Area 120: incubadora empresarial à moda da Google
Este é um olhar inclusivo à forma como a Area 120, a incubadora interna da multinacional, tem estado a desenvolver um conjunto de novas ideias dos “Googlers”.
Por Harry McCracken, colaborador da Fast Company
O “20% do tempo” da Google – o privilégio de longa data que convida os colaboradores a retirarem um quinto das suas horas de trabalho para se dedicarem a projectos pessoais que possam ter valor para a empresa – está entre as suas tradições mais icónicas. Deu origem a alguns dos seus produtos de maior sucesso, do Google News ao aparelho Cardboard VR. Mas os exigentes cargos da empresa nem sempre conseguem reduzir o seu tempo de trabalho para acomodarem os projectos extra. Há uma piada irónica na Google: 20% do tempo significa na realidade 120% do tempo.
Vinte por cento do tempo pode ser mais ethos do que benefício empresarial. No entanto, enquanto a Google e a sua casa-mãe, a Alphabet, cresceram até aos 89 mil colaboradores, o empenho da empresa na inovação bottom-up continua a ser um valor fundamental. O que levou a Google à pergunta: e se os “Googlers” com grandes sonhos pudessem dedicar toda a sua atenção a segui-los, com estruturas e recursos suficientes para maximizarem as probabilidades de sucesso?
A resposta deles é a Area 120, uma incubadora interna com dois anos cujo nome faz alusão às limitações dos tais 20% de tempo. «Criámos um local e um processo que permitam às pessoas chegarem até nós e seleccionarem aquilo que considerámos serem as equipas mais promissoras, as ideias mais promissoras, os mercados mais promissores», explica Alex Gawley, managing director, que passou uma década na Google e deixou o seu cargo de product manager da Google Apps (entretanto renomeada G Suite) para dirigir este novo projecto. A verdade é que os colaboradores «podem deixar os seus empregos e passarem 100% do tempo a explorar algo por que se sentem entusiasmados».
«Ao longo dos anos temos visto muitos, muitos tipos de incubadoras empresariais», reconhece Alex Gawley. «Queríamos fazer algo com uma abordagem Google.» O pedido da Area 120 por novas ideias tem como objectivo democratizar o seu sistema de criação de startups e injectá-lo com know-how existente de todos na Google – o que está longe das incubadoras, que vão buscar as pessoas externamente e depois afastam-nas intencionalmente do resto da empresa.
Até agora, os colaboradores da Google criaram mais de 1000 projectos para Alex Gawley e a sua equipa com cerca de 15 pessoas, que deram luz verde a perto de 50. Os colaboradores que foram aceites permanentemente no programa saem dos seus antigos empregos e trabalham numa das três localizações da Area 120 – São Francisco, Palo Alto e Nova Iorque – e recebem apoio financeiro suficiente para começarem a transformar as ideias em negócios reais, incluindo a capacidade de criar equipas com pessoas internas ou externas da Google. Tratam dos seus projectos numa base diária, com conselhos da liderança da Area 120, criadores e especialistas relevantes da Google. (A Google não revela como os cria- dores da Area 120 são compensados.)
Estes empreendimentos não significam estudos abertos. Várias divisões da Google e da sua empresa-mãe, a Alphabet, já se dedicam a isso. Em vez disso, a Area 120 procura conceitos com potencial que passem aquilo a que Larry Page, co-fundador da Google, chamou de teste da escova de dentes: coisas que se tornam necessidades, e não trivialidades ocasionais.
Foi desta forma que alguns produtos icónicos como o Google Search, o Gmail e o Google Maps chegaram a milhares de milhões de utilizadores. «Queremos criar produtos que resolvem problemas com que as pessoas se deparam diariamente», revela Alex Gawley. Ao longo do tempo, o objectivo é lançar negócios capazes de chegar à escala da Google – e colocá-los nos grupos mais apropriados da Google à medida que ganham tamanho.
Nenhum dos projectos da Area 120 que se tornaram públicos até hoje parecem conseguir ser o próximo Gmail, mas cada um tem o seu próprio conjunto de aspirações. Há três anos, Laura Holmes, uma product manager da Google que chegou à empresa em 2009, estava numa reunião com os 20 principais gestores de equipas com 500 pessoas quando notou que era a única mulher na sala. «Não creio que tivesse sido intencional», afirma. «Simplesmente acontece de vez em quando.» Laura Holmes decidiu encontrar uma forma de ajudar as minorias a atingirem carreiras de sucesso na tecnologia.
