Quando a incompatibilidade é um problema

Por Manuel Falcão, director-geral da Nova Expressão – Planeamento de Media e Publicidade

Recentemente, um dos maiores grupos globais de publicidade anunciou que deixaria de participar em consultas para novos contratos que fossem supervisionadas pela Accenture. Esta decisão deve-se ao facto de a Accenture actuar em simultâneo na área da auditoria de investimentos em media e, desde há pouco, também como agência de media na área digital, funcionando como consultora para desenvolver as competências internas dos anunciantes nesta área. O grupo que tomou a decisão, a WPP, não deseja partilhar os seus acordos globais com uma empresa que no fundo é concorrente. Esta questão não é menor e levanta o problema das incompatibilidades entre funções na relação de empresas com os clientes. A metodologia dos auditores de media tem sido tema de debate desde há muito –  os seus indicadores são baseados em dados que não têm em conta o investimento concreto do cliente nem o seu histórico de relação com os diversos media – para citar só algumas das questões colocadas mais frequentemente.

No mercado português, a situação tende a agravar-se porque muitas vezes esses auditores baseiam-se em indicadores de contratos de multinacionais, que têm pouca relação com a dimensão do mercado. Quando, no caso da Accenture, o auditor passa a fornecedor numa área que audita, existe um notório problema de conflito de interesses e de concorrência desleal.

Mas não é o único caso em que situações destas acontecem. No mercado nacional tem-se assistido nos últimos tempos a um outro fenómeno – um grande anunciante concorrer ele próprio em consultas públicas na área de media, apresentando propostas baseadas nas suas propriedades e também noutros media, com preços que sabe obter quando faz compras nas suas campanhas próprias – no caso, quem já apareceu nesta situação foi a Altice, detentora do Sapo e de toda a área comercial, que inclui media com quem tem acordos. Mas outras empresas detentoras de Media também já tentaram a sua sorte.

Compreende-se que, na conjuntura em que vivemos, o preço seja um factor importante – mas a elaboração de estratégia, o serviço de acompanhamento, a capacidade de modificar o curso de uma campanha a meio e a sua constante avaliação e adequação são acções que beneficiam os anunciantes, os resultados que pretendem e que só podem ser desenvolvidas, a nível técnico e humano, pelas agências de meios – que têm o know-how e as ferramentas que proporcionam garantia. O barato sai caro – sobretudo quando se olha só para o preço sem olhar para o que se está de facto a comprar.

Os investidores digitais

No mercado norte-americano, as maiores companhias tecnológicas e digitais estão a afirmar-se como os impulsionadores do investimento publicitário – na verdade, a maior parte do aumento de investimento verificado em 2018 deve-se a 19 empresas do sector referido, entre as quais a Amazon, a Uber e o Facebook. Actualmente, sete das 10 empresas que tiveram maior aumento do investimento publicitário são tecnológicas na área da internet. O maior crescimento veio do Facebook (236%), Netflix (70%) e um vendedor online de comida para animais, a Chewy (55%). 2018 foi também o primeiro ano que as empresas FANG (Facebook, Amazon, Netflix e Google) estão na lista dos  100 maiores anunciantes do mercado americano.

40 anos a rodar a fita – e ainda mexe…

Em Julho, o walkman da Sony completou quarenta anos de existência. Foi o primeiro leitor verdadeiramente portátil de música – permitia ouvir cassetes, pré-gravadas ou as fitas com temas que cada um de nós gravava com as suas canções preferidas. Eram pequenos, leves, funcionavam a pilhas (e alguns a corrente) e ouviam-se em auscultadores. Durante vários anos dominaram o mercado de quem queria ouvir música à sua vontade, em qualquer lado. Depois apareceram os leitores de CD portáteis, os de mini-disc (que nunca tiveram muito sucesso), os leitores de mp3 e, finalmente, o iPod e o iPhone. Com a música digital nasceu o streaming – o Spotify começou a funcionar em 2008 e não parou de crescer. Mas se quiser comprar um walkman ainda o pode fazer – se tiver muita vontade de ouvir as cassetes que andou a gravar a Amazon tem o modelo tradicional do Walkman à venda por cerca de 70 libras.

Este artigo foi publicado na edição de Julho de 2019 da Executive Digest.

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