Dilema da Meritocracia versus Meritocentrismo na Gestão

Opinião de João Silva Santos, CEO da merytu

Executive Digest
Agosto 1, 2025
14:41

Por João Silva Santos, CEO da merytu

Muito se fala de mérito nas organizações. Que deve ser reconhecido, recompensado, incentivado. Que é a base da justiça interna, da progressão na carreira e da motivação das equipas. Durante anos, alimentámos a ideia de que vivemos — ou devíamos viver — num mundo meritocrático, onde quem merece sobe, quem se esforça colhe frutos e quem não corresponde… aprende.

Mas e se esta ideia, por mais intuitiva que pareça, estiver profundamente errada? Ou melhor: e se o problema não for o mérito em si, mas o sistema que se apropriou dele?

O termo meritocracia foi cunhado em 1958 por Michael Young, num livro que pretendia ser uma sátira distópica — e não um modelo a seguir. Mas a sátira perdeu-se, e o nome ficou. O que era crítica transformou-se em ideal. E o ideal, por sua vez, cristalizou-se num sistema rígido, onde os resultados visíveis valem mais do que o processo, onde as métricas se sobrepõem ao contexto, e onde a competição desenfreada é confundida com cultura de excelência. Onde as “partes” parecem valer mais do que o “todo”.

No papel, a meritocracia promove justiça. Na prática, cria uma corrida com pontos de partida diferentes. Ignora contextos, desvaloriza esforços que não se traduzem em números imediatos e transforma as equipas em montras de comparação constante. Quem não encaixa nas regras é descartado — não por falta de valor, mas por não corresponder aos critérios impostos.

E o mais grave é isto: muitas vezes, nem os que “vencem” saem ilesos, pagando preços no mínimo eticamente discutíveis, fruto de normas de autêntico cariz coercivo. As consequências da cultura meritocrática, realidade tão comum no mundo corporativo, são várias e preocupantes. Insegurança psicológica, cinismo organizacional, uma via verde para o burnout, comprometendo, assim, ironicamente, os próprios resultados que procura maximizar. A rotatividade aumenta, o compromisso organizacional esmorece e as equipas tornam-se menos criativas, menos coesas e menos colaborativas.

A pergunta impõe-se: será este o preço a pagar por se querer valorizar o mérito?
Ou será que estamos a confundir mérito com outra coisa?

O problema talvez esteja mesmo na palavra — ou melhor, no sufixo. Não no mérito, mas na cracia. O sistema. A estrutura imposta que se apropriou do conceito e o moldou a partir de fora, transformando-o num instrumento de intimidação, discriminação e exclusão. Mas se olharmos para a origem do termo “mérito”, encontramos uma outra realidade. Vem do latim meritum, “aquilo que é merecido”, derivado do verbo merēre, “merecer por esforço”. Esforço. Eis o elemento esquecido — ou ignorado — nas avaliações obtusas e nos rankings trituradores.

Reconhecer mérito não é premiar quem fala mais alto, ou quem marca mais golos individualmente, se em conjunto a equipa podia marcar muitos mais. É saber ver quem treinou sozinho, quem superou obstáculos invisíveis, quem cresceu com consistência e integridade, mesmo sem o aplauso imediato. É isso que nos propõe o meritocentrismo.

Ao contrário da meritocracia, o meritocentrismo recusa critérios universais e descontextualizados, e coloca o mérito no centro — mas no centro de cada pessoa, da sua história, do seu percurso. Trata-se de valorizar o que cada um conquista dentro das suas circunstâncias, e não de medir todos com a mesma fita métrica. Trata-se, verdadeiramente, de reconhecer a singularidade de cada indivíduo, promovendo a sua realização e, assim, potenciando ao máximo os resultados organizacionais.

É uma mudança de lente. E quando essa lente muda, mudam também os resultados. Porque o meritocentrismo cria ambientes onde pessoas com diferentes perfis encontram lugar e propósito; os líderes deixam de ser juízes e tornam-se facilitadores de crescimento; a comparação tóxica dá lugar à colaboração genuína; o medo do erro cede espaço à aprendizagem contínua; e, a inovação emerge de todos os níveis — e não apenas do topo ou dos “mais produtivos”.

As empresas que aplicam esta lógica observam níveis de compromisso organizacional mais elevados, menor rotatividade e equipas mais resilientes e criativas. Não porque deixaram de exigir, mas porque passaram a reconhecer. Porque perceberam que talento sem contexto é estatística — mas talento com contexto é potencial.

A obsessão pelos resultados imediatos tem prazo de validade. O compromisso com o crescimento individual, não. E é esse compromisso que torna as organizações sustentáveis, humanas e preparadas para o futuro.

Porque, no fim, a verdadeira pergunta não é: “quem merece subir?”
Antes: “estamos realmente a ver quem merece?”. E talvez a resposta esteja mesmo à nossa frente. Só precisamos de mudar o foco.

 

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