17 páginas, várias condições: o acordo secreto que podia ter terminado com a guerra na Ucrânia em 2022
Um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia esteve à beira de ser assinado poucas semanas após o início da invasão russa à Ucrânia, revelou a Die Welt, com referência a um documento de 17 páginas a que teve acesso.
Datado de 15 de abril de 2022, o documento delineava as condições para o fim da guerra, com destaque para a demanda russa de neutralidade por parte da Ucrânia e um limite para o número de tropas, armas, equipamentos e aeronaves. Além disso, as terras então ocupadas permaneceriam sob controlo russo.
De acordo com fontes da Die Welt, apenas alguns pontos permaneceram em discussão e estavam destinados a serem debatidos pessoalmente pelo líder russo Vladimir Putin e o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy numa cúpula, o que nunca aconteceu.
O tratado previa que a Ucrânia se comprometesse com a “neutralidade permanente”, renunciando assim a qualquer filiação em alianças militares, o que automaticamente descartaria a possibilidade de adesão à Nato. Segundo o documento, a Ucrânia também teria de concordar em nunca “receber, produzir ou adquirir” armas nucleares, em não permitir a entrada de armamentos e tropas estrangeiras no país, bem como em não conceder acesso à sua infraestrutura militar, incluindo aeródromos e portos marítimos, a qualquer outro país.
Por sua vez, a Rússia prometia não atacar novamente a Ucrânia, concordando que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia – poderiam fornecer garantias de segurança abrangentes ao país ucraniano. Esta assistência, conforme estipulado no artigo 5 do tratado, seria acionada em caso de “ataque armado à Ucrânia”, com os países garantes obrigados a prestar apoio ao direito de autodefesa de Kiev, dentro de um prazo máximo de três dias.
No entanto, o acordo ainda enfrentava obstáculos significativos. Um ponto de contenda era a exclusão da Crimeia e do porto de Sebastopol das garantias de segurança, praticamente cedendo o controlo da península à Rússia. Havia ainda desacordo sobre as áreas do leste da Ucrânia que seriam excluídas das garantias dos estados signatários.
Outro ponto sensível era a dimensão das forças armadas ucranianas no futuro. Enquanto Moscovo exigia uma redução para 85.000 soldados, Kiev propunha um número de 250.000. Opiniões divergiam também quanto ao número de equipamentos militares, com números substancialmente discrepantes em relação a tanques, veículos blindados, artilharia, sistemas de lançamento de foguetes e aeronaves.
Apesar da proximidade de um acordo, a Die Welt observou que o tratado enfrentou um impasse após exigências adicionais de Moscovo, que incluíam a adoção do russo como segunda língua oficial na Ucrânia, a suspensão de sanções mútuas e processos judiciais em tribunais internacionais, além da proibição do “fascismo, nazismo e nacionalismo agressivo” no país.
Davyd Arakhamiia, membro da delegação ucraniana, sugeriu em novembro de 2023 que a recusa do Reino Unido em negociar com Putin, além de outras razões, pode ter contribuído para o fracasso do acordo. A Die Welt cita uma visita do então primeiro-ministro britânico Boris Johnson a Kiev em 9 de abril de 2022, onde declarou que Londres “não assinaria nada” com Putin e que a Ucrânia deveria continuar a lutar, uma declaração posteriormente negada por Johnson.
Concluindo, a Die Welt observa que o documento do tratado revela quão próximo a Rússia e a Ucrânia estiveram de um acordo de paz em abril de 2022. Mesmo após mais de dois anos de guerra em larga escala, o acordo ainda é considerado favorável, especialmente considerando o contexto em que a Ucrânia estava na altura, numa posição mais forte nas negociações.