“A liberdade de poder viver diferentes experiências é aquilo que nos expõe ao desconforto e ao desafio”: Daniela Simões, CEO da miio

Daniela Simões é CEO da miio, empresa de mobilidade eléctrica que tem como principal objectivo simplificar e facilitar a utilização e o carregamento de carros eléctricos. Em 2019, com apenas 23 anos, co-fundou a empresa com Rafael Ferreira, enquanto era estudante de Engenharia de Computadores e Telemática pela Universidade de Aveiro. Desde então, tem-se focado na gestão, desenvolvimento de produtos, parcerias estratégicas, comunicação e internacionalização da miio que, além de Portugal, já está presente em Espanha e em França. O seu compromisso em ultrapassar os limites do que é possível neste cenário impulsionado pela tecnologia não passou despercebido e, aos 27 anos, conquistou um lugar na prestigiada lista portuguesa Forbes 30 Under 30.

O que diz daniela…
A liberdade de poder viver diferentes experiências, em contextos, companhias e geografias diferentes é aquilo que a expõe ao desconforto e ao desafio

Quando surgiu a ideia de criar a miio?
A miio nasceu de uma necessidade pessoal dos dois fundadores. Em 2018, quando estudava Engenharia de Computadores e Telemática na Universidade de Aveiro com o co-fundador da miio, o Rafael Ferreira, ambos conduzíamos veículos eléctricos e tínhamos um problema constante: não se percebia nada. Nem onde é que se podia carregar, nem quanto é que ia custar, ou, até mesmo, porque é que um carregador era mais rápido que outro e o que é que financeiramente fazia mais sentido.
A miio veio resolver esta complexidade ao mercado e, como sempre foi muito próxima da comunidade e muito transparente, não foi muito difícil ganhar a confiança dos utilizadores: tinham as mesmas dores e queriam as mesmas soluções.
A nossa comunidade costuma dizer que a mobilidade eléctrica em Portugal tem duas eras: pré e pós-miio, precisamente porque a miio transformou um mercado que sofria de muita ansiedade por não saber como ou onde carregar, nem quanto iam pagar, para uma época em que não só toda a informação está à distância de um clique, mas também têm sugestões do que é melhor para o seu veículo.
No fundo, podemos afirmar que a miio fez um caminho de firsts desde que nasceu, como, por exemplo: foi a primeira empresa a permitir calcular o preço de carregamento antecipadamente, a ser possível carregar em todos os postos apenas com um smartphone, a permitir que estrangeiros conseguissem carregar o seu carro em Portugal através dos carregamentos adhoc (sem contracto) e a classificar toda a rede nacional, para que se dê preferência a carregadores com melhor qualificação.

Em que consiste o projecto?
A miio é uma empresa portuguesa dedicada a simplificar a mobilidade eléctrica. Oferece soluções de carregamento para
veículos eléctricos, para consumidores finais e empresas, baseadas na simplicidade, transparência e credibilidade. Em 2022, demos os primeiros passos na internacionalização, com a entrada nos mercados espanhol e francês. Hoje, contamos com uma comunidade de utilizadores de veículos eléctricos, nos três países, superior a 300 mil utilizadores, uma comunidade que representa cerca de 70% do mercado português de utilizadores de veículos eléctricos e plug-in.

Como foi o seu percurso profissional/académico até chegar a este momento?
Sobre o percurso académico, conto com um mestrado em Engenharia de Computadores e Telemática pela Universidade de Aveiro (2019), com várias bolsas de investigação nesse mesmo percurso. Ainda enquanto terminava a dissertação, co-fundei a miio, que foi (e é) a minha primeira experiência profissional.
Sou, actualmente, CEO e co-fundadora da miio, tendo como principal foco na gestão, desenvolvimento de produtos, parcerias estratégicas, internacionalização e comunicação, com o objectivo principal de impulsionar a inovação e crescimento desta empresa pioneira na mobilidade eléctrica.

Liberdade, competição, criatividade ou cooperação. O que considera ser mais importante para o trabalho de um empreendedor?
Verdadeiramente, todos até porque não são exclusivos. A liberdade de poder viver diferentes experiências, em contextos, companhias e geografias diferentes é aquilo que nos expõe ao desconforto e ao desafio. É aí que a criatividade começa a fazer a diferença, o nosso cérebro começa a pensar “não era incrível que houvesse isto, como solução a este problema?”. Depois disso, há que encontrar as pessoas, os parceiros, os mentores, os investidores… E isso tudo requer uma dose de colaboração, comunicação e interacção brutal. Há que compreender que é muito mais difícil e lento fazer o caminho sozinho. E, por último, a competição… Que é tão saudável! Sabermos que há outras mentes a tentar resolver o mesmo problema que nós, a tentar alcançar o mercado em primeiro, às vezes até com mais recursos, é uma fonte incrível de motivação para melhorar a nossa oferta de valor ao mercado.
Por isso, verdadeiramente, não acredito que um empreendedor possa ser completo sem ser livre, competitivo, criativo e cooperante.

