul Neto, CEO da Randstad, destacou que o envelhecimento é um fator dominante, e que se tem associado a um crescimento do nível de escolaridade no mercado de trabalho nacional, o que tem resultado numa espécie de mercado “candidate-driven” em que são os candidatos que regulam a lei da oferta e procura. Por seu lado, as empresas “procuram rodear-se de fatores de atratividade” como a flexibilidade, a forma de remuneração, o reconhecimento da marca como entidade empregadora, entre outros aspetos.

O orador assinalou que “tem cada vez maior importância o equilíbrio da vida profissional e pessoal”, até mais do que o salário em si, na atura de escolher vir trabalhar para Portugal.

Sobre as questões das redes de tráfico, considerou que tem a ver com a economia informal, passando depois para o cenário nacional, explicando que o mercado procura “perfis menos qualificados”, também devido ao aumento do nível de escolaridade no nosso País, ao mesmo tempo que quem vem para cá trabalhar, especialmente da zona da Península do Indostão, já muitas vezes traz a família. “Aí entram as políticas e o papel determinante do Estado, Repensar este aspeto benéfico da imigração, que é um contribuidor líquido para a segurança social e que assegura a sua sustentabilidade, claramente é um dos fatores de maior importância”, sustentou Raul Neto.

Impactos na Saúde e Turismo
Lídia Monteiro, administradora Turismo de Portugal, assinalou o “impacto inegável” do envelhecimento e da transformação demográfica, mas que para o setor do turismo “é uma oportunidade”.
“É um segmento de público mais disponível para viajar, em todos os períodos do ano, o que é interessante para a sustentabilidade. É mais exigente, com educação formal de nível mais alto, adaptou-se à tecnologia, tem poder de compra, e já começa a ter impacto no desenho do produto turístico.

Os impactos necessitam de reação, também em infraestrutura, a pensar neste público: em termos de acessibilidades, formação de recursos humanos no setor e resposta às necessidades. “Outro aspeto que vai influenciar como comunicamos no turismo é o orgulho que se transmite em ser sénior. Estar num período de reforma deve ser de alegria”, reforçou.

Por outro lado, para a Saúde, os desafios são mais complexos. Obviamente que tudo o que é envelhecimento é um sucesso das políticas de saúde, tecnologia, de acesso a medicamentos. “Estamos em patamares de longevidade mais significativos, mas há algumas preocupações”, começou por apontar Luís Drummond Borges, administrador da Lusíadas Saúde.

As projeções apontam para que cada vez mais pessoas “venham a ter mais ’touch-points’ com a saúde, numa desmultiplicação de atos médicos”, e um aumento no número de idas a unidades hospitalares, facilidade de acesso, maior awareness e custo médico a subir significativamente”.

O quadro irá alterar-se, levando a “custos mais elevados”, e que necessariamente implicarão uma adaptação dos sistemas, público e privado, para responderem a estas novas realidades. O especialista exemplificou com o perfil hospitalar de cuidados integrados, e uma maior aposta nos “processos end-of-life”. A insuficiência de recursos e o ‘upskill’ de trabalhadores são as barreiras a transpor.

Também, indicou Luís Drummond Borges, a subida do salário mínimo nacional, nos últimos anos, tem resultado numa “pressão enorme sobre as estruturas de custo” dos hospitais, ao mesmo tempo que a procura de “enfermagem muito mais especializada” está a levar os talentos nacionais a saírem para França ou Inglaterra, causando “elevada instabilidade” na resposta às necessidades do mercado da Saúde em Portugal.

Idade é estigma na hora de contratar?
Perante o envelhecimento, será que ainda há resistência em contratar funcionários de faixas etárias mais avançadas? Raul Neto dis que sim, mas com tendência a ser cada vez menos comum. Passa por quatro dimensões: uma perceção de pouca adaptabilidade a novas tecnologias, nível de compromisso que desce com a idade ou o custo elevado que se assume que as pessoas de maior idade têm, e a capacidade ou vontade que têm para reaprendizagem.

Para o especialista, a solução passa por encontrar o “equilíbrio geracional” dentro das organizações, que “é uma valência enorme” para todas as empresas nacionais.

O palco da Culturgest recebeu a XXVI Conferência Executive Digest, o evento de referência que juntou em palco Presidentes, CEOs e gestores de topo do tecido empresarial nacional para debater o tema “As profundas alterações – e os seus impactos na Economia, Empresa, Sociedade”.

A XXVI Conferência Executive Digest conta com o apoio da Caixa Geral de Depósitos, Delta Q, Fidelidade, Jaba Recordati, MC, MEO Empresas, Randstad, Tabaqueira, e ainda com a parceria da Capital MC, Neurónio Criativo e Sapo.

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