“A nossa ambição é criar uma empresa que tenha impacto mundial”, diz Presidente Executivo da Unbabel

A plataforma de Language Operations da empresa combina o poder da inteligência artificial com o rigor de uma comunidade de tradutores humanos que pós-editam a tradução automática, produzindo traduções rápidas, eficientes e de alta qualidade que se tornam mais inteligentes ao longo do tempo. O objetivo da plataforma é oferecer às empresas a possibilidade de escalar os seus negócios mais facilmente a nível global, aumentando as relações de confiança com os seus clientes, ao proporcionar experiências multilingues mais consistentes e de alta qualidade em serviços de marketing e de apoio ao cliente. Fundada em 2013, a Unbabel tem 350 colaboradores espalhados pelo mundo. Conta com escritórios em São Fransisco, Pittsburgh, Lisboa, Londres, Edimburgo, Timisoara e Cebu. E, entre os principais clientes, encontram-se a Farfetch, Logitech, Teleperformance, ESPN e Headspace. Nesta entrevista à Executive Digest, Vasco Pedro, co-fundador e presidente executivo da Unbabel, revela os principais desafios da empresa para o futuro.

Como é que em 2013, meia dúzia de “miúdos” se lembram, numa viagem de surf a Aljezur, de criar uma grande empresa de tradução que se viria a afirmar no mundo?

Em 2011 voltei a Portugal após 10 anos nos EUA onde tinha estado a fazer o Mestrado e o Doutoramento (Language Technologies pela Carnegie Mellon University) e tinha começado a trabalhar. Quando regressei, a ideia era criar uma equipa cá e conheci o João Graça que também tinha acabado o doutoramento em Machine Translation na Pensilvânia. Partilhámos uma série de ideias e começámos a trabalhar num projeto. Estávamos sempre a pensar em ideias em torno da linguagem. Até que um dia participámos numa conversa em que alguém nos contava da dificuldade que muitas pessoas tinham em alugar o seu Airbnb a estrangeiros, em falar outras línguas. Foi como que a faísca. A viagem de surf foi onde decidimos começar a Unbabel. Cada um de nós tinha um caderno onde escreveu as suas ideias para as debater, sendo que a ideia da Unbabel foi a que ganhou maior tração. Claro que estivemos algum tempo a tentar perceber se conseguíamos pôr um protótipo a funcionar…

Foi fácil avançar com o projecto e convencer o mercado, tendo inclusive em conta que iam entrar em concorrência com grandes players?

Muitas vezes, na cabeça de um fundador, há uma certa distorção da realidade. Quando começámos a Unbabel, o João teve a primeira filha. Eu tive a minha quarta filha em fevereiro desse ano. Por isso, esses primeiros seis meses foram complicados. Porque começámos a desenvolver o protótipo, investimos todo o nosso tempo e recursos para o pôr a funcionar, tivemos as primeiras reuniões com investidores – a primeira não correu nada bem – mas houve uma altura em que começámos a pensar como é que iríamos pagar a renda.

Quanto é que investiram inicialmente?

Não estávamos a receber e cada um de nós pagava das suas próprias poupanças o que era preciso.

Se não tivessem conseguido conquistar a primeira ronda de investidores, a Unbabel não seria o que é hoje?

Não, e curiosamente tivemos a primeira ronda de investimento com investidores locais. No dia em que íamos assinar recebemos um email da Y Combinator a dizer “queremos que venham cá à entrevista inicial”. Os nossos investidores continuaram a ser nossos investidores, mas assim que entrámos na Y Combinator a empresa valorizou-se muito mais. Nessa altura já sabíamos que íamos ter que conseguir levantar capital, mas não sabíamos quanto tempo é que isso poderia demorar. Nos primeiros três meses de Y Combinator ainda estivemos os cinco fundadores num apartamento de dois quartos a trabalhar todo o dia. Depois disso, começou a ser mais fácil. Levantámos a segunda ronda numa semana, um milhão e meio de euros, e na altura achávamos que seria o último dinheiro que iríamos precisar de levantar! Aliás, na altura, também fizemos umas contas por alto para tentar perceber quantas palavras iríamos estar a traduzir. Neste momento já ultrapassamos claramente as nossas expectativas. Estamos a traduzir 3,5 mil milhões de palavras por ano.

