5G: «Uma tecnologia fantástica onde a única inibição é a nossa imaginação»

Em que consiste o 5G? Pedro Tavares (PT):

O 5G é a evolução natural do 4G no contexto das comunicações móveis. No entanto, mais do que uma evolução, é uma verdadeira disrupção face à sua antecessora, e aí reside a grande novidade. Estas novas redes móveis trarão um conjunto de funcionalidades e características inovadoras, diferentes e nunca antes vistas que irão proporcionar uma série de novos user cases no mercado financeiro e noutras indústrias. Assim, o 5G deve ser visto como uma tecnologia móvel, cross sector, que vai permitir alavancar novos serviços.

E o que traz o 5G de novo? A capacidade de transferir enormes quantidades de informação – 10 a 100 vezes superior quando comparada com o 4G, naturalmente dependente da quantidade de espectro disponível e das condições de cobertura. Traz ainda a capacidade de gerir dispositivos da Internet of Things (IoT). Na prática, o 5G está preparado para perceber que protocolos utilizar para dispositivos altamente consumidores de energia, como smartphones, ou outros dirigidos a dispositivos, como sensores que não gastam muita energia.

Outro aspecto muito importante quando se fala de 5G é a latência que, em termos simples, se refere ao imediatismo com que a informação chega de um lado ao outro. No 5G a latência é muito menor do que no 4G, , estando a rede desenhada para entregar valores próximos de 1 ms em situações óptimas. Isto, no mercado financeiro, será um grande upgrade para o trading, por exemplo, que faz uso desta característica das comunicações.

Outro aspecto ainda é a capacidade do 5G proporcionar customer experience com recurso a videoconferência e realidade aumentada, tecnologias que hoje estão bem desenvolvidas nas redes fixas, onde a latência está muito controlada, mas que encontram dificuldades nas redes móveis.

Por fim, mas não menos importante, a segurança é uma característica muito relevante do 5G. Sendo uma rede em cloud, tem os seus elementos maioritariamente virtualizados a residir na cloud do operador. Desde o início isto levantou temas associados à segurança e, por isso, o 5G traz mecanismos de encriptação desenvolvidos de raiz para acomodar todos os requisitos de segurança que o mercado exige.

De que forma o 5G vai contribuir para a transformação do sector financeiro? PT:

Antes de mais, o 5G vai transformar o sector financeiro no que diz respeito à interface com o cliente, que será melhorada. Haverá grandes inovações. O facto de termos grandes velocidades, muito baixa latência e melhor gestão de energia vai permitir melhorar em muito a interface do cliente.

Num outro ângulo, que tipicamente não é explorado, o 5G vai transformar este sector também no que diz respeito às operações internas dos bancos e das companhias de seguros. Até ao momento, praticamente a totalidade do sector utiliza internamente redes cabladas – o Wi-Fi não é uma tecnologia muito usada para operações core de um banco. Algumas tecnologias vêm convidar a uma disrupção nesta matéria. Uma é o Wi-Fi 6, que promete trazer 10 GB/s de largura de banda, o que é muito superior àquilo que temos hoje. A outra é, logicamente, o 5G, que traz todas as características de que já falámos para as operações core dos bancos e das companhias de seguros.

Temos verificado que os decisores estão atentos ao 5G e percebem o que está em causa em termos de eficiência, redução de custos e segurança. Neste momento, o ainda problema está nos equipamentos terminais. Ainda não temos terminais preparados para o 5G, nem equipamentos de rede com esta interface.

Nuno Carvalho (NC): A competitividade que se verifica no sector financeiro é outra questão, porque o que está a acontecer a nível internacional e também em Portugal é um processo de transformação digital com impacto nos clientes finais, mas também nas próprias organizações. Existe um cuidado extremo, da parte dos bancos, para se identificar os factores de diferenciação que os distinguirão da sua concorrência, e isso faz com que os serviços se tornem mais eficientes e distintos. Os bancos estão, por isso, muito atentos a todas estas evoluções tecnológicas, para que no momento certo possam estar a responder mais eficazmente àquilo que são as necessidades do mercado.

De que forma o sector financeiro está a preparar-se para esta revolução?

PT: Por um lado, o sector está muito atento ao desenvolvimento do 5G e quer realmente que tudo isto aconteça. Por isso, está a preparar-se para que a introdução desta tecnologia venha a revolucionar o negócio. O sector financeiro, em particular, já percebeu que o 5G traz a oportunidade de lançar novos serviços relacionados com customer experience, banco remoto e muitas outras inovações. Há uma série de serviços que este sector já percebeu que pode trazer no futuro, mas que hoje não consegue sair do imaginário dos decisores porque não há tecnologia apropriada.

Com o 5G a ideia de banco remoto vai mesmo tornar-se uma realidade?

PT: Não só o banco remoto será possível, como também o banco transportável será uma realidade. O banco poderá ser remoto no sentido de podermos colocar uma agência algures numa localização mais distante dos centros urbanos, mas sempre com algum carácter fixo. No entanto, o 5G vai permitir fazer mais e trazer para a equação a componente “transportável”. E transportável para onde? Para eventos, por exemplo. Por que não ter uma agência num evento, num espectáculo, nos downtowns das cidades, em centros comerciais? A presença de uma agência pode fazer sentido num dia e não no outro, e quando o banco é transportável, isso não é um problema, porque estamos cobertos do ponto de vista de latência, da capacidade de comunicar com o hub central e da segurança.

