Quase dez anos depois de terem sido apresentados na Assembleia da República os primeiros projetos destinados a regular a representação de interesses, o Parlamento deverá concluir esta sexta-feira o processo legislativo que faltava para dar forma ao regime português de transparência do lobbying — um dossiê que chegou a enfrentar um veto político do Presidente da República.
Ao longo deste percurso, os diversos textos apresentados pelos partidos foram sendo sucessivamente revistos, aproximando-se gradualmente da solução agora consolidada. Há, contudo, duas exceções: PCP e Bloco de Esquerda mantêm a oposição à regulamentação do lobbying, argumentando que esta legislação acabará por “formalizar o tráfico de influências”. Os restantes partidos — PSD, PS, Chega, IL, Livre, CDS-PP, PAN e JPP — apoiam a criação de um enquadramento legal. A implementação está prevista para ocorrer dentro de um ano.
Em que consiste, afinal, o lobbying?
O lobbying corresponde à atividade de representação legítima de interesses com o objetivo de influenciar, de forma direta ou indireta, a formulação ou execução de políticas públicas, atos legislativos e regulamentares, bem como processos de decisão de entidades públicas. Esta representação pode ser exercida em nome próprio, de grupos específicos ou em representação de terceiros.
A influência poderá ocorrer através de contactos, envio de documentação, organização de eventos, reuniões, conferências ou participação em consultas públicas. Tanto as entidades públicas como os representantes de interesses passarão a ter de cumprir um código de conduta.
Quem pode exercer a atividade?
O lobbying só poderá ser praticado por entidades nacionais ou estrangeiras que se inscrevam no Registo de Transparência da Representação de Interesses (RTRI). Este registo funcionará junto da Assembleia da República, terá caráter público, gratuito e aberto.
O RTRI incluirá automaticamente — sem sujeição aos deveres aplicáveis aos lobbyistas — sindicatos, confederações patronais e outras entidades representadas no Conselho Económico e Social, bem como entidades privadas que tenham obrigação legal ou constitucional de serem ouvidas.
Que entidades públicas ficam abrangidas?
A regulamentação aplica-se a um vasto conjunto de órgãos e serviços, incluindo a Presidência da República (com as Casas Civil e Militar e o gabinete do Presidente), a Assembleia da República (órgãos, serviços, comissões, gabinetes de apoio à Mesa, grupos parlamentares e deputados), o Governo e respetivos gabinetes, os órgãos de governo próprio das regiões autónomas e os gabinetes correspondentes, os representantes da República para as regiões autónomas, a administração direta e indireta do Estado, o Banco de Portugal, entidades administrativas independentes, reguladores, administração autónoma, administração regional e administração autárquica, incluindo gabinetes e entidades intermunicipais.
O que deve constar do RTRI?
As entidades inscritas terão de fornecer um conjunto alargado de informações: nome, objeto social, morada e contactos; identificação dos titulares dos órgãos sociais, capital social e responsável pela atividade de lobbying; lista de clientes, interesses representados e setor de atividade; valores dos rendimentos anuais; e descrição de subsídios ou apoios financeiros provenientes da União Europeia ou de entidades públicas nacionais ou estrangeiras.
O que (e quem) fica excluído deste enquadramento?
Não são consideradas atividades de lobbying os atos exclusivos de advogados e solicitadores no âmbito do mandato forense; a atuação dos parceiros sociais — como sindicatos e organizações patronais — no contexto da concertação social; a resposta a pedidos de informação ou participação feitos de forma direta e individualizada durante a preparação de legislação ou políticas públicas; o exercício do direito de petição; e a apresentação de reclamações, denúncias ou queixas dirigidas a entidades públicas.
Que direitos passam a ter os lobbyistas?
As entidades registadas passam a ter direito a contactar organismos públicos, a aceder a edifícios públicos para exercer a atividade e a ser informadas sobre consultas públicas em curso referentes a matérias legislativas ou regulamentares. O regime não cria qualquer vantagem privilegiada de acesso.
Que obrigações têm as entidades públicas?
As entidades abrangidas ficam obrigadas a divulgar, nos seus sites, pelo menos a cada três meses, todas as reuniões realizadas com entidades inscritas no RTRI, indicando obrigatoriamente a data, o objeto, a matéria tratada e a entidade representada. No caso do Parlamento, essa divulgação terá de ser feita no prazo de um mês.
O que é a pegada legislativa?
A chamada “pegada legislativa” corresponde ao registo de todas as interações ou consultas realizadas durante a fase preparatória de políticas públicas e atos legislativos e regulamentares. Este registo será posteriormente divulgado, permitindo rastrear de forma transparente todas as influências exercidas no processo.
Quais são as sanções previstas?
As entidades, sejam pessoas coletivas ou singulares, podem ser suspensas — total ou parcialmente — do registo ou proibidas de estabelecer contactos institucionais com determinadas entidades por um período até dois anos. Também poderão ser impedidas de participar em processos de consulta pública pelo mesmo período.
Quem está impedido de exercer lobbying?
Não podem exercer esta atividade titulares de órgãos de soberania, cargos políticos ou altos cargos públicos enquanto estiverem em funções. Após cessarem funções, enfrentam ainda uma restrição de três anos durante a qual não podem fazer lobbying junto do organismo, ministério ou entidade onde exerceram funções. As mesmas limitações aplicam-se a titulares de cargos em entidades administrativas independentes ou reguladoras, bem como a membros de gabinetes de apoio a cargos políticos e altos cargos públicos.
Em que modelos se inspirou a legislação?
A arquitetura do regime inspira-se sobretudo nas regras adotadas pelas instituições da União Europeia, designadamente o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia. A Assembleia da República terá de avaliar o impacto da nova legislação ao fim de três anos de vigência.