E, já recentemente, a Unbabel foi considerada das empresas mais bem sucedidas e com mais rápido crescimento na economia californiana. Alguma vez imaginou que chegaria aí?

Sim. O nosso objetivo, desde o início, era mudar o Mundo. Entendemos que a linguagem é essencial para o bom funcionamento de uma sociedade global e que nunca ninguém tinha resolvido este problema. Por isso, acreditámos que se conseguíssemos fazê-lo, o impacto seria gigante e a possibilidade de criar uma grande empresa seria real. Nunca sofremos de falta de ambição! E, por causa dessa mesma ambição, há uma eterna insatisfação. Sinto sempre que ainda estamos a começar relativamente ao que ainda queremos fazer.

Qual é a ambição hoje? Ser unicórnio?

A ambição não é ser unicórnio. É criar uma empresa global, grande, que tenha impacto mundial. No caminho há certos passos que fazem sentido, como ser um unicórnio, fazer um IPO, mas não é esse o objetivo. São apenas passos num caminho maior. A língua e as dificuldades de linguagem é das forças que mais nos impede de continuarmos numa comunidade em sincronia e global. O custo de oportunidade para empresas que não conseguem fechar negócio por esse tipo de entrave é enorme. E o nosso objetivo é resolver isso: chegar a um ponto em que uma empresa consiga funcionar, desde o momento zero, do ponto de vista da língua a nível global e, depois, chegar mais longe! Ter um mundo em que cada content creator tenha o seu conteúdo distribuído universalmente, o que ainda está longe de acontecer. Há um crescimento enorme em termos de tradução automática – inclusivamente na Unbabel – mas não é suficiente e não o vai ser.

Qual é então o passo que se segue?

Este problema é decomposto em três partes. Para começar, o mundo está a mudar de conteúdo estanque para a produção contínua de conteúdo. Depois, há a questão de como é que se consegue ir buscar o conteúdo onde ele existe, traduzi-lo e voltar a colocá-lo de forma séria. O outro problema é como é que traduzimos o conteúdo em si, de forma escalável em qualidade e eficiência. O terceiro é como é que gerimos tudo isto quando, cada vez mais, as empresas vão ter que utilizar ferramentas vindas de Inteligência Artificial (IA).

Como é que está a correr o negócio este ano?

Face ao ano passado crescemos 100%…

Sendo que em 2020 tinham tido uma quebra!

Sim, no início do Covid, cerca de 20%. Depois recuperamos e crescemos cerca de 100% em 2021. Tipicamente, o crescimento de uma empresa faz-se pelo crescimento orgânico do seu produto e, isso, está a acontecer na Unbabel. Mas o que se vê em empresas de Inteligência Artificial é que muitas vezes criam maneiras muito mais eficientes de fazer algo que já era feito de outra forma.

Mas a Unbabel também está a crescer por aquisição?

E essa estratégia de crescimento inorgânico está a ser particularmente interessante. Tipicamente, quando há uma estratégia de aquisição, há como que um roll up e um aumento de eficiência marginal do ponto de vista dos processos internos. No nosso caso, o que está a acontecer é diferente. Traduzimos de uma maneira drasticamente mais eficiente e melhor do que uma empresa de tradução típica. E o que se nota é que uma empresa de tradução típica tem margens de 35%, enquanto que as da Unbabel são mais do que o dobro. O que se vê quando adquirimos legacy business e transformamos esse negócio utilizando a nossa plataforma, é que todo o negócio é radicalmente mudado.

Por que é que decidem comprar a empresa de tradução britânica Lingo24 no ano em que sofrem uma quebra?

Queríamos provar uma tese que já estaremos a provar. Havia duas coisas a acontecer: quando começámos, encontrámos um nicho de mercado no serviço de apoio ao cliente – como é que agentes de teleperformance, por exemplo, conseguiam ter apoio de várias línguas através da Unbabel. O que víamos era que esse mercado não era grande o suficiente para as ambições que tínhamos e havia uma pressão cada vez maior de serviços para “atacar” o apoio ao cliente, nomeadamente chats. Estávamos a ver esta pressão do mercado e sabíamos que as nossas ambições tinham que nos levar a expandir. Havia duas hipóteses, ou expandir organicamente melhorando o produto, por exemplo, ou comprar uma empresa na área em que nos queríamos mover o que nos traria vários benefícios. Foi o que nos levou à compra.

