O efeito crisálida das startups

As startups de sucesso chegam a um ponto em que têm de largar os seus hábitos iniciais e procurar a maturidade empresarial.

Por Juliette Powell

Em 2013, a Jawbone, uma fabricante uma fabricante de aparelhos “wearable”, adquiriu a BodyMedia, alegadamente por mais de 90 milhões de euros. Os dois líderes partilhavam uma ambição: criar rapidamente escala para se tornarem uma empresa de produtos wearable de milhares de milhões de euros, vendendo aparelhos que recolhiam dados não só de saúde e fitness, mas também relacionados com condução segura, viagens e uma série de experiências. Sabiam que era um objectivo a longo prazo; aparelhos com essa dimensão precisariam de mais centenas de milhões de euros em investimento. Mas estavam convencidos de que a empresa recém-combinada ultrapassaria a concorrência, incluindo algumas das maiores de alta tecnologia.

«Como uma das primeiras consolidações de experiência, tecnologia e IP, a fusão da Jawbone foi uma demonstração», relembra John (“Ivo”) Stivoric, que fora co-fundador e Chief Technology Officer da BodyMedia e que depois se tornou VP de Investigação e Desenvolvimento da Jawbone. «Era uma prova de força perante gigantes como Apple, Google, Microsoft, Samsung e até a Amazon.»

E, de facto, a empresa recém-fundida expandiu-se rapidamente. Contudo, quando ficou maior, o seu ímpeto diminuiu. «Nos primeiros tempos», relembra John Stivoric, «a nossa equipa teve um excelente registo de inovação para a disrupção – repetidamente. As pessoas diziam que não éramos capazes de fazer algo tecnologicamente, e nós íamos em frente e conseguíamos, além de provarmos as soluções clinicamente. No entanto, com o passar do tempo, ficámos menos ágeis a correr riscos.»

Este padrão é prevalente entre startups. À medida que crescem, arrumam as suas inovações e passam para lançamentos mais incrementais. Este problema normalmente atribui-se às quebras no mercado da procura de novos produtos. É preciso tempo para que um número relativamente pequeno de utilizadores se transforme numa ampla base de clientes.

Mas a procura do mercado nem sempre é o principal problema. As startups enfrentam desafios internos que as travam. Assim que uma empresa se expande para lá de algumas centenas de pessoas, o estilo de gestão informal dos primeiros tempos deixa de funcionar. As empresas mais recentes precisam de crescer, mas manter ao mesmo tempo a fluidez e a produtividade de uma startup, e nem sempre é óbvio; os fundadores têm pouca experiência a gerir empresas maiores. Se acrescentarmos a isso os caprichos da concorrência e os desafios associados ao recrutamento e retenção de talento não admira que poucas cresçam para lá da fase startup.

Podemos chamar a isto “o efeito crisálida”. Vários anos após ser fundada, uma organização experimenta algo semelhante à metamorfose de uma larva numa borboleta. Até para o mundo dos insectos não deixa de ser uma transição brutal; a lagarta muda de pele quatro ou cinco vezes e depois, como pupa, digere-se a si própria, literalmente. O seu antigo corpo torna-se um caldo. As células que estavam adormecidas, chamadas discos imaginais, libertadas por novas hormonas, duplicam-se rapidamente, formando olhos, asas e padrões de cor. Apenas um em 400 ovos de lagarta sobrevive à viagem.

A metáfora da crisálida é adequada porque o processo de amadurecimento para as startups também envolve alterações consideráveis. Em 2015, morreu uma startup por semana, segundo a base de dados CB Insights. No que toca a “aumentar de escala”, as hipóteses são ainda mais baixas. As sobreviventes ganharam fama: Google, Amazon, Facebook, Netflix ou Apple. No entanto, para sobreviver a essa transição com sucesso, os líderes têm de alterar radicalmente as suas organizações e a forma como as gerem, crescendo ao mesmo tempo. Durante a transição, muitas empresas são vendidas ou adquiridas. Contudo, se os líderes iniciais anteciparem a transição – por exemplo, criando novos cargos para os fundadores ou desenvolvendo redes colaborativas – podem restruturar-se e elevar-se.

