MIT: As multinacionais devem ter a complexidade geográfica como prioridade

A parceria entre a Executive Digest e o MIT tem o apoio


Nas últimas décadas, as empresas que desejaram crescer recorreram muito à expansão no estrangeiro. Bem executada, essa jogada pode dar a uma empresa acesso a novos mercados, clientes e fontes de receitas. Por vezes, a estratégia fracassa rapidamente, e as saídas estrondosas chegam aos títulos de jornal, como quando a Dunkin’ Donuts deixou a África do Sul após dois anos e a Walmart desistiu do Brasil após 20 anos de luta. Noutros casos, os resultados são discretos e as empresas acabam por acumular um portefólio de geografias assim-assim que lenta e subtilmente desgastam a rentabilidade.

Mas estas saídas notáveis escondem uma questão mais abrangente. Muitas empresas subestimam um elemento essencial de sucesso nas suas diligências: a complexidade de operar nos países desejados. Analisámos cuidadosamente empresas que operam em todo o mundo pela perspectiva da complexidade e como isto afecta o sucesso ou o fracasso das multinacionais. Descobrimos que a expansão para países com alta complexidade tem um impacto negativo directo nos lucros operacionais de uma empresa.

Com uma possível recessão no horizonte, é uma boa altura para as empresas avaliarem os seus portefólios de países e repensarem a estratégia. De facto, muitas empresas passaram o ponto de retornos em queda e já operam em países a mais. O caminho em frente exigirá uma configuração mais rígida de países fundamentais para reduzir a complexidade operacional e ganhar rentabilidade.

APLICAR A APRENDIZAGEM DAS MÁQUINAS NO MERCADO GLOBAL

O nosso estudo começou com uma nova estrutura para compreender a complexidade de fazer negócio em 83 países diferentes de todo o Mundo. Classificámos cada país em 31 pontos de dados para avaliar o nível de complexidade legislativa, operacional e comercial. Depois usámos técnicas de aprendizagem das máquinas para os dividir em oito grupos, cada um deles com um perfil único de complexidade. O resultado é o nosso Índice de Complexidade dos Mercados Globais (GMCI na sigla original).

No índice, o Grupo 1 (MVP, os países mais valiosos) é constituído por países com baixa complexidade e inclui muitas das economias mais avançadas do mundo, incluindo EUA, Reino Unido, Austrália, Alemanha, Japão e os países nórdicos. O Grupo 8 (só para os corajosos) está no outro extremo do espectro, com alta complexidade em todas as áreas. Este grupo inclui Nigéria e Paquistão, ambas economias relativamente grandes que representam oportunidades de mercado viáveis para o negócio certo com a abordagem certa – mas estes mercados apresentam-se como um desafio para as empresas que não estão preparadas para esses níveis de complexidade.

Uma das formas de utilização do GMCI é descobrir analogias. Assemelha-se a uma recomendação da Netflix: se já têm sucesso a operar num país do Grupo 5, como Marrocos, então a empresa aprendeu a prosperar num mercado com uma alta complexidade operacional e pode ter sucesso noutros países do Grupo 5, como a Tunísia ou o Vietname. Claro que quando se passa para grupos com diferentes perfis de complexidade, acontece o oposto. Terão de enfrentar desafios de gestão novos e diferentes, fora da vossa competência central. A adaptação a estes desafios tem o seu custo, mas a incapacidade de lidar com essa lacuna deixa a empresa em desvantagem operacional.

Para quantificar a complexidade que tem impacto na economia de uma organização, criámos uma nova métrica conhecida como “classificação de complexidade de actuação” (FCS na sigla original). A FCS é uma avaliação do alcance (o ponto a que estão a operar num ambiente diferente do grupo natal) da expansão da empresa para países com diferentes perfis de complexidade. A FCS é calculada através da multiplicação da percentagem dos países em que a empresa opera em cada grupo do GMCI pelos “passos de complexidade” a que o grupo está da sua base. Vejamos a Unilever. Embora seja originalmente dos Países Baixos (Grupo 1), 21% dos países em que a Unilever opera estão no Grupo 4, a três grupos de distância e três passos mais complexo. Estes países contribuem 0,63 (obtido pela multiplicação de 0,21 por 3) para a FCS da Unilever.

Identificámos as concorrentes mais próximas de uma vasta gama de sectores, usando comparações semelhantes sempre que possível – Coca-Cola e Pepsi, UPS e FedEx, Hilton e Marriott. Queríamos compreender se duas concorrentes próximas com produtos semelhantes mas diferentes estratégias geográficas teriam diferentes níveis de rentabilidade. A resposta é um redondo sim, e os dados demonstram uma tendência consistente. Em média, descobrimos que o aumento da FCS em 0,25 reduz as margens operacionais em 4,35%. Num exemplo hipotético, mais uma vez usando a Unilever, se a empresa acrescentasse um país do Grupo 8 (ou, numa jogada de analogia, dois países do Grupo 5) ao seu portefólio, seria de esperar que as margens operacionais da Unilever descessem de 16,9% para 12,55%. É claramente um grande êxito, e embora diversos factores estimulem a rentabilidade, os gestores e as administrações devem ter planos para manter a rentabilidade quando se leva a cabo grandes planos de expansão.

O que leva à questão da contracção. Será que as empresas conseguem obter lucros operacionais se desistirem dos mercados complexos? A relação entre a FCS e as margens operacionais sugere que a simplificação da actuação pode ser oportunidade de melhoria de lucros pouco aproveitada. A multinacional britânica Compass Group oferece um excelente exemplo com um claro antes e depois. Em 1998, a empresa de gestão de produtos e infra-estruturas alimentares operava em mais de 100 países, incluindo Timor-Leste, Eritreia, Costa Rica e Suazilândia. Em 2007, estimulada por quedas nos lucros, a Compass deu início a um processo de maior enfoque e disciplina no seu negócio, o que incluiu a saída de 50 países. A decisão de retirar as operações de quase metade dos países do seu portefólio reduziu a FCS da Compass de 2,21 para 1,24 e aumentou as suas margens operacionais de 4,5% para 7,2%. Durante o mesmo período, o fluxo de caixa aumentou quase 400% e as receitas 60%.