Mas em 2020, quando avançam para despedimentos, foi depois de terem recebido um financiamento…

Sim, recebemos a série C em 2019 e no início do 2020, mas a forma como uma startup funciona não é igual a uma empresa tradicional. O dinheiro que levantamos é para investimento futuro e os budgets dependem da perspetiva de crescimento. Quando, em 2020, toda a parte de viagens desaparece e olhamos para o resto do ano, vemos que todos os sinais iam no sentido de uma catástrofe. Percebemos que uma parte do budget não iria entrar pelo que tínhamos que corrigir o mais depressa possível. Uma das coisas terríveis para qualquer empresa é fazer isso aos poucos. Tínhamos que tomar uma decisão, perceber o que é que podíamos fazer para proteger as pessoas e o negócio, os nossos investidores, todos os stakeholders, e decidimos fazer isso de uma vez avançando para o despedimento de cerca de 100 pessoas. Infelizmente, a maior parte das empresas de tecnologia não é rentável. Estamos a sustentar a empresa num vetor de crescimento elevado baseado no investimento que temos.

A ideia é continuar a crescer por aquisição?

A ideia é crescer de forma orgânica e inorganicamente. Essa é uma combinação poderosa.

Quem são os principais clientes?

São marcas bastante conhecidas, com grandes operações, como a Farfetch, Logitech, Teleperformance, ESPN e Headspace. Em termos de mercados, é quase 50% nos Estados Unidos e 50% na Europa. Em Portugal, temos tido alguns clientes ao longo dos anos, mas o mercado português não é particularmente expressivo para nós. É interessante mas, como em qualquer startup, começámos desde o momento zero a olhar para o mercado internacional em termos de crescimento. E esse é um dos fatores que dita a quantidade de unicórnios que temos face a países como a Espanha ou a Grécia. O facto do nosso mercado ser pequeno e, desde o início, termos que pensar no mercado global, leva-nos a uma expansão mais rápida. Enquanto que países como Itália ou Espanha são suficientemente grandes para suportarem uma média empresa, só que isso, depois, dificulta a sua expansão. Um outro país que faz muito isso é Israel, que é um pouco o modelo que temos seguido, mesmo que o seja de forma inconsciente.

A Unbabel está a liderar um consórcio para criar uma Inteligência Artificial responsável. Qual a relação entre a IA e ética?

É super importante. Nós estamos a criar uma série de sistema de Inteligência Artificial que são incrivelmente eficientes e que vão ter um impacto muito positivo no mundo, mas que não têm necessariamente o discernimento de perceber o impacto social e moral do outcome do algoritmo. Se neste momento traduzirmos a frase “i am going to the doctor”. Doctor é traduzido para medico no masculino e nurse é traduzido para feminino, enfermeira. O que por si só estamos a propagar na própria linguagem os desequilíbrios de género.

O facto de a Unbabel querer criar uma internet mais inclusiva passa por aí?

Eu acho que passa por criar algorítimos que tenham isso em consideração. E isso significa, por exemplo, ter iniciativas que permitam um balance de dados, ou seja, há toda área de IA que é a criação de dados artificiais. Um exemplo mais simples talvez seja o Alfa Go, que foi ensinado a jogar jogos que existiam e depois começou a jogar jogos contra ele próprio, que não existiam, eram artificiais. A criação de dados artificiais permite aumentar drasticamente o número de dados disponíveis, mas também permite o controlo da criação de dados.

Mas estes dados não são criados por humanos…

A criação de dados sintéticos para haver data sets que sejam balanced é um dos exemplos. Outro é pensar em algoritmos e nas consequências éticas, de como é que se pode ter uma atitude responsável em relação aos algoritmos que estamos a criar. Estamos neste momento no início de criar ferramentas que são super poderosas e que vão ter um impacto muito positivo no mundo, mas também é o momento certo para pensar como é que essas ferramentas e tecnologias podem ser criadas de maneira a que esse impacto seja positivo. Há uma tendência desde o início do mundo até agora, que é o da criar uma democratização no acesso a certas capacidades. Na II Guerra Mundial era preciso um departamento de Estado para criar um campanha de desinformação e recentemente tivemos o Cambridge Analytica, em que meia dúzia de pessoas conseguem fazer o mesmo. E daqui a 2, 5 ou 10 anos vamos ter essas capacidade numa só pessoa porque as ferramentas vão estar ali. Vai haver cada vez mais o potencial para o positivo e para o negativo. Esta é altura de pensar como é que se consegue criar as frameworks no sentido em que a tecnologia seja iminiminamente positiva, neste caso a Inteligência Artificial, que tem um potencial enorme. Portanto, é um projecto em que estamos muito entusiasmados.

