11 de Setembro: professor catedrático luso-americano recorda a manhã que mudou os EUA (e o mundo…)

Michael Baum, professor catedrático luso-americano da Faculdade de Ciências Humanas (FCH) da Universidade Católica Portuguesa e doutorado em Ciência Política pela Universidade de Connecticut (EUA), recorda-se bem dessa manhã fatídica de 11 de setembro de 2001.

“Lembro-me perfeitamente, é daqueles dias que qualquer adulto pode dizer com clareza onde estava”, começou por referir o coordenador da licenciatura em Filosofia, Política e Economia da FCH-Católica, em Lisboa.

“Era na altura professor de Ciência Política na Universidade de Massachusetts, Dartmouth, e vivia em Rhode Island, a meia hora do campus. Tinha uma aula que era suposto começar às 9 horas. Saí de casa às 8h15 e estava, como de costume, a ouvir a rádio NPR (‘National Public Radio’). Era um dia lindo, super claro, com temperatura agradável. A meio da viagem, interromperam a emissão por causa de um acidente horrível no World Trade Center, de um avião que se tinha despistado contra as torres”, lembrou o académico.

“Ouvia essa notícia quando cheguei ao campus, e mal cheguei à sala de aula os alunos já tinham ligado a televisão e estávamos todos a olhar as ver as imagens. Estava a deixar a aula começar mais tarde, porque todos olhávamos horrorizados para aquelas cenas de fumo e fogo, quando o segundo avião bateu contra a torre. E já nessa altura toda a gente percebeu que não era acidente. Tive alunos que começaram a chorar, houve alunos que saíram logo da sala de aulas, muitos a olhar para mim para traduzir e explicar o que estávamos a ver. E eu próprio a viver o choque como qualquer outro”, recordou Michael Baum.

“Foi uma manhã para nunca esquecer”, resumiu. “Todos os americanos, nesse dia, sentiram-se tocados. Há um amigo de um amigo, um familiar… quase toda a gente, nas horas e dias que se seguiram, deram conta de que conhecia alguém tocado pelo desastre.”

O 11 de Setembro deixou marcas profundas: a violência do ataque, e o número de mortos, só encontra paralelo na incompreensão americana do mesmo. Michael Baum emprestou, na sua conversa com a ‘Executive Digest’, a sua visão de como os EUA sentiram as ondas de choque.

“Quero ser claro, estou a falar como o cidadão Michael Baum, não falo pela embaixada americana ou pelos Governos dos dois países. Sinto-me numa minoria, era das poucas pessoas que prestava muita atenção à história e à política internacional dos EUA antes do 11 de Setembro. Quer dizer, é o meu trabalho, ensinava política comparada. Obviamente, há muita razão e contextualização que pode ser feita para perceber este tipo de ataque. Muitos americanos ficam chocados com a ideia de como é que alguém nos podia odiar tanto. Havia mesmo muita inocência. Nós somos os ‘good guys’, pensavam”, referiu.

“Mas não há muitos americanos que prestam muita atenção à política estrangeira dos EUA durante a Guerra Fria, por exemplo. Ou a todo o papel que tivemos no Médio Oriente, nas ditaduras da América Latina, muitas vezes com ajuda direta ou indireta dos EUA, durante a competição com a União Soviética.”

“Há muito contexto histórico para perceber porque há pessoas que odeiam os EUA. Eu senti, naquele momento, e nos meses seguintes, muito cuidado em entrar nesse discurso, nessa história, senti que não era o momento certo. É quase como quando morre um familiar e começa-se a dizer ‘uau, mas nós não fomos muito simpáticos para aquela pessoa”.

O ataque ao World Trade Center provocou uma comoção mundial, e sucederam-se mensagens de apoio de todos os quadrantes mundiais, até mesmo de rivais políticos e militares dos americanos – um cenário dificilmente repetível no mundo polarizado do momento. Então, onde se perdeu essa onda de solidariedade?

“A onda de apoio internacional, numa espécie de ‘somos todos Charlie’, ou ‘somos ucranianos’, foi um momento único”, recordou o também administrador da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) após recomendação do Governo português. “Que foi, diria, desperdiçado, desgastado” na guerra com o Afeganistão, “com as políticas robustas de retaliação, que em certo sentido puseram os nossos aliados a pensar sobre a melhor maneira de lidar com a situação.”

“Depois, quando finalmente saímos do Afeganistão e do Iraque, houve muitos americanos que também questionaram se terá sido a melhor decisão”, recordou Michael Baum.

Desde então, o mundo evoluiu. E apesar de o terrorismo islâmico já não fazer manchetes diárias, não deixa de ser uma ameaça presente. Mas há outras…

“Nós temos ameaças bem mais alarmantes agora, como a crise climática, mas são ameaças mais fáceis de empurrar com a barriga. O terrorismo tem a capacidade de focar a nossa atenção duma forma super mediática, durante os dias e meses a seguir. Ocupa todo o nosso espaço mediático, e sendo honestos, nos EUA, há uma frase entre académicos que diz ‘if it bleeds, it leads’. Qualquer notícia sangrenta ocupa o nosso espaço. Enquanto uma coisa mais complexa, menos imediata – falta de água, desertificação, crises dos refugiados ambientais, que estão a chegar às praias da Europa todos os meses – é menos aliciante mediaticamente”, apontou o professor universitário.

Então, onde está a maior ameaça americana? Há académicos que defendem estar no seio americano.

“Há muitas famílias americanas que têm de concordar em discordar para manter uma certa capacidade de conversa. Como qualquer família com diferenças, temos de manter distâncias delas para manter a unidade.”

“Não posso dizer que não tenho os meus próprios medos sobre a direção em que andam os EUA. As eleições de novembro, não se pode dizer que serão o fim da história. Vença quem vencer, é ilusório pensar que tudo vai ficar OK. Há coisas muito mais profundas nos EUA que estão a criar essa polarização que existe. O 11 de Setembro criou uma onda de patriotismo, todos nos sentimos muito americanos. Mas desde então, polarizou-se entre ‘nós’ e ‘eles’ quase sem precedentes”, concluiu o professor. “A polarização não se deveu devido ao 11 de Setembro, mas tem crescido desde então. É uma tendência com raízes de já várias décadas e agora estamos a voltar ao fruto podre dessas tendências.”

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