25 de Abril? Celebração conjunta de Portugal com ex-colónias faz sentido

O ex-Presidente cabo-verdiano Pedro Pires diz que faz sentido Portugal celebrar o 25 de Abril com as antigas colónias e lembrou que graças à revolução saiu da guerra na Guiné para a assinatura dos acordos de independência.

Dias antes da revolução, tinha escrito num relatório que algo estava para acontecer, recorda, 50 anos depois, numa entrevista à Lusa, em sua casa, na Praia, capital de Cabo Verde.

Era dirigente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e, ao mesmo tempo, membro do Governo guineense (com funções para Cabo Verde), após a declaração unilateral de independência face a Portugal, em setembro de 1973.

Para o antigo primeiro-ministro e Presidente cabo-verdiano, que tem quase 90 anos, o 25 de Abril “não foi surpresa”, tendo em conta a “crise do regime” e as derrotas militares em Guilege, Gadamael e Guidaje, no teatro operacional guineense.

O contexto estava descrito num relatório escrito por Pedro Pires, dias antes do 25 de Abril, a pedido de Aristides Pereira, secretário-geral do PAIGC (que viria a ser o primeiro chefe de Estado cabo-verdiano), ao preparar uma viagem a Moscovo para tratamento médico, mas que podia incluir contactos com militares soviéticos para reforço de armamento.

Pedro Pires terminava o documento de forma premonitória: “qualquer coisa de muito grave irá acontecer em Portugal”.

E aconteceu: “Aristides Pereira regressou [de Moscovo] a 26 de abril, para Conacri, sem poder fazer o tratamento, porque achou que as mudanças eram tais que era preciso estar no seu lugar”, relata.

Passados 50 anos, os países lusófonos são convidados para a celebração na Assembleia da República, em Lisboa, uma “comemoração conjunta que faz sentido”, diz Pedro Pires, porque todas as histórias “têm vários protagonistas” e esta é uma delas.

“O 25 de Abril é produto da derrota na guerra colonial” e do “descalabro a que levou a economia portuguesa”, além do impacto militar e social, refere.

As colónias são protagonistas desta história, mas não só, diz, revelando interesse por “um facto que não tem sido trabalhado: a resistência do povo português à guerra colonial e ao regime” e até o papel dos desertores.

Semanas depois do 25 de Abril de 1974, Pedro Pires liderou comitivas que negociaram as independências guineense e cabo-verdiana com Portugal, num mundo tenso, em que a informação passava a conta-gotas, longe da comunicação instantânea de hoje.

“Nós fomos com a lição estudada”, conta, recordando um dos palcos das negociações, Argel, em agosto de 1974.

“A delegação portuguesa tinha a sua embaixada, tinha um telefone secreto. Nós não tínhamos telefone, mas utilizávamos mensagens criptografadas”, por telegrama, ou seja, “havia comunicação, mas não era rápida”.

Ao rever as negociações, faz uma avaliação perentória: “No quadro das possibilidades, considero que fizemos o melhor. Em relação ao resto, o fundamental na vida é sermos sinceros e honestos”, de modo a que os erros não sejam crime, diz.

“A delegação portuguesa também trabalhava no quadro da possibilidade e do contexto”, refere, porque olhar em retrospetiva é fácil, mas “não se podia exigir a alguém que trabalhasse fora do contexto”.

Pedro Pires diz enquadrar-se numa geração que “cumpriu o seu papel”.

“Mas não podemos cumprir o papel da geração seguinte e um dos problemas mais complicados que tem havido é a transição de gerações”, da mesma forma “que é complexa a transição de governo e de regime”, diz, acrescentando que hoje se exige a cada cidadão um “espírito crítico” face a tanta informação dispersa por meios digitais.

“Há um antes e depois do 25 de Abril, é um momento de corte político. É uma autêntica revolução, que ultrapassa a ideia de golpe de estado” e em que Portugal ultramarino começa a transformar-se num Portugal europeu, diz.

Mas, “será que a Europa está numa fase de transição de sociedade, de valores”, questiona, apontando para o crescimento de partidos de extrema-direita.

“E quais são as causas”, pergunta logo a seguir, lançando um apelo: “é preciso compreender”, porque risco de regressões e alterações “há sempre” e “nada é eterno”.

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