CRÓNICA DE UMA CRISÁLIDA

Quando comecei a falar com líderes tecnológicos sobre o efeito crisálida, o fenómeno ainda não tinha esse nome. No entanto, conhecia líderes de startups que falavam sobre isso informalmente. Aumentar a escala era um desafio maior do que o esperado, e muitos recusavam falar sobre o assunto. Contudo, certos consultores e fundadores estavam disponíveis e alguns estão a conseguir codificar as práticas da transição.

Um local onde a transição se está a tornar codificada é a Universidade de Stanford. Reid Hoffman, investidor de Silicon Valley e co-fundador do LinkedIn e do Greylock Partners, e o colega Allen Blue, co-fundador e vice-presidente de Gestão de Produto do LinkedIn e membro do Conselho Consultivo de Dados do Departamento de Comércio dos EUA, deram um curso de “Blitzscaling” em Stanford em 2015 (que depois colocaram no YouTube). O curso foi publicitado como sendo sobre crescimento rápido. Mas cobriu as disciplinas necessárias para que uma empresa se expanda para lá dos primeiros dias. (Depois de o curso ter sido colocado no YouTube, o LinkedIn fez um acordo de 23 mil milhões de euros, mas os princípios ainda se mantêm.)

«A vantagem de ser primeiro não vai para a primeira empresa que lança», afirmou Reid Hoffman. «Vai para a primeira empresa que cria escala.» Descreveu a transição típica de uma startup de “tribo” – com poucos colaboradores e uma capitalização de mercado normalmente abaixo dos nove milhões de euros – para uma “vila”, com milhares de colaboradores e uma capitalização de mercado no valor de milhares de milhões. «Passamos a fase de tribo», revelou, «não porque queremos, mas porque temos de o fazer.»

Outro especialista que falou da transição foi Steve Blank, que fundou a empresa de software e.piphany (agora parte da Infor). No seu livro “Startup: Manual do Empreendedor”, explica a sua transição como a passagem do desenvolvimento pós-cliente para a criação de clientes: «Uma fase diferente, durante a qual a empresa muda subitamente de “à procura de um modelo de negócio” para a “execução do plano de negócio”. [Tem agora] objectivos financeiros e prazos a cumprir, produtos e planos a apresentar, e uma responsabilidade mais granular e precisa perante investidores e membros da administração.»

Para Micheál J. Kelly, reitor do Instituto Lazaridis, da Universidade Wilfrid Laurier, Toronto, a transição exige conhecimentos que poucos líderes de startups possuem: «Os empreendedores sentem-se confortáveis quando têm 20 colaboradores, mas quando precisam de criar estruturas, não sabem o que fazer.»

Qualquer empresa que queira moldar o futuro como inovadora deve estar pronta para aumentar de escala quando chega a altura certa. Ou, como Reid Hoffman afirmou: «Devem pensar, o que acontece quando forem mil pessoas, duas mil, três mil? Porque o erro que se comete muito na gestão é esperar que as coisas corram mal para depois se lidar com ele.» Acrescentou que a necessidade de criar escala foi um factor na sua decisão de ser substituído como CEO do LinkedIn por Jeffrey Weiner, recrutado à Yahoo, onde era vice-presidente executivo da divisão de redes e liderava uma equipa de 3000 pessoas.

QUATRO PRINCÍPIOS BÁSICOS

Há quatro factores que surgem consistentemente: colocar o fundador em cargos novos que aproveitem a sua criatividade; recrutar para a escala procurando pessoas talentosas com experiência na transição que estão prestes a executar; desenvolver redes relevantes na empresa, para que as pessoas possam comunicar em grandes estruturas; e adoptar algumas práticas habituais de gestão, que não criem burocracia.Estas práticas têm um princípio base em comum: «permanecer igual, mas diferente», como explicou Hap Klopp, autor de “Almost: 12 Electric Months Chasing a Silicon Valley Dream” e empreendedor em Silicon Valley desde os anos 80, depois de ter co-fundado a retalhista The North Face. «As mesmas coisas que estão incutidas no ADN de uma empresa – noção de urgência, objectivos, paixão e energia – precisam de ser retidas, expandindo-se simultaneamente a equipa e o horizonte», explica.