Que principal diferença encontra entre a realidade portuguesa e a do estrangeiro relativamente ao empreendedorismo?
Portugal é um país incrível que forma os jovens, que investe na educação e qualidade do ensino, nos institutos de investigação nas áreas da tecnologia e incubadoras. No entanto, na minha opinião, o actual panorama fiscal do nosso País impede que se colham os frutos desse primeiro investimento na formação, sendo urgente que se actue nesta área. As empresas não têm um verdadeiro incentivo para progredir os seus funcionários, mudando o foco do nosso País para lutar por um salário mínimo e não um salário médio. Obviamente, Portugal não será caso único no que diz respeito à carga fiscal incomportável, mas contamos também com uma realidade inescapável: somos um país de pequena dimensão, logo, se queremos escalar o negócio, temos de olhar além-fronteiras.
Quando andamos um bocadinho para o lado, passamos de 11 milhões de pessoas para mais de 45 milhões de pessoas – portanto, o mercado potencial quadruplica de tamanho. Um país com maior dimensão, mais acessos e também mais consumo interno, que recebe eventos, conferências e, consequentemente, pessoas que vale a pena parar para ouvir ou conhecer. Torna-se então mais fácil dar a marca a conhecer e encontrar outros empreendedores que, tal como Portugal mas numa escala de maior dimensão, têm imenso a ensinar, criando sinergias e facilitando a geração de valor. 

Enquanto empreendedora qual é o seu principal sonho?
Enquanto empreendedora, o meu principal sonho é melhorar a vida das pessoas que consigo alcançar. Seja pelo produto inovador que criamos, que permite aos nossos clientes viajarem com mais tranquilidade e aderirem a uma mobilidade mais sustentável, seja pela equipa incrível que se juntou a nós neste percurso de geração de valor ou até, simplesmente, através da participação em palestras onde dou o meu testemunho e tenho a oportunidade de motivar alguém, de certa forma.
Venho de uma aldeia muito pequena, com baixas probabilidades de poder ser ou ter algo diferente do status quo, sem grande capacidade financeira e sem exemplos do que seria gerir qualquer tipo de negócio. Por isso, prezo muito poder partilhar a minha verdade, poder mostrar-me aos outros de uma forma honesta e falar sobre como é o percurso empreendedor: desmanchar ideias e preconceitos sobre quem, quando e como se pode criar. Remover a pressão de ter tudo planeado ao milímetro e a sensação de estar finalmente pronto – que nunca chega. Mostrar aos outros que os empreendedores são pessoas como todas as outras, que decidiram, simplesmente, aceitar o risco e a incerteza de poder falhar.
Em última instância, quero deixar o mundo e as vidas que se cruzam comigo, 1% melhores.

Como é o seu dia-a-dia de trabalho em Madrid?
Madrid tem fomentado muitas oportunidades para conhecer e estabelecer parcerias, aumentar o foco na expansão internacional e interligar-me com outros empreendedores na área da mobilidade eléctrica. Madrid tem sido um verdadeiro hub de networking que traz resultados tangíveis.
Além disso, o meu dia-a-dia de trabalho não mudou muito, já que trabalhamos de forma remota. De uma forma específica, desperto pelas 7h e até às 8h dedico-me à logística da minha vida pessoal: tomo café, passeio os cães e preparo-me para o dia. As minhas primeiras tarefas são sempre responder a emails urgentes e verificar as métricas do dia anterior; em dias mais corridos e repletos de reuniões, trabalho a partir de casa; já em dias em que o trabalho é mais criativo ou estratégico, gosto de trabalhar numa Coffee Shop destinada (também) a quem trabalha remotamente, com as comodidades adequadas.  Tenho cerca de 2h a 3h reservadas, semanalmente, para conseguir conhecer empreendedores, parceiros, clientes empresariais ou simplesmente rever alguns empresários do ecossistema que tanto me acrescentam – estes eventos adicionam alguma aleatoriedade na minha agenda e rompem com a tipicidade dos meus dias. A mais disto, entrevistas, reuniões presenciais, mesas redondas e palestras também fazem parte das minhas semanas, por vezes desloco-me a Portugal e mais recentemente, comecei a receber convites para eventos em Madrid, que estou a aceitar com todo o gosto e orgulho!
Trabalho até às 18h e depois é hora de fazer desporto, cuidar da casa, dar atenção e amor à família e aos amigos, voltar a passear os cães e descansar. 

Que conselhos pode dar a quem gostaria de criar um negócio próprio?
Não existem fórmulas mágicas e o mais importante é começar. É um caminho difícil que não se consegue prever a longo prazo, depende da equipa que se cria, da capacidade de captar investimento, de quem são esses investidores e se são dedicados ao dia-a-dia dos fundadores e da empresa… No fundo, há tantas variáveis que quem começa com o seu próprio negócio não consegue prever ou controlar, que é muito fácil ficar paralisado com o medo de falhar. Mas a verdade é que os empreendedores são apenas pessoas que decidiram tolerar o risco de poder falhar publicamente, aceitaram o facto de que não sabem tudo e… começaram. 

Estando agora mais longe de Portugal, como “mata” saudades do nosso País?
Viajo até Portugal em trabalho algumas vezes e viajo mais esporadicamente a título pessoal. Os dias mais festivos são passados com a família, alguns amigos também vêm conhecer Madrid e de resto, usamos a tecnologia para nos sentirmos perto. Fazemos vídeo-chamadas, enviamos áudios e mantemo-nos em contacto pelas redes sociais. 

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