Durante uma licença sabática de três meses, Laura Holmes perspectivou o seu futuro e até foi a entrevistas noutras empresas tecnológicas. No entanto, concluiu que poderia fazer uma diferença maior ao mostrar a adultos não técnicos como criar código – e que a Area 120 podia ajudar. Após o seu regresso, convenceu os líderes da incubadora a aceitarem a sua ideia da Grasshopper, uma aplicação para smartphones que ensina programação JavaScript com testes engraçados e muito reforço positivo pelo caminho. A aplicação tornou-se pública em Abril nas lojas de aplicações da Google e da Apple, onde obteve mais de 20 mil classificações de utilizadores em ambas as plataformas e manteve uma média de cinco estrelas.
A equipa de gestão de Alex Gawley encorajou Laura Holmes a focar-se no desenvolvimento do público da Grasshopper e não em possíveis lucros. Neste momento, estão poucas pessoas dedicadas ao projecto. «Não temos propriamente orçamentos do tamanho da Google», revela Laura Holmes. «Estamos a tentar ser simples e aproveitar tudo, sentindo a pressão de termos de apresentar algo.»
Os criadores da Area 120 podem ter que economizar, mas até uma pequena startup oferece uma formação que dificilmente se obteria noutra local da Google. Juntamente com outros Googlers, Bickey Russel juntou-se à Area 120 para fundar a Kormo, uma aplicação de procura de emprego feito à medida dos mercados emergentes, onde muitas oportunidades de trabalho são tão informais e a curto prazo que nunca se transformam num anúncio convencional; foi lançado em Dhaka, a capital do Bangladesh, em Setembro. Anteriormente, Bickey Russel conseguira chegar a uma posição de liderança na equipa comercial da Google, e embora sempre se tenha considerado empreendedor, vivia num mundo fechado. Assim que o Kromo teve luz verde, «tentar criar uma equipa de engenheiros, gestores de produto e designers foi algo novo para mim», afirma.
De certa forma, a Area 120 assemelha-se a um acelerador de investimentos como o Y Combinator – o seu escritório de São Francisco tem salas de reuniões com nomes como “oferta pública”. Mas o facto de fazer parte da Google permite aos criadores aproveitarem alguma da experiência da casa-mãe, como a pesquisa em inteligência artificial. «É agradável conseguir aproveitar toda esta ciência», afirma Ofer Ronen, cuja startup da Area 120, o Chatbase, cria ferramentas para ajudar as empresas a optimizarem chatbots com IA para, por exemplo, o serviço ao cliente. «Se estivéssemos de fora, o caminho seria muito mais longo, e provavelmente nunca atingiríamos este tipo de capacidade.»
Ainda teremos de esperar para ver se a abordagem da Area 120 irá compensar – e tornar-se algo que outras empresas queiram imitar.
Afinal de contas, os projectos da fornada original de 2016 estão ainda a dar os primeiros passos. «Não são avaliados pelos milhões de utilizadores que têm», afirma Alex Gawley. «São avaliados por aquilo que aprenderam, pela quantidade de pessoas com quem falaram, e quantas provas reuniram para mostrarem que esta é a direcção certa ou errada.»
Por seu lado, outra parte da missão da incubadora é ajudar a Google a escolher eficientemente ideias que provavelmente estarão à altura das expectativas. Parte desse processo é uma análise a todos os seis meses entre os criadores das start- ups e a equipa de Alex Gawley. Cerca de metade dos 50 projectos lançados até agora foram encerrados, enquanto outros afastaram-se da sua visão inicial.
Entre os projectos da Area 120 que não viram a luz do dia estava o conceito da product manager Reena Lee para uma plataforma que deixaria os consumidores darem feedback às empresas ao falarem, simplesmente, para uma coluna inteligente como o Google Home. Embora potencialmente menos aborrecido do que os inquéritos tradicionais, a ideia tinha alguns obstáculos – entre eles o facto de os proprietários das colunas serem pessoas que gostam de experimentar coisas novas, o que influenciaria as suas respostas. Seis meses depois do início do esforço de Reena Lee, a gestão da Area 120 disse-lhe para não avançar mais. «Não fui eu a tomar a decisão», suspira. «Gostaria de ter continuado a desenvolver a minha ideia.»
Não se sintam tristes pela situação de Reena Lee. É uma das mais de 100 Googlers que trabalha na Fuchsia, o esforço radical e discreto de escrever um novo sistema operativo de raiz. O tempo que passou a lidar com a sua startup, segundo ela, deu-lhe «uma mentalidade de azáfama – criamos, aprendemos, repetimos e descobrimos como fazer as coisas». Se o valor da Area 120 para a Google acaba por estar tanto nas lições que ensina como no produto que cria, até os seus fracassos podem ser considerados sucessos.
Este artigo foi publicado na edição de Janeiro de 2019 da Executive Digest.