CONSEGUIR EVITAR AS ARMADILHAS DO PORTEFÓLIO GEOGRÁFICO

Tendo em conta o impacto da complexidade da actuação na rentabilidade, porque é que as empresas acabam frequentemente a expandirem-se em demasia nos mercados errados? O problema começa por concentrarem as suas diligências num conjunto incompleto de factores ou por se indexarem em exagero a outros. Por exemplo, o tamanho de um possível mercado é um factor determinante em qualquer decisão de iniciar uma expansão geográfica, mas raramente é um bom indicador do nível de complexidade. Ou seja, embora o tamanho do mercado indique as possíveis receitas, tem pouco impacto directo na capacidade da empresa para atrair essas receitas.

Segundo a nossa análise, as 20 maiores economias no mundo estão espalhadas por seis grupos diferentes do GMCI. Vão de países como a Alemanha e o Japão, com pouca complexidade em todas as categorias, para países como a Índia, com alta complexidade comercial e legislativa. A tentação da população da Índia, do seu rápido crescimento e de uma riqueza relativa é atractiva para muitas empresas ocidentais, mas já se viram retiradas importantes, como a da Walmart e da General Motors. A proximidade geográfica pode ser outro engano. As vantagens linguísticas, culturais e logísticas de passar para uma geografia próxima são uma tentação, mas pode ser fácil focar muito a atenção nas semelhanças e negligenciar as diferenças. Até os países geograficamente próximos podem variar nos tipos e níveis de complexidade que caracterizam os seus mercados, o que pode desgastar os benefícios mais óbvios da proximidade geográfica.

Para todos os que estão empenhados numa expansão internacional apesar dos desafios, oferecemos mais um case study: a Ikea. Nos seus 76 anos de história, a retalhista dos móveis expandiu-se para 52 países, em cinco grupos do GMCI (e tenciona entrar num sexto). Contudo, a empresa não lidou com todos os grupos de uma vez. Nos seus primeiros 20 anos, a Ikea criou lentamente operações no seu Grupo, os MVP de menor complexidade. A partir da sua base, na Suécia, começou por se expandir localmente para a Noruega, a Dinamarca e a Suíça. Porém, no seu primeiro período de expansão, também chegou ao Japão, à Austrália e ao Canadá – entrando em países de três continentes diferentes, mas mantendo-se naqueles com um baixo perfil de complexidade. No seu 20.º aniversário, a Ikea estava em 12 países de quatro continentes.

Depois de ter esta base estável, a Ikea começou lentamente a expandir-se para fora, passando para países com ambientes operacionais ligeiramente mais complexos. De cada vez, estabeleceu uma presença em vários países dentro de um grupo do GMCI e passou mais de uma década a desenvolver as suas capacidades para lidar com as complexidades organizacionais, legislativas e comerciais que encontrou antes de passar para o grupo seguinte. Em nenhuma altura da sua história a Ikea saltou para um mercado com um perfil de complexidade totalmente diferente.

Não há dúvida de que a Ikea é um player único no retalho. Os seus preços, design e experiência na loja destacam-se num mercado concorrido. Contudo, as estratégias inteligentes de expansão da Ikea são também uma parte fundamental daquilo que a tornou uma das retalhistas de maior sucesso no mundo. E estas estratégias sobressaem em forte contraste com as de muitas outras multinacionais que podem olhar para os seus registos de expansão e ver como subestimaram a complexidade de um novo mercado.

A IMPORTÂNCIA DE SABER CRIAR UM CAMINHO EM FRENTE

Tendo em conta o entusiasmo da última década por expansões internacionais, muitas empresas dão por si com portefólios inchados – as suas expansões geográficas não dão dividendos, mas também não são suficientemente más para serem abandonadas. Por isso, para todos os que gerem a estratégia empresarial, a expansão de produto e o crescimento através de fusões e aquisições, e, claro, para todos os CEO e equipas de executivos, recomendamos três medidas simples para ver o portefólio geográfico com outros olhos.

  1. Identifiquem o perfil de complexidade do GMCI. Com base nesse índice, conseguem traçar os países em que a organização opera nos oito grupos do GMCI. Podem também calcular a FCS e, ainda, comparar os lucros operacionais com os dos seus pares do sector com diferentes portefólios geográficos.
  2. Avaliem os ambientes de alta complexidade. Entre os países em que a empresa tem actualmente operações, é importante identificar quais os que têm níveis mais altos de complexidade do que o país de origem. São países que aumentarão a FCS e farão descer os lucros operacionais. Vejam se teriam decidido expandir para cada país sabendo o que sabem hoje sobre o desempenho desse mercado.
  3. Tomem decisões difíceis. Antes de as recessões ou crises terem o seu próprio impacto, determinem onde devem realmente parar de operar – onde a complexidade prejudicou os lucros e onde a expansão não compensou. Podem sair com mais elegância e eficácia quando não são forçados a tal.

O mais importante é que muitas expansões internacionais não compensam. Se fracassarem de forma rápida e óbvia, devem ficar gratos. As expansões mais perigosas são as que se arrastam no portefólio, sugando lentamente os lucros. Antes de serem atingidos por uma recessão, analisem o portefólio geográfico e certifiquem-se de que a vossa empresa não se expandiu demais à custa da solidez e da rentabilidade.

 

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Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 166 de Janeiro de 2020

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