Mas o 5G vai trazer ainda outra coisa associada ao remoto e ao transportável, que é a capacidade de escoar elevadíssimos volumes de tráfego. Assim, podemos começar a imaginar ter do outro lado não alguém que nos atenda, mas sim um robô em permanente comunicação com os sistemas centrais. Se adicionarmos a isto a capacidade de videoconferência e realidade aumentada, estamos num contexto de customer experience, onde nunca estivemos. Entramos num mundo fantástico, onde a única inibição é a nossa imaginação.

A personalização tem sido uma ambição para o sector bancário. O 5G vai tornar os serviços bancários mais ajustados a cada cliente?

PT: Personalizar significa termos a possibilidade não só de recolher informação, de preferência em real-time, mas também de a processar e devolver ao cliente. Tudo isto exige, uma vez mais, a velocidade incrivelmente alta e a latência incrivelmente baixa que só o 5G nos dá. A personalização é possível, mas há uma jornada a percorrer. E desde logo surgem questões como a privacidade, que apresenta alguns limites que têm de ser respeitados. Atravessada essa jornada, entramos num contexto em que o marketing pode ser direccionado não a um segmento, mas a cada cliente. E podemos fazê-lo de forma georreferenciada. Estar perto de um banco e ser possível, por exemplo, que o banco perceba que colocámos no Waze a sua morada, a que distância estamos, e, com base nesta informação, recebermos no smartphone uma senha de atendimento para quando chegarmos fisicamente ao banco. Se o atendimento atrasar, o banco pode ainda ser capaz de enviar para o cliente um folheto de informações, um teaser ou qualquer coisa antes mesmo de chegar ao banco. Em telecomunicaçõesjá se fazem algumas destas acções, mas com as limitações do 4G.

Por outro lado, o sector dos seguros tem menos contacto com os clientes porque, enquanto está tudo bem, não existe a necessidade de falar com a seguradora. O que trará o 5G de novo para colocar seguradoras e clientes a falar uns com os outros?

NC: A necessidade de contacto com as seguradoras não é tão frequente como com os bancos, mas, quando é preciso, a resposta tem de ser muito rápida e eficiente. Quando se dá um sinistro e a pessoa está em pânico é preciso rapidamente desbloquear o acesso a várias entidades, como a polícia, os bombeiros, o INEM, o hospital… A adversidade é muito grande e mesmo depois de todo o processo de peritagem, este é sempre um processo delicado. Neste sentido, as companhias de seguros estão a fazer investimentos significativos.

Este sector está também a incorporar serviços num ecossistema mais diversificado, para que a sua oferta seja mais rica. Posso ter um seguro multirriscos, e no momento em que o faço posso ter logo uma integração bastante mais intensa e respeitando todos estes novos paradigmas de facilidade e de tempo muito mais célere no contacto, em que temos um serviço perfeitamente integrado. Para que isso aconteça é necessária uma velocidade mais elevada. O sector está a transformar-se para deixar de ser algo a que se recorre apenas como última instância. As próprias seguradoras querem ir mais longe e ser mais proactivas para captarem a atenção do cliente e se diferenciarem face à concorrência.

PT: O grande game changer será quando em situações de elevadíssimo stress – um acidente, um incêndio, etc. – a interacção no momento da verdade for feita de uma forma interactiva, sem interrupções, com qualidade, tipicamente com a utilização de videoconferência ou realidade aumentada, e isto só é possível com mais velocidade e menos latência. Numa situação de sinistro no trânsito, hoje andamos à procura do número de telefone e do lado lá temos uma gravação com 50 opções. Isto pode evoluir para uma situação em que se carrega num botão ou um número qualquer previamente identificado e do lado de lá temos não só os instrumentos para resolver o problema, mas também um rosto que nos tranquiliza e ajuda. Isso será um grande avanço face ao que temos hoje, já para não falar de todo o tipo de integrações que podemos imaginar fazer, como preenchimento de formulários, declarações amigáveis, etc.

Fala-se muito de dispositivos wearable que irão permitir uma autenticação biométrica e multilevel nos serviços bancários. O 5G vai acabar de vez com o conceito de password?

PT: Sim, percebemos que a password, conforme a conhecemos, tem os dias contados. Mas existem outros tipos de password, que têm vindo a ser implementados e que irão vingar. Aqui não se trata de disponibilizar mais velocidade, mas de nos autenticarmos de forma diferente junto das entidades bancárias. Já existem apps que não utilizam password, fazendo a autenticação pela íris, por exemplo. Também já existem pagamentos sem recurso a PIN. Portanto, a resposta é sim, a password tem os dias contados, mas ainda demorará algum tempo até que essa desmaterialização seja total.

Quais os grandes ganhos para o consumidor – além da segurança e da maior mobilidade dos serviços financeiros?

PT: Os grandes ganhos para o consumidor vão registar-se a nível da experiência no contacto com as entidades financeiras. No customer experience teremos o remote e o transportable banking, que hoje já vai sendo uma realidade, ainda que tímida; e toda a experiência que se consegue tendo videoconferência e realidade aumentada na disponibilização dos serviços. A situação de trânsito, no sector dos seguros, é um caso paradigmático de como a experiência pode ser diferente. A menor latência vai também permitir muito mais eficiência no sector do trading, por exemplo.

 

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