13 de fevereiro de 2023: Portugal fica em choque com o número de vítimas de abusos sexuais na Igreja. Um ano depois, o que mudou?

Um ano volvido dos números chocantes apresentados pela comissão que investigou os abusos sexuais pela Igreja Católica, o que mudou? A realidade para a qual o país foi ‘obrigado’ a olhar, um fenómeno que era impossível de ignorar e que, desde então, registou estes momentos marcantes:

13 de fevereiro de 2023: uma comissão independente nomeada pela Igreja, sob a coordenação de Pedro Strecht, traçava uma realidade muito dura e esquecida sobre os abusos sexuais perpetrados pela Igreja Católica. O número de vítimas seria de pelo menos 4.815 pessoas abusadas entre 1950 e 2022, apontou a comissão, salientando que era uma projeção feita a partir de 512 testemunhos válidos. Foram entregues ao Ministério Público 25 casos, que até agora não resultaram em qualquer acusação criminal.

A comissão denunciou ainda que 77% dos agressores eram padres, que abusavam uma maioria de vítimas do sexo masculino, ainda que haja, também, um número “importante” de vítimas do sexo feminino (52% e 47%, respetivamente). Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria foram os distritos onde se registaram mais casos, sendo que há “verdadeiras zonas negras” no país, como “certos seminários ou instituições religiosas” – os crimes ocorreram sobretudo em seminários, colégios internos, instituições de acolhimento, confessionários, casas do padre e também no exterior, tais como agrupamentos de escuteiros.

O psiquiatra Daniel Sampaio lançou um alerta. “Existe um problema geral de abuso sexual” em Portugal, revelou. E o país não voltou a ser o mesmo, depois de serem conhecidos relatos chocantes das vítimas.

D. José Ornelas, presidente da Comissão Episcopal Portuguesa, pediu “perdão a todas as vítimas”, deixando uma palavra “às que ainda vivem com a dor”. “O vosso testemunho é para nos um alerta e um pedido de ajuda, a que não podemos ficar surdos. Temos consciência de que nada pode reparar o sofrimento e humilhação, provocados a vós e vossas famílias”, assumiu o bispo.

14 de março de 2023: o Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reuniu-se em Fátima, com “o ponto da situação sobre os abusos sexuais de menores na Igreja” na ordem de trabalhos. D. José Ornelas admitiu a possibilidade de haver indemnizações às vítimas. “A Igreja não vai recusar a sua responsabilidade”, assumiu, vindo a recuar nas intenções mais tarde.

26 abril de 2023: findo o trabalho da comissão liderada por Pedro Strecht, as denúncias de abusos não pararam, o que motivou, por parte da Igreja Católica, a criação de um organismo de apoio às vítimas de abuso sexual em ambiente eclesiástico para trabalhar em articulação com as Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis.

Denominado Grupo VITA – Grupo de acompanhamento das situações de abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal -, este projeto é liderado pela psicóloga Rute Agulhas e com uma ação com um horizonte temporal de três anos. “Será constituído por uma equipa de profissionais tecnicamente competentes e terá a missão de acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja em Portugal, dando atenção às vítimas e aos agressores”, esclareceu a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), quando anunciou a constituição do Grupo VITA.

Nos primeiros três meses de trabalho do grupo, Rute Agulhas revelou já terem sido recebidas 48 novas denúncias, a maioria das quais foi encaminhada para o Ministério Público.

1 de agosto de 2023: arranca em Lisboa e Oeiras a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), marcada pelos escândalos e revelações das vítimas da Igreja Católica em Portugal. A vinda do Papa Francisco ao país motivou algumas campanhas para alertar para os abusos sexuais. O chefe da Igreja Católica reservou uma manhã na sua agenda para um encontro privado com algumas das vítimas da igreja.

Francisco admitiu existir uma “indiferença para com Deus” e “um progressivo afastamento da prática da fé” nos “países de antiga tradição cristã, atravessados por muitas mudanças sociais e culturais e cada vez mais marcados pelo secularismo”. “Isto acentua-se pela desilusão e pela raiva que alguns nutrem face à Igreja, devido às vezes ao nosso mau testemunho e aos escândalos que desfiguraram o seu rosto e que nos chamam a uma purificação humilde e constante, partindo do grito de sofrimento das vítimas que sempre se devem acolher e escutar”, afirmou o Papa.

12 de dezembro de 2023: o grupo VITA identificou 64 pessoas vítimas de abusos sexuais em contexto eclesiástico nos primeiros seis meses de atividade, sendo que 45 foram sinalizados aos responsáveis eclesiásticos, enquanto em 16 casos a denúncia foi enviada para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e para a Polícia Judiciária (PJ). De acordo com o relatório, a grande maioria (89,7%) das vítimas indicou que o agressor foi um sacerdote, com apenas outras quatro vítimas a apontar um leigo (como um catequista ou um seminarista) como o alegado abusador.

Neste mesmo dia, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu a Associação Coração Silenciado, que representa vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica – o encontro realizou-se dois meses depois de a Coração Silenciado ter manifestado, em carta aberta aos bispos católicos portugueses, “tristeza, desagrado e indignação” pela forma como têm “lidado com o tema dos abusos sexuais na Igreja que conduzem”. Dois dias depois, seria a vez de D. José Ornelas receber a mesma associação.

Em dezembro, indicou a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério Público (MP) tinha abertas 14 investigações sobre alegados abusos sexuais no contexto da Igreja Católica e arquivou outras 26 desde 2022.

12 de fevereiro de 2024: o grupo VITA anunciou que pretende apresentar, ainda este este mês, uma proposta de compensação financeira às vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa. “A CEP solicitou também ao Grupo VITA uma proposta concreta sobre como poderão vir a ser definidos e operacionalizados os processos de reparação financeira, que será apresentada durante o presente mês”, adiantou o grupo coordenado pela psicóloga Rute Agulhas.

O Grupo VITA sublinhou, até à data, ter recebido 71 pedidos de ajuda e realizado 45 atendimentos, realçando que existem 13 pessoas sujeitas a acompanhamento psicológico ou psiquiátrico regular e que outras oito pessoas foram direcionadas para este apoio e estão numa fase inicial do processo.

Ler Mais