11 de Setembro: ameaça do terrorismo islâmico ainda perdura e agora bem mais perto. Portugal “deve abrir os olhos”, avisa especialista militar

O 11 de Setembro foi um evento mundial que não deixou ninguém indiferente: o atentado terrorista que abalou o coração dos Estados Unidos levantou ondas de choque em diversos países, incluindo Portugal. Nesse sentido, o tenente-general Marco Serronha, falou em exclusivo à ‘Executive Digest’ sobre os efeitos dos atentados da Al Qaeda, numa perspetiva militar, e deixou um aviso sombrio – o terrorismo internacional está a ganhar força… e às portas de Portugal.

“É preciso abrir os olhos. Em África, é melhor nem falar… é atualmente o ciclo mais ativo do terrorismo radical islâmico, seja com Al Qaeda seja com o Estado Islâmico. Sou das pessoas que acompanha muito a situação em África, que conheço bem, que está perigosíssima e vai ter efeitos, mais cedo ou mais tarde, na Europa, em particular na Europa do Sul”, destacou o especialista militar.

“Está completamente descontrolado o terrorismo no Sahel. Há zonas já controladas pelos grupos terroristas, estão encostados à Argélia, à Líbia, e estão dentro das rotas da imigração ilegal. Há suspeitas que há muita gente a passar [para a Europa]. É evidente que estão ainda muito focados naquela região, onde pretendem criar um califado. Mas, qual foi o problema do Estado Islâmico do Iraque e da Síria? Foi ter uma base territorial. Ora, ali começam a ter, pelo que o Estado Islâmico sente-se à vontade para planear e conduzir ações, que podem vir a ter impacto em termos internacionais. Há o risco de isso acontecer”, referiu.

“Esta guerra israelo-palestiana, quando está mais acesa, produz efeitos colaterais que não têm só a ver com o que passa em Gaza ou no Líbano”, apontou.

No entanto, o tenente-general salientou que “hoje, não só os serviços de informações começaram a funcionar muito melhor, mas também funcionam com os países árabes moderados. Temos um centro multinacional de monitorização na Jordânia, onde nós também estamos, que monitoriza os movimentos de células e até mesmo de lobos solitários, e troca-se muito rapidamente informação sobre isso”.

No entanto, é preciso não esquecer o “número de atentados que são desmontados antes de acontecer, é um número bastante elevado”.

Voltando ao dia 11 de setembro de 2001, que alterações trouxe ao mundo?

“Há um aspeto nas relações internacionais que o 11 de Setembro produziu: uma polarização entre o mundo islâmico e o mundo ocidental. Não há dúvida que o terrorismo da Al Qaeda provoca uma alteração no relacionamento entre o Ocidente e o mundo árabe. De facto, o terrorismo desta natureza, ligados aos movimentos radicais sunitas – neste caso a Al Qaeda – levou a uma desconfiança grande relativamente aos árabes e em termos políticos uma tensão muito grande”, precisou Marco Serronha.

“Em termos de populações ocidentais, seja ele americano, europeu, passaram a ver os árabes com outros olhos a partir do 11 de Setembro.” Em Portugal, no entanto, “não temos comunidades desta natureza assim muito famosas, as que temos são particularmente pacíficas, mas sabemos os problemas que existem noutros países da Europa”.

“É evidente que, passado o choque inicial e percecionando-se onde estava a base da Al Qaeda – e Al Qaeda quer dizer “base’ em árabe -, no Afeganistão, dá-se uma década de intervenções militares dos EUA. Foi o corolário da afirmação mundial dos EUA como potência única. Marca a maior, em termos de duração, operação militar americana e em termos gerais do Ocidente.”

“O 11 de Setembro atira ao coração do mundo ocidental – e em termos de nacionalidades, foram dezenas de pessoas de países diferentes atingidas”, resumiu.

Para Portugal, abriu-se uma ‘janela de oportunidade’, precisou o responsável militar

“Em termos militares, há uma dupla operação no Afeganistão: combate ao terrorismo e mudança de regime, para desarticular a base de operações. E esta transição de um terrorismo muito seletivo para um transnacional acabou por atingir também países na Europa, seja em Inglaterra, Espanha, França…”

“A operação durou praticamente 20 anos, em 2023 foi quando se retiraram os últimos soldados ocidentais. Estiveram mais de 100 mil homens em operações no Afeganistão, a nível em termos de efetivos da NATO. Depois, leva a outras operações no mundo árabe: a segunda guerra no Golfo, no Iraque, depois outra operação que não deu tanto nas vistas, os EUA no Iémen, uma base da Al Qaeda após o Afeganistão – os EUA tiveram uma operação de mais de 10 anos, onde estava instalada uma base poderosa terrorista, que, apesar de ser pouco conhecida, é muito relevante na perspetiva dos árabes -, e daí passou-se para África entre os grupos terroristas mais ativos”, disse o tenente-general.

Em Portugal, sustentou Marco Serronha, “houve uma alteração, que durou muito tempo, que foi o regime dos estados de alerta. Até ao 11 de Setembro, vivíamos com as nossas bases militares num regime chamado ‘Alfa’, medidas normalíssimas de segurança. Mas, de um modo geral nos países da NATO, subiu-se o modo de alerta não só de entidades mas estruturas críticas, nomeadamente bases militares: controlo à entrada dos quartéis, maior segurança em eventos, apesar de o risco de um atentado em Portugal tivesse sido relativamente baixo. Chegámos a estar em estado ‘Charlie’, desceu para ‘Bravo, que se manteve por largos anos”, lembrou.

No entanto, em 2001-2022, “fui comandar um grupo de trabalho que procedeu à reativação dos comandos, que criaram uma unidade que viria a ser projetada no Afeganistão. E há uma alteração que acho muito importante: embora Portugal, do ponto de vista do discurso político dissesse que a operação no Afeganistão era uma missão de paz, toda a gente sabia que era mais do que uma operação de pacificação”.

“E introduziu duas coisas importantes: ir ‘buscar ao baú’ as lições aprendidas na guerra de contra-subversão em África, que era o que se passava no Afeganistão. Portugal, a partir de 2005 – e até 2008 -, no contributo para a ISAF, a missão da NATO no Afeganistão, deu uma unidade de intervenção rápida, uma companhia que atuava em todos os teatros de operações, desde Cabul – a segurança do aeroporto foi muitas vezes entregue a Portugal – até às regiões mais perigosas perto da fronteira do Paquistão, em operações sérias de tiroteio bravio”.

“Isso trouxe a possibilidade de buscar essa doutrina que tinha vindo da guerra de África, que produziu bons resultados, e é onde as unidades portuguesas transpareceram a nível internacional como estando muito bem preparadas para este tipo de conflito – que depois veio a dar origem à participação na República Centro-Africana, que tem a mesma natureza. Quero dizer com isto que Portugal subiu para o topo da visibilidade mundial com a participação deste tipo de operações, da competência dos nossos militares nesta área, e a possibilidade de estarem em ambientes operacionais para manter as suas competências no topo. Exercícios e treino é uma coisa, operações reais é outra. Foi muito elogiada pelas autoridades militares da NATO e pelos demais parceiros com quem trabalhamos”, concluiu o tenente-general.

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