Reposicionar o fundador: Em 1998, um engenheiro chamado S. Scott Crump e a mulher, Lisa, trabalhavam na sua garagem do Minnesota para criarem um sapo de brincar para a filha de dois anos. S. Scott descobriu que conseguia ligar uma pistola de cola quente para ser programada de forma a criar objectos 3D ao fixar o aparelho a um sistema robótico XYZ. Isto fez com que inventasse a modelagem por deposição fundida, o processo de impressão 3D de que muitas máquinas digitais dependem. Os Crump fundaram a Stratasys, das primeiras empresas no sector. S. Scott Crump foi chairman e CEO da Stratasys até Dezembro de 2012, quando se fundiu com a Objet Geometries. Nessa altura, foi substituído como CEO e permaneceu chairman. Contudo, aceitou também o cargo de Chief Innovation Officer.

Este padrão é habitual em startups tecnológicas maduras. Na Google, Larry Page aceitou um cargo novo aquando da formação da Alphabet, a empresa-mãe virada para a inovação. Isso permitiu-lhe concentrar no apoio à inovação.

Recrutar para a escala: Com a expansão surgem as contratações rápidas, que podem prejudicar a confiança interna. Para contrariar a tendência, as empresas que passaram pelo efeito crisálida dedicam muito tempo e esforço ao recrutamento, mesmo que enfrentem a pressão de contratar rapidamente. Procuram pessoas alinhadas com a cultura, que trazem energia e responsabilização e que sabem como contrapor posições das quais discordam, de forma respeitosa e construtiva. Também procuram pessoas com uma perspectiva mais abrangente.

«As pessoas que sobrevivem às transições de startup para escala», explica John Stivoric, da Jawbone, «são esponjas de aprendizagem, interessadas em todos os aspectos do negócio. Não importa se são da gestão sénior ou peritos técnicos. Precisam deles. Conseguem navegar as fases e alterações no negócio porque vêem onde e como as peças estão interligadas.»

A Jawbone, por exemplo, contratou Jason Child como Chief Financial Officer, o qual tinha 20 anos em cargos de liderança em empresas como a Amazon. Tinha experiência com as armadilhas de má gestão e os triunfos da boa liderança.

A tolerância de Silicon Valley para com o fracasso nasce desse factor. «Alguns empreendedores afirmam que é essencial contratar pessoas com experiência porque estas aprenderam lições valiosas com erros do passado», afirma Amish Shah, fundador e CEO da empresa de recrutamento Millennium Search. No entanto, as empresas maduras realmente bem-sucedidas podem também atrair histórias de sucesso, e prosperar. No dia 16 de Julho de 2015, quando a nova CFO da Google e Alphabet, Ruth Porat, que fora CFO da Morgan Stanley, liderou a sua primeira conferência de imprensa na Google, a capitalização de mercado da empresa subiu 50 mil milhões de euros – os maiores ganhos num só dia no valor de mercado de qualquer empresa na história, segundo James B. Stewart, do “New York Times”. Os investidores sabiam o valor de ter alguém que gerira eficazmente uma função financeira.

«Os empreendedores de maior sucesso estiveram em grandes negócios», revela Annette Kramer, veterana de startups. «Eles têm visto como uma má gestão pode diminuir o crescimento das empresas quando há colaboradores. A sua prioridade é desenvolver a empresa com olho no crescimento, desde o início.»

Abaixo dos executivos, colocar as pessoas certas numa organização exige a mesma atenção. A estratégia usada pela Regeneron, empresa biofarmacêutica que triplicou de tamanho em quatro anos, mostra a importância da cultura organizacional. Perante a necessidade de acrescentar muitos cientistas experientes para grandes projectos, a Regeneron investiu primeiro na articulação daquilo que era especial para uma cultura de alto envolvimento e alta integridade. «Assim que estes valores culturais foram articulados, conseguiram atrair novos colaboradores alinhados com a empresa», afirma Benoit Hardy-Vallée, consultor executivo na IBM.