Comparando a Europa e os Estados Unidos, o que se destaca é a disposição americana para arriscar e a celeridade com o que o faz…

E a da China é ainda muito maior. A primeira vez que eu fui à China foi há seis ou sete anos. A velocidade de evolução da tecnologia chinesa é verdadeiramente impressionante porque não têm uma série de considerações éticas. Nos EUA, felizmente, isso não acontece porque há mais checks and balances. O que se nota é que a Europa sempre foi capaz de produzir cientistas incríveis. A revolução industrial começou em Inglaterra e há de facto uma capacidade da Europa em desenvolver Ciência. Mas estamos a começar a ver uma mudança e Lisboa, do ponto de vista do ecossistema de startups e temos também a Fundação Champalimaud, por exemplo. Há uma série de iniciativas e isso nota-se. Mas devia haver mais empresas europeias no top ten das maiores do mundo.

E quanto à regulação?

A regulação tem, por um lado, a vantagem de proteger uma série de coisas, mas também a desvantagem de sufocar o desenvolvimento. E este tipo de balance é complicado. A Europa tem tido uma maior tendência para a proteção e, com isso, tende a sufocar a inovação. Mas traz outras vantagens, dado que a proteção de dados pessoais é mais forte na Europa. A tecnologia evolui de uma maneira exponencial e o nosso cérebro não funciona de maneira exponencial. Até que ponto vai ser possível legislar algo que anda tão rápido como a tecnologia? Por isso é tão importante um centro de responsible IA, para que não haja um efeito negativo da tecnologia que está a ser criada.

O que a Unbabel precisa para ser uma empresa global de topo?

Tempo. Eu acho que a Unbabel está a liderar esta viagem, mas precisa que não haja demasiadas catástrofes. Necessitamos de continuar o caminho que estamos a fazer, a investir, a atrair as pessoas certas e ser relentless na nossa execução.

Que tipo de perfis atraem para a empresa?

A competição é desenfreada. Nós contratamos todo o tipo de perfis, desde research, programação, vendas, marketing ou operações a todos os níveis. O que vimos foi que um dos efeitos da pandemia e de todo o move to remote work é que o top 1% of talent tem sempre oportunidades globais. Antigamente, o conceito era o de que em Portugal tínhamos acesso ao melhor talento português e que ainda ninguém mais descobriu. Isso desapareceu. Por outro lado, também temos cada vez mais talento de fora a mudar-se para Lisboa, porque a cidade está a tornar-se um sítio super interessante para se viver e para se trabalhar. Temos pelo menos 100 nacionalidades. Quando a Unbabel começou era muito difícil encontrar em Portugal pessoas com experiência de liderança de uma empresa em rápido crescimento. Neste momento, estamos a contratar uma pessoa para liderar a equipa de engenharia e os candidatos que estamos a considerar são todos os portugueses porque têm perfil para isso. Isso é altamente positivo. Cada vez vai ser menos necessário ir buscar pessoas a outros lados porque não encontramos em Portugal.

Qual é o plano para o próximo ano?

Continuar a crescer e comprar empresas. A primeira foi um teste e, se funcionar, porque não escalar? A nossa tese a esse nível é olhar para o mercado tradicional de tradução e ver empresas que têm clientes há 10 ou 20 anos e que foram crescendo. No geral, estamos sempre atentos e à procura de empresas no mercado de tradução. Neste momento, temos vários targets em análise, incluindo em Portugal.

Equacionam uma nova ronda de investimento?

Sim, equacionamos, mas acho que tem de ser no momento certo. O investimento da Unbabel não é para a subsistência da empresa. É do ponto de vista de aceleração a nível de estratégico. Temos de ir ao mercado levantar capital para poder executar essas aquisições.

Que resultados vão apresentar no final deste ano?

O nosso plano era continuar o veículo de crescimento a 100%.

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