Desenvolver redes colaborativas: Depois de recrutar as pessoas certas, é preciso juntá-las para que aprendam juntas, principalmente se forem de divisões diferentes. Isto pode ser feito em reuniões de grande escala. Em 2015, na Marketbot, por exemplo, Jonatham Jaglom, na altura general manager do negócio na Ásia-Pacífico e Japão, foi promovido a CEO e ficou responsável por ultrapassar um abrandamento e por revitalizar o crescimento da empresa. «Uma das primeiras coisas que fiz», relembra, «foi criar um conselho de pessoal criativo, voluntário e com 50 pessoas.» A sua equipa identificou os principais influenciadores em diferentes departamentos, e ele pediu-lhes que se encontrassem regularmente com ele como grupo, para redefinirem em colaboração a cultura da Makerbot.

As redes relevantes podem também ser desenvolvidas através de conversas individuais. Quando Jeff Weiner se tornou CEO do LinkedIn, organizou reuniões com cada líder para falar sobre estratégia, prioridades e objectivos mensuráveis. Perguntou-lhes em que se poderiam concentrar, e fê-los pensar na cultura e nos valores da empresa. Depois resumiu isto num conjunto comum de prioridades, articulado numa única página para que todos compreendessem aquilo para que estão a trabalhar.

«Continua a ser a mesma missão com que trabalhamos hoje… É importante termos isto, porque na verdade é um pilar que se torna parte das decisões diárias entre as pessoas da empresa», explicou Reid Hoffman no curso Blitzscaling.

Adoptar práticas de gestão habituais: «Qualquer produto que se torne popular e se espalhe na internet pode ver as suas receitas saltar de um milhão para 100 milhões de euros», diz J.F. Gauthier, head of Business Development da Compass. «Mas isso é apenas a ponta do icebergue.» Agora está na altura de ir buscar as práticas de gestão estabelecidas que permitem avançar. Podem incluir maneiras de formar e avaliar pessoas, de criar processos empresariais, trabalhar em mercados estrangeiros, ou monitorizar o desempenho.

Nas empresas convencionais, estes trabalhos são normalmente responsabilidade do pessoal dos departamentos funcionais: TI, Recursos Humanos e Design Organizacional. Nas startups, como Reid Hoffman afirmou numa entrevista à “Harvard Business Review”, a empresa move-se mais depressa, criando escala mais depressa do que as suas concorrentes, correndo mais riscos e procurando, «liberdade das regras normais» de gestão. Não é possível evitar todos os controlos; eles são precisos para assegurar qualidade. Por isso é preciso ir buscar selectivamente estas práticas, métricas e designs organizacionais que encaixam bem – e que permitem continuar a aproveitar os conhecimentos e a experiência das pessoas contratadas. A Alphabet definiu-se dentro da Google através do seu design organizacional. Tem uma divisão chamada X (ou Google X) onde empreendedores como John Stivoric podem desenvolver novos negócios separadamente do resto da Google, mas com o apoio de que precisam para crescer. A X criou processos de recrutamento e gestão, financiamento e colaboração que irão ajudar estes negócios a ultrapassarem o efeito crisálida.

O UNICÓRNIO E A BORBOLETA

Extinguir práticas antigas e criar novas pode ser doloroso. Mas a alternativa, para muitas startups, é pior. Para os unicórnios de Silicon Valley, os desafios do crescimento podem não parecer relevantes. Conseguiram capital para criar escala. Mas a popularidade do curso de Reid Hoffman mostra que só capital não chega para um crescimento fiável. O mundo pode celebrar os unicórnios da tecnologia, mas a Economia necessita de borboletas: empresas que podem introduzir e gerir tecnologias inovadoras, com maturidade para se manterem à tona. Ultrapassar o efeito crisálida, ganhar asas e desenvolver a capacidade de voar pode diferenciar uma empresa. O processo pode ser o factor necessário para a nossa saúde económica futura.

Este artigo foi publicado na edição de Janeiro de 2019 da Executive